Tem tudo para ser a próxima grande inovação no mercado de transferências. Além dos jogadores e dos treinadores, também os apanha-bolas podem tornar-se alvos bastante apetecíveis e despertar uma corrida aos maiores talentos.
A avaliar por aquilo que aconteceu no FC Porto-Sporting de Braga, é muito natural que a “proeza” de Gonçalo Cruz faça escola e leve as Academias a abrir um departamento dedicado aos que usam as mãos como os craques da baliza para a frente usam os pés.
Gonçalo joga nos Sub’15 do FC Porto e notabilizou-se este sábado com a célere devolução de bola para Martim Fernandes que permitiu ao defesa que rendeu João Mário passar rapidamente o esférico para Nico González, com o espanhol a isolar Pepê na jogada que culminou no golo do triunfo sobre os bracarenses.
Logo no final da partida, o próprio Nico fez questão de entregar o prémio de “Homem do Jogo” à última e improvisada estrela dos dragões, em sinal de reconhecimento pelo contributo do petiz que acelerou os acontecimentos em prol do clube do coração.
“Hoje temos mais três pontos também graças a ele”, corroborou Vítor Bruno, numa frase que antecipa o que vai ser copiado noutras paragens e que há muito tem sido desenvolvido no recato azul-e-branco.
Em dezembro de 2021, quando o Benfica perdeu por 3-1 na Invicta, um pequeno herói chamado Afonso de Brito reivindicou um lugarzinho nas primeiras páginas depois de ter sido peça-chave no lançamento que levou Manafá a descobrir Taremi antes do iraniano surpreender as águias com a assistência imediata para Fábio Vieira.
Lançado aos 68 minutos do duelo com a formação orientada por Carlos Carvalhal, Fábio Vieira, desta vez, não estava em campo quando Pepê marcou o badalado 2-1 mas pôde apreciar de perto a astúcia do miúdo Gonçalo e desfrutar de uma comemoração que em Inglaterra já não lhe seria consentida. A Premier League proibiu em março a ação tradicional dos “ball boys” (são os futebolistas que recolhem as bolas colocadas em pontos estratégicos ao longo da linha) e pôs fim às noites de sonho que fizeram decorar os nomes dos Afonsos e dos Gonçalos lá do sítio.
Callum Hynes foi um deles, embora num contexto internacional. Em novembro de 2019 “espoletou” o lance que valeu o remate de Harry Kane que repôs a igualdade frente ao Olympiakos (os gregos estiveram a vencer o Tottenham por 2-0 e acabaram por perder por 4-2) e mereceu da parte de José Mourinho rasgados elogios, ao ponto de o treinador português lhe ter aberto a porta do balneário dos “Spurs”. Com uma “carreira” de quatro anos como apanha-bolas (“entre os 10 e os 14 anos estive nessa missão”, relembrou uma vez o atual responsável do Fenerbahçe), Mourinho tirou o máximo partido dessa experiência para antecipar a era em que todos os pormenores contam e todas as ajudas são bem-vindas.
O ba…lazio que não saiu
Em certa medida, será razoável dizer-se que o “Special One” nunca teria chegado a isso se não tivesse, numa chuvosa noite de abril de 2003, recuperado os truques de infância para... travar uma reposição lateral. Na primeira-mão das meias-finais da Taça UEFA, frente à Lazio de Roberto Mancini (e de Fernando Couto, Diego Simeone, Dejan Stankovic, Claudio López, Enrico Chiesa, Simone Inzaghi...), quando Lucas Castromán estava fresco no relvado das Antas e a preparar-se para disparar perigoso ataque com rápido arremesso, o longo braço do técnico do FC Porto puxou a camisola do argentino e abortou as felinas ideias dos laziale.
Nesse minuto, a lenda do setubalense ganhou outra dimensão e o resultado (4-1) do confronto não deixou margem para grandes dúvidas sobre qual das equipas estaria na final de Sevilha, apesar de Vítor Baía ter sido obrigado a defender uma grande penalidade cobrada por “Piojo” López no desafio da segunda-mão. Com muito para contar só no que se refere a episódios com apanha-bolas (desde o sério aviso a um dos que estava de serviço no Selhurst Park num Crystal Palace-Chelsea realizado em 2014 ao papel fundamental do jovem italiano que “deu” a bola a Dybala para este derrubar a Udinese em dezembro de 2023), José Mourinho nunca abdicou de jogar com “mais” um e é quase certo que no dia em que tomar posse como selecionador nacional vai manter-se fiel à tática de sempre.
Atualmente, o cavalheiresco Roberto Martínez, ao leme da seleção, prefere um estilo diferente, com outra sobriedade e postura, menos exuberante e cúmplice na interação com outros agentes. Talvez com o tempo e com a permanência em Portugal o catalão se mostre rendido a uma versão um pouco diferente e na verdade em correspondência com o esforço que tem vindo a fazer para abrir as portas da Cidade do Futebol a qualquer candidato digno desse nome.
Pedro Gonçalves, Francisco Trincão, Tiago Santos, Renato Veiga, Geovany Quenda, Ricardo Velho e Samuel Costa são alguns dos exemplos da elasticidade demonstrada por Martínez, dir-se-ia (quase) irreconhecível nas duas últimas convocatórias. Só lhe falta mesmo incluir o “mexicano” Paulinho no lote de eleitos para representar o País.
Os oito golos e as sete assistências em 14 jogos pelo Toluca são insuficientes para levar o ex-Sporting a disputar o lugar com o capitão Ronaldo porque estamos no tempo em que uns andam brilhantemente a apanhar bolas e outros, injustamente, a apanhar bonés.
Mas lá chegará o dia em que alguém vai ter de tirar o sombrero a Paulinho. E, nesse dia, vai ouvir-se falar de inovação.