É sabido que em todos os clubes existem momentos bons e maus, nomeadamente fruto do trabalho interno, tal como no Barcelona. Neste raciocínio, incluem-se naturalmente os grandes emblemas do futebol europeu e mundial, que vivem entre momentos históricos e de dificuldade. No entanto, entre os mesmos e ao longo das últimas décadas, existe um que já nos habituou a esta oscilação entre episódios excecionais e absolutamente memoráveis e outros de crise e identidade irreconhecível. Fútbol Club Barcelona, emblema histórico, com uma identidade particular e “més que un club“.

Olhando para a história dos catalães dos últimos 40 anos, já são cinco os ciclos em que se verificou o mesmo processo. O nascimento e crescimento de um projeto interessante e bem estruturado, a sua aplicação e aproveitamento total (como um limão totalmente espremido até ao tutano) em termos de futebol praticado e títulos conquistados, seguindo-se por fim, a ultrapassagem de outros projetos futebolísticos internos e externos ao seu e uma crise depressiva que leva a uma introspeção. E volta a repetir-se o processo.

O primeiro foi no final da década de 80. Numa equipa orientada pelo britânico Terry Venables e brilhavam Steve Archibald, Javier Urruti, Bernd Schuster, Julio Alberto, Marcos Alonso ou José Ramón Alexanko, o Barça voltou a vencer a Liga Espanhola após um jejum de 11 anos. Acontece que a alegria durou muito pouco. Os culés seriam superados por um memorável Real Madrid que acabaria pentacampeão em 1990 e vencedor de uma Taça UEFA (85/86). Um conjunto singular onde brilharam nomeadamente Jorge Valdano, Hugo Sanchez, Santillana, Emilio Butragueño, Michel, Chendo, Gordillo, Paco Buyo, Miguel Tendillo, Manolo Sanchís, Gallego, Martín Vázquez ou (o “traidor”) Bernd Schuster.

Tendo sido claramente ultrapassado, Josep Lluis Núñez reagiu para fazer renascer o seu clube. Ainda a meio da hegemonia merengue, o presidente catalão vai aos Países Baixos contratar o técnico Johan Cruyff, antigo jogador e símbolo dos blaugrana, que tinha sido bicampeão no Ajax. Acompanhado pelo adjunto e homem da casa, Carles Rexach, o holandês prepararia a maior mudança de sempre no futebol do clube e que provocaria também uma mudança de paradigma no futebol europeu e mundial. Num estilo de jogo que privilegiava a posse de bola e oportunidades, construção a partir do passe curto e futebol apoiado, o mítico “tiki-taka” e numa formação constituída entre rapazes da casa e alguns craques vindos de fora, Cruyff alcançou tanto em maior escala o que o Barça já não conquistava há tempos e o que nunca alcançara. Entre 1989 e 1994, o FC Barcelona foi tetracampeão (entre 1991 e 1994), venceu uma Taça do Rei (1990), três Supertaças Espanholas (1991, 1992 e 1994), uma Champions League (1992), uma Taça das Taças (1989) e uma Supertaça Europeia (1992).

Um conjunto de futebol total onde se destacaram Julio Salinas, Bakero, Txiki Begiristáin, Goikoetxea, Roberto Fernández, Eusebio Sácristan, Guilhermo Amor, Zubizarreta, Ronald Koeman, Romário, Hristo Stoichkov, Michael Laudrup, Pep Guardiola ou Miguel Angel Nadal. Este ciclo memorável começou a afrouxar significativamente após a goleada sofrida (0-4) na final europeia frente ao AC MIlan de Fabio Capello. Uma queda à qual se seguiram dois anos sem qualquer troféu conquistado, uma deterioração do futebol praticado (desequilíbrio defensivo e sem controle quase nenhum após a perda de bola), a saída de jogadores históricos (Koeman, Romário, Stoichkov, Laudrup ou Begiristáin) e a saída do próprio Cruyff em 1996, após os maus resultados e um relacionamento difícil com presidente Núñez. Embora jogadores como Figo e Popescu tenham entrado nesta altura e sobretudo o internacional português ter sido fundamental no sucesso futuro do clube.

