O azar parece ter um íman para atrair mais azar, como se fosse uma maldição que se alimenta a si mesma. E se há clube português que tem vivido tempos de dificuldade, esse emblema é o Boavista.
A crise financeira em que os axadrezados estão mergulhados é conhecida. Nos últimos anos, houve vários momentos marcados por salários em atraso e, devido a diversas dívidas e incumprimentos, há uma proibição de inscrever novos jogadores — o chamado transfer ban — aplicada pela FIFA.
No final de agosto, perto do fecho do mercado de verão, Fary Faye, o mítico avançado que preside, desde o começo de maio, à SAD do Boavista, confirmou que o impedimento prolongar-se-ia pela quarta janela de transferências consecutiva. Assim, o médio Ibrahim Alhassan e o avançado Bruninho, reforços para 2024/25, não puderam ser inscritos.
Com um plantel cheio de jovens, o italiano Cristiano Bacci orientou as quatro primeiras jornadas da I Liga com uma vitória, um empate e duas derrotas. E é aqui que chegamos ao treino da passada terça-feira, 10 de setembro.
Nessa sessão, o tal azar que se acumula voltou a bater à porta do Boavista. João Gonçalves, de 23 anos e habitual titular da baliza, e Luís Pires, de 19 anos e um dos suplentes, sofreram roturas do ligamento cruzado anterior do joelho. “Os dois guarda-redes vão ser submetidos a uma intervenção cirúrgica nos próximos dias, estimando-se um período de recuperação prolongado para ambos os atletas”, lê-se em comunicado dos axadrezados.
Perante esta situação, os alarmes soaram no Bessa. Olhando à lista de inscritos do clube na liga, as soluções que restavam a Bacci tinham todas casca de ovo na cabeça: Tomé Sousa, de 17 anos, suplente nas primeiras quatro rondas da I Liga e com um jogo efetuado esta época na II divisão nacional de juniores, e Tomás Maçães, também de 17 anos, e com 30 encontros realizados nos juvenis na temporada anterior.
Sublinhe-se que o Boavista não tem equipa sub-23 a competir na Liga Revelação, nem uma equipa B, portanto os sub-19 são, mesmo, a antecâmara da equipa principal.
Outro clube poderia ter olhado ao mercado dos jogadores livres, mas o Boavista está impedido de inscrever caras novas. Assim, a solução passou por um velho conhecido.
César Dutra, brasileiro de 32 anos que chegou a jogar no Flamengo de Jorge Jesus, atuou no Boavista em 2022/23 e 2023/24, fazendo um total de seis desafios. No final da temporada passada, não renovou com o clube portuense e passou a ser um futebolista sem contrato.
Ao não ter ainda assinado por outro emblema após sair do Boavista, César poderia ser inscrito pelas panteras. Assim, voltou a assinar contrato e já fez, mesmo, um treino com o plantel de Bacci. O guardião poderá já ser opção para a deslocação ao terreno do Estrela da Amadora, a 16 de setembro (20h15, Sport TV1).
Com este regresso de última hora, o Boavista minimiza um problema que, caso contrário, atingiria proporções ainda maiores, já que condenava a equipa a estar longos meses com jovens sem qualquer experiência remotamente parecida com o futebol profissional na baliza.
Antes de arrancar a I Liga, Fary foi claro sobre a situação do clube: “Não há outra forma de o dizer: encontrámos uma SAD destruída financeiramente e altamente ferida na sua credibilidade para o exterior.”
Um dos problemas durante o verão foi que a sociedade financeira BTL, uma das credoras do Boavista, conseguiu a aprovação do Tribunal Judicial do Porto para executar uma dívida que, com juros, já se aproxima dos €7 milhões. A execução desta dívida foi ordenada através do dinheiro proveniente de jogadores transferidos durante o verão, pelo que o Boavista teve de canalizar para aí as verbas das vendas de Pedro Malheiro (€2 milhões) e de Chidozie (perto de €1 milhão).
Dentro de campo, e numa luta pela manutenção que se prevê apertadíssima, Bacci sofreu um duplo revés no mesmo treino, mas conseguiu-se suavizar o problema com a inscrição de César. Chegar uma cara nova — ainda que conhecida — ao Bessa é, por estes dias, uma enorme novidade.