Sejam bem-vindos a mais um episódio de A Bola Fora, hoje com Sérgio Vieira, 41 anos, treinador de futebol. Começamos a Bola Fora sempre da mesma forma, que é, antes de eu chegar, o que é que estava a fazer?
- Tinha acabado de chegar e estava aqui por casa a organizar a nossa vida familiar. A minha esposa foi levar a nossa filhota à piscina. Estava aqui a arrumar, à vossa espera também.

 - É um pai mais presente agora?
- Sem dúvida. Um pai, um filho, um irmão, marido, tudo aquilo que eu posso ser. Eu sou mais presente quando não estou a trabalhar e esse é o lado fantástico, porque nem é positivo, é uma coisa fantástica nós estarmos próximos das pessoas que amamos e termos essa liberdade que às vezes a profissão também nos rouba.

 - O seu último trabalho terminou no final de agosto por decisão sua, deixou o comando técnico do Portimonense. O que é que correu mal para ter tomado essa decisão, sobretudo numa fase inicial da época?
- As pessoas que me conhecem verdadeiramente e eu posso dizer que quem me conhece verdadeiramente são os jogadores que trabalham connosco diariamente, tenha sido no Estrela, no Ferencvaros, no Famalicão, no Moreirense, no Atlético Paranaense, em todas as experiências que tive. Quem me conhece verdadeiramente são os jogadores, a minha equipa técnica, o departamento médico, as pessoas que trabalham desde muito cedo até tarde, as pessoas que convivem, que têm um contacto, que realmente conhecem o ser humano. E quem me conhece sabe que os projetos em que me envolvo são projetos que têm de obrigatoriamente ter sucesso. Isso tem a ver com uma série de premissas, de aspetos que enquanto homem, líder e treinador, tenho de sentir que o caminho a percorrer é realmente em função desses valores. Já aconteceu, penso que duas ou três vezes ao longo da minha carreira, em que realmente senti que o caminho não era esse. Porque mais importante que a profissão, mais importante que o dinheiro, é a família e o tempo de vida que temos para ela. E temos de o aproveitar bem, tudo o resto são coisas que podemos abdicar e a profissão vai ser sempre assim. Agora, quando o caminho é sólido e se sente que pode ser percorrido para alcançar o êxito, aí sim, de uma forma determinada, sempre irei percorrê-lo.

 - Vive esta fase ansioso, à espera que o telefone toque?
- Ansioso não. É algo com  que temos de saber lidar. Os treinadores, quando não estão no dia-a-dia, quando não têm aquela dinâmica diária que preenche as nossas mentes, naturalmente temos de a substituir por outro tipo de rotinas, outro tipo de dinâmicas diárias.

 - Trabalha, por exemplo, diariamente com a equipa técnica?
- Diariamente não. A minha equipa técnica são pessoas que já estão comigo há algumas épocas. Desde que deixámos o último projeto, ainda não reunimos, porque todas as dinâmicas estão muito bem entrosadas. Da última vez, chegámos a reunir-nos mensalmente, ou de dois em dois meses. Mas é fundamental, quando não estamos a trabalhar, conseguirmos desligar, conseguirmos incutir outro tipo de dinâmicas familiares, pessoais. Nunca deixando de parte a profissão, porque temos de nos atualizar, temos de estar por dentro daquilo que é o mercado, daquilo que é o nível competitivo das equipas em que poderemos ser opção, pelas quais poderemos ser contactados. E isso é sempre algo que também faz parte do nosso dia-a-dia.

 - Veem, por exemplo, mais jogos agora de outras equipas?
Sim, sigo os campeonatos portugueses, e outras ligas também. É um pouco diversificado, porque o foco não pode ser só o nosso campeonato, também temos de seguir outros países. E acho que isso é algo também muito enriquecedor.

 - Na época passada, decidiu não continuar na Estrela da Amadora. Uma decisão surpreendente, porque o objetivo tinha sido conseguido. Depois abraçou um projeto na Liga 2. Perguntava-lhe se as pessoas mais próximas também ficaram surpreendidas?
- As pessoas próximas de mim, profissionalmente, não ficaram surpreendidas, é normal. Acredito que até os próprios atletas, as pessoas que estão próximas no dia-a-dia, entendem perfeitamente os contextos que nós vivemos. O contexto do projeto, do tempo que estamos à frente dos mesmos. As etapas que podemos viver ou não, aquilo que pode existir para a frente ou não, em função do que foi vivido. A época anterior e a primeira época do Estrela foram muito enriquecedoras e desgastantes. Estamos a falar de um clube que há muitos e muitos anos não estava na Liga, que estava e continua a reestruturar-se, a fortalecer-se. Para quem comanda, juntamente com a administração, todos os processos que depois vão suportar os resultados, como foi a subida de divisão e a permanência na Liga, é algo realmente desgastante. Os nossos objetivos foram cumpridos, foi enriquecedor para nós, foi muito importante para o clube e sentimos que uma nova etapa teria de vir.

 - Tem algumas subidas no currículo, motivam-no mais do que a permanência?
-De forma alguma, aquilo que me motiva é ganhar uma Liga dos Campeões, ser campeão do mundo, treinar nos melhores campeonatos do mundo, ser campeão português, ganhar títulos, isso, sim, motiva-me. Naturalmente que subir divisão é um objetivo responsável dos clubes em que passei. O meu foco foi sempre o nós, nunca o eu. Nunca o individualismo levou a pensar mais em mim do que nos projetos, nos objetivos que tínhamos. Pensar simplesmente, por exemplo, na beleza do futebol que praticávamos e não naquilo que realmente objetivamente essa beleza levava. Temos de ser responsáveis e perceber as condições que temos para os objetivos que são propostos. E muitas vezes queremos jogar um jogo que nos traz os resultados, mas valoriza o treinador. E muitas vezes os treinadores saem a meio da temporada, a meio dos projetos, até para níveis superiores, melhores financeiramente. Nunca foi esse o meu caso. Em todas as equipas de Liga 2 em que estive e em todas as subidas de divisão, sempre tive essa possibilidade de ir para a Liga, até sair fora do país. As pessoas que estão comigo sabem isso, a minha equipa técnica sabe perfeitamente isso. Os dirigentes também sabem isso, souberam isso. Mas eu nunca coloquei esses objetivos pessoais à frente dos objetivos da equipa. É uma questão de valores humanos e sempre o conseguimos.