Apesar de entre 1997 e 1999, primeiro com Bobby Robson (uma Taça das Taças, uma Taça do Rei e uma Supertaça Espanhola) e depois com Louis van Gaal (duas Ligas Espanholas, uma Taça do Rei e uma Supertaça Europeia), terem trazido algum sucesso com os seus estilos e terem vindo jogadores como Ronaldo, Luis Enrique, Kluivert ou Rivaldo, foram apenas o prolongar de um ciclo e que terminara em 2000, com a traumática saída de Luís Figo para o Real Madrid.

O segundo foi entre 2003 e 2006. O Barça vinha de um dos períodos mais traumáticos da sus história, de grande ressaca após um período em que teve dos melhores jogadores do mundo. A crise era total, tanto financeira como desportiva (quatro treinadores entre 2000 e 2003, zero títulos e ausência de fio de jogo com jogadores que se destacassem), passando por uma crise diretiva (Joan Gaspart demitia-se em 2003 após dois anos e meio desastrosos).

Fora eleito para presidente, Joan Laporta, um advogado catalão que pretendia fazer renascer o clube apoiado pelo amigo Johan Cruyff. Laporta contrata Frank Rijkaard para o novo projeto. O então jovem técnico holandês tinha escola do próprio país, experiência como selecionador holandês e encaixava na implementação de um estilo de jogo a dois toques, ao ataque e talento individual ao serviço do ideal coletivo.

Falhada a vinda de David Beckham após a campanha eleitoral, Laporta conseguiu a vinda daquele que seria o craque para os anos seguintes e que muita saudade deixou: Ronaldinho Gaúcho. Além do futuro Bola de Ouro, vieram também Deco, Eto´o, Giuly, Rafa Márquez e Giovanni van Bronckhorst. Jogadores estrangeiros influentes que se juntaram aos elementos fabricados na cantera: Puyol, Xavi, Iniesta, Victor Valdés e o recém-promovido… Lionel Messi. Ao fim de três épocas, o projeto dera todos os frutos e era uma equipa que ficava para a posteridade (uma Liga dos Campeões, duas Ligas Espanholas e duas Supertaças Espanholas). Infelizmente, o projeto começou a caducar e dar sinais de falha nos dois últimos anos.

Entre 2007 e 2008, além de nenhum troféu conquistado, o Barça produziu pouco futebol para o plantel à disposição, perda de duas Ligas para o Real Madrid e terminou com a humilhação do Bernabéu. Em maio de 2008, além de terem feito guarda de honra aos jogadores merengues campeões, os jogadores culés foram goleados por 1-4 na capital espanhola. O fim de ciclo era evidente, o balneário pesava e era precisa uma mudança.

O terceiro surgiu em 2008/09 e provavelmente o mais memorável até hoje. O presidente do clube, Joan Laporta, já tinha avisado o então técnico culé, Frank Rijkaard, que se não vencesse qualquer título no final de 2007/08, haveria um novo treinador na época seguinte… chamado Pep Guardiola. A escolha recair no ex-jogador catalão e então treinador da equipa B, baseava-se na ideia de já estar integrado no clube e conhecer perfeitamente a filosofia futebolística que se procurava recuperar (baseada em Johan Cruyff, do qual foi jogador). Ainda assim, era uma escolha demasiado arriscada para o Barcelona. A sensação de tal ideia aumentou, quando início da época 2008/09, Guardiola dispensou Deco, Samuel Eto´o (que acabaria por ficar) e Ronaldinho Gaúcho. Uma decisão levou muitos a chamarem “doido varrido” a Guardiola. Mas Pep tinha na cabeça a ideia de formar um balneário forte, em que todos se sentissem importantes e com todos os jogadores comprometidos.

