Um. Dois. Três centímetros. Sim, essa distância pequenina, esse espaço tão pequeno que traçamos nas nossas mãos. A distância que separa o ouro da prata.
Na final do triplo salto, no muito aguardado duelo ibérico entre Jordan Díaz e Pedro Pablo Pichardo, o espanhol fez 17,86 metros. O português conseguiu 17,84 metros, ficando a três centímetros, aos tais três centímetros, aos tão pequenos mas tão significativos três centímetros, de se tornar o primeiro bicampeão olímpico da história nacional.
“Do you think the Portuguese will beat the Spaniard in the triple jump? I don't know, but it's going to be brutal”
[Achas que o português vai derrotar o espanhol no triplo salto?] Não sei, mas vai ser brutal]
As conversas nos arredores do estádio olímpico, horas antes da final, já se centravam na disputa que todos queriam ver. Jordan Díaz, o espanhol capaz de saltar 18,18 metros nos Europeus, um prodígio de 23 anos, frente a Pedro Pablo Pichardo, o campeão olímpico em título. Os dois homens, ambos nascidos em Cuba, que passaram a fasquia dos 18 metros em junho, e que, quem sabe, poderão destronar o mítico recorde do mundo de Jonathan Edwards, capaz de fazer 18,29 metros em 1995.
Num duelo de princípio de noite, com um Stade de France cheio, de olhos postos naquele corredor de salto, de mirada centrada naquela caixa de areia, Díaz foi o melhor. Há um novo monstro do triplo salto, os Europeus de Roma não foram um acaso.
Pichardo consegue a segunda medalha do seu percurso olímpico, uma prata em Paris para juntar ao ouro de Tóquio, elevando-o ainda mais na galeria de grandes lendas da história do desporto português. Depois de Iuri Leitão e Patrícia Sampaio, foi a terceira medalha para Portugal nos Jogos Olímpicos 2024. No total, a bandeira nacional já subiu ao pódio 31 vezes em Jogos, 13 delas no atletismo, de longe a modalidade que mais êxitos trouxe a Portugal no grande palco do desporto global.
O aquecimento foi feito à chuva, em condições difíceis, dando um cenário épico pré-batalha. No entanto, quando os saltadores começaram o concurso, o sol de fim de tarde chegou a Saint-Dennis, num entardecer que testemunhou entre duelo por voar mais longe por cima de uma caixa de areia.
Logo no arranque do concurso, ficou claro, para alguém mais distraído, do que se trataria esta disputa: Pichardo e Díaz, Díaz e Pichado. O português entrou autoritário, com 17,79 metros, mas o espanhol respondeu ainda melhor, com 17,86 metros. À segunda tentatita, Pedro Pablo superou-se, com 17,84 metros. Pareceu acreditar que saltara para primeiro, mas ficou a dois centímetros.
Há uns bancos para os atletas se sentarem enquanto esperam pela sua vez. Estes concursos dos saltos ou dos lançamentos requerem uma força psicológica muito particular, um poder mental capaz de estar escassos segundos em ação competitiva e largos minutos aguardando, viajando pelos lugares para os quais a mente de cada um for.
Nesses intervalos entre saltos, os atletas, na sua maioria, sentam-se relativamente próximos uns dos outros, mas Pichardo prefere afastar-se. Passa algum tempo a falar com o pai, mas, em grande parte dos minutos, está mesmo sozinho, deambulando pelos seus pensamentos. A dado momento, está longos minutos a olhar para a tábua de chamada, a qual ficou demasiado longe nas duas primeiras tentativas e demasiado perto na terceira, quando fez um ensaio nulo.
Depois de tanto se fixar naquele ponto, à quarta fez uma chamada bastante competente. Ainda assim, não foi além dos 17,52. Na contenda pelo ouro, na corrida a dois pelo título, Díaz continuava de uma regularidade brutal: depois de arrancar a 17,86 metros, fez 17,85 metros no segundo ensaio e 17,84 no terceiro. Esta consistência era importante, pois, em caso de empate, a decisão dar-se-ia pelo segundo melhor salto de cada um. Assim, Pedro Pablo tinha, mesmo, de ir aos 17,87 para garantir o ouro.
Seguiu-se uma jogada arriscada de Pichardo, abdicando do quinto ensaio, guardando forças para uma última tentativa de ir ao ouro. O título olímpico seria para decidir numa derradeira oportunidade, num salto feito já quando a noite caíra totalmente em Paris, as luzes iluminando a pista, a expetativa totalmente colocada nos metros onde se decide o triplo salto.
O português fez-se ao corredor de saltos uma última vez. Respirou fundo, pediu aplausos. Ali ao pé, havia uma bandeira nacional, que se agitava vigorosamente. O campeão de Tóquio correu com velocidade, pareceu fazer um bom salto. Houve segundos de expetativa para saber a marca exata. 17,81 metros. Jordan Díaz era o novo campeão olímpico do triplo salto, com o bronze a ir para o italiano Andy Díaz, outro atleta nascido em Cuba.
Ao terminar o concurso, o novo medalhado de prata abraçou-se numa bandeira de Portugal. Esteve longos minutos à conversa com o pai, no canto do estádio olímpico onde passou boa parte da noite. Ser bicampeão, um feito inédito para Portugal, ficou perto. Mas a lenda do voador Pedro Pablo, medalhado de ouro nuns Jogos e de prata noutro, durará para sempre.