O futebol nem sempre tem que consistir em atirar 22 gaiatos de emoções ao rubro para a arena e decidir um vencedor em função de quantos restam em cada equipa após se digladiarem. Pensar assim, seria ter pouca consideração pelo humanismo dos jogadores, característica tantas vezes escondida num arbusto de disputas aguerridas.
Pepê parou, escutou e olhou. Primeiro para um lado, depois para o outro. A observação que fez do entorno assinou um comprovativo de isolamento. Entre o brasileiro e o guarda-redes do Estoril não havia mais nada. A bola estava domesticada e as sondagens davam um golo praticamente certo. Perante estas condições, Pepê parou por iniciativa própria.
Pedro Amaral ficou agarrado à coxa. Antes de cair por terra, o lateral do Estoril tinha o lance controlado e, não fosse a falência muscular, teria interrompido o ataque do FC Porto. Pepê entendeu o demérito da oportunidade de golo que tinha nos pés e, como demonstração de apreço pelo adversário, interrompeu ali a ação.
Os jogadores do Estoril reconheceram a atitude do extremo com cumprimentos. A justiça saiu de consciência tranquila daquele momento. Pedro Amaral é que não. O canhoto acabou por substituído por Pedro Carvalho.
Ironicamente, o gesto do jogador do FC Porto foi-lhe retribuído em forma de golo. Kévin Boma, o central canarinho, fez um passe que contava encontrar Joel Robles, mas que, por mérito da pressão de Samu Aghehowa, foi parar a Pepê. De repente, ali estava ele, praticamente na posição onde tinha estado quatro minutos antes. Inibido, nesta ocasião, do cumprimento de obrigações morais, marcou o segundo golo azul e branco na vitória por 4-0, na décima jornada da Primeira Liga.
O 2-0 ao intervalo era um resultado justificável. O FC Porto apresentou soluções variadas para deixar sobretudo Danny Namaso em frente à baliza (mais do que Samu). Defendendo o Estoril em 4X3X3, existiam condições para alavancar dinâmicas nos corredores. Nesse aspeto, Martim Fernandes foi uma opção válida para endossar passes nas costas da defesa ou para ele próprio ir ao último terço cruzar. Foi a partir da direita que Martim Fernandes desmarcou o avançado inglês para o golo inaugural.
O Estoril de Ian Cathro ajustou na segunda parte para não conceder tanto espaço nas costas da defesa. Isso implicou um recuo desmesurado que dificultou o desenvolvimento ofensivo e a capacidade da equipa da linha de Cascais alcançar Alejandro Marqués.
Vítor Bruno denotou alguma antecipação. Percebendo que o espaço interior não ia ser a melhor via para atacar, o FC Porto uniu Danny Namaso e Samu Aghehowa adensando a presença perto da grande área na resposta a cruzamentos. Pena para o treinador que Namaso só tenha finalizado uma das muitas oportunidades que lhe caíram nos pés.
Para continuar a acicatar o jogo exterior, o técnico dos dragões lançou Galeno, passando a ter dois extremos puros em campo. Até então, tinha sido Fábio Vieira a ocupar o flanco direito. A entrada de Galeno foi uma aposta acertada. Aos 69 minutos, invadiu as quatro linhas e, aos 87’, já tinha bisado. Em ambos os casos, o brasileiro apareceu a finalizar ao segundo poste face ao colapso físico de Wagner Pina.
Na tranquilidade de uma vitória volumosa, Vítor Bruno conseguiu poupar Alan Varela a um amarelo que o retiraria do clássico com o Benfica na próxima jornada. Para já, mantida que está a distância de três pontos para o Sporting, líder do campeonato, é altura de pensar na Lázio. Também na Liga Europa há terreno para galgar.