Novamente com uma junção de alguns jogadores estrangeiros de alto nível (Henry, Eto´o, Touré, Dani Alves, Keita, Abidal ou Márquez) e muitos outros da formação do clube (Messi, Iniesta, Xvi, Puyol, Valdés, Pedro Rodríguez, Piqué, Bojan Krkić ou Sergio Busquets), o Barcelona de Pep Guardiola apostava num estilo de jogo baseado em posse de bola elevadíssima, pressão alta, volatilidade e um posicionamento dos jogadores altamente inteligente. Apesar de um início titubeante de época com apenas uma vitória nos primeiros quatro jogos (duas derrotas e um empate), foi uma questão de tempo até os jogadores encaixarem e porem em prática o que sabiam.

A verdade é que desde o primeiro confronto para a fase de grupos da Champions League (3-1 ao Sporting de Paulo Bento) até ao fim da época, foi sempre a abrir e esta equipa vencia tudo o que havia para vencer: vencedor da Liga Espanhola três anos depois (nove pontos de vantagem sobre o Real Madrid e com o triunfo decisivo de 6-2 no Bernabéu), vencedor da Taça do Rei onze anos depois (triunfo por 4-1 ao Athletic Bilbao, em Valência) e a reconquista da Champions League três anos depois (frente ao Manchester United por 2-0, em Roma).

No ano seguinte e apenas com a troca significativa de Eto´o por Zlatan Ibrahimovic (troca com o Inter de Milão de Mourinho) no ataque da equipa, o coletivo de Guardiola vencia os três troféus subsequentes ao sucesso (Supertaça Espanhola, Supertaça Europeia e Mundial de Clubes), além de revalidar a Liga numa disputa acirrada com o Real Madrid dos novos galácticos (Cristiano Ronaldo, Kaká, Benzema e Xabi Alonso).

Embora tenha sido surpreendido e eliminado na Champions League 2009/10, nas meias-finais pelo Inter de Milão. O coletivo de Mourinho (com Eto’o, Milito, Sneijder ou Maicon) destruiu os catalães em Milão (3-1) e parou-os em Camp Nou (0-1), impedindo o Barça de chegar à revalidação do título.

Até ao fim do consulado do jovem técnico catalão, o Barcelona voltava a vencer tudo entre 2010/11 e 2011/12. Com a vinda de alguns jogadores decisivos como David Villa ou Javier Mascherano e no ano seguinte Cesc Fàbregas ou Alexis Sánchez, juntamente com o núcleo duro já consolidado (Messi, Iniesta, Xavi, Pedro, Busquets, Alves, Abidal, Valdés, Puyol e Piqué), o estilo da equipa refortalecia-se e já ganhava de olhos fechados. Mais sete títulos até maio de 2012: Liga dos Campeões (2010/11, com 3-1 frente ao Manchester United, em Wembley), mais uma Liga Espanhola (2010/11, quatro pontos de vantagem sobre o Real Madrid de José Mourinho, 5-0 em Camp Nou a ser o jogo da decisivo), uma Taça do Rei (2011/12, 3-0 ao Athletic Bilbao), duas Supertaças Espanholas (2010 e 2011, frente a Sevilha e Real Madrid respetivamente), uma Supertaça Europeia (2011, 2-0 frente ao FC Porto de Vítor Pereira) e mais um Mundial de Clubes (2011, 4-0 frente ao Santos de Neymar).

O consulado de Guardiola esgotara-se no fim de 2011/12 e apesar de se ter mantido por mais dois anos, já não era o mesmo. Em 2012/13, já com Tito Vilanova no comando da equipa, o Barça reconquistava a Liga (com 100 pontos, record juntamente com o Real Madrid da época anterior), mas o estilo de jogo já não era tão pressionante e já acusava alguma previsibilidade. Mais notório foi no ano seguinte, com Tata Martino.

O Barcelona de 2013/14 vencia apenas a Supertaça Espanhola e sem vencer qualquer jogo frente ao Atlético de Madrid de Diego Simeone (1-1 no Calderón e 0-0 em Camp Nou), de resto falhara em todas as competições e nos momentos decisivos frente aos rivais (Segundo na Liga atrás do Atlético campeão, finalista perdedor na Taça do Rei com o Real e caiu nos quartos de final da Champions aos pés dos colchoneros). Ciclo notoriamente esgotado e era preciso uma mudança novamente.

O quarto surgiu em 2014. O novo presidente do Barcelona, Josep Maria Bartomeu, apostara em Luis Enrique para o comando técnico. O ex-jogador do Barça e jovem treinador, conhecia perfeitamente a identidade do clube e procurava fazer renascer a mística blaugrana. Embora tenham saído do clube Cesc Fàbregas, Victor Valdés, Puyol ou Alexis Sánchez, tinham chegado Luis Suárez, Ivan Rakitic, Jérémy Mathieu, Claudio Bravo e Marc ter Stegen. Juntavam-se a um núcleo fortíssimo e pronto para a reconquista: Messi, Neymar, Iniesta, Busquets, Xavi, Jordi Alba, Piqué, Alves, Pedro e Mascherano.

Apesar de alguns pontos baixos e de conflito durante a primeira metade da época, as coisas começaram a encarreirar e desde janeiro até ao fim da época, o Barcelona de Luis Enrique vencia tudo em 2014/15: Liga Espanhola (dois pontos de vantagem do Real Madrid), Taça do Rei (3-1 ao Athletic Bilbao, em Camp Nou) e Champions League (3-1 à Juve de Allegri, em Berlim).

Com um estilo que por vezes abdicava de uma posse de bola extrema, a favor de transições mais rápidas, liberdade ofensiva e verticalidade, com um trio MSN (Messi, Suárez e Neymar) letal na hora da verdade, a equipa venceria mais seis titulos até à despedida de Enrique em 2017: uma Liga Espanhola (2015/16, disputada até ao fim com Real e Atlético), duas Taças do Rei (em 2015/16 e 2016/17, ao Sevilha e Alavés respetivamente), uma Supertaça Espanhola (2016, ao Sevilha), uma Supertaça Europeia (2015, 5-4 ao Sevilha) e um Mundial de Clubes (2015, 3-0 ao River Plate).

Após a saída do histórico jogador e treinador espanhol do Barça, entre 2017 e 2021, estiveram no clube Ernesto Valverde, Quique Setién e Ronald Koeman. Valverde, com um estilo mais conservador e controlador, apesar de ter sido bicampeão (2018 e 2019, com apenas sete derrotas em 95 jogos para a Liga) e ter vencido tudo internamente, teve a lacuna de perder duas Champions League seguidas com duas eliminatórias na mão e que terminaram de forma desastrosa. Em 2017/18, nos quartos de final da competição, após ter vencido a AS Roma por 4-1 em Barcelona, perderia por 0-3 na capital italiana. Parecido um ano depois, quando nas meias-finais, cilindrou o Liverpool de Jurgen Klopp por 3-0 em Camp Nou e uma semana depois, terminou cilindrado por 0-4 em Anfield. Imperdoável num clube como o Barcelona. Quique Sétien além de ter perdido tudo internamente, fica marcado pela humilhação nos quartos da Champions League em ano de Covid (2020): 2-8 aos pés do Bayern de Munique.

Após o batimento no fundo de Lisboa, iniciou-se 2020/21 com uma mudança no Barça e veio Ronald Koeman para o comando técnico. Histórico jogador do clube (central mais goleador), regressava à cidade Condal para colocar o Barça de novo no topo. Com estilo mais virado para o futebol direto, menos requintado, com a aposta em jovens (como Pedri, Gavi ou Mingueza) e tendo (quase) sempre Messi como “herói” ou “salvador”, apenas se conseguiu uma Taça do Rei (4-0 ao Athletic Bilbao). Mas o consulado de Koeman não duraria mais além de 2021. Com a eleição do antigo presidente, Joan Laporta, de novo para o cargo no princípio do ano, os dias do holandês estavam no fim. Um fim no qual ficou marcado a forma como dispensou Luis Suárez, não fora capaz de reconquistar a Liga (terceiro), saída de Messi e o futebol nunca fora muito atrativo (era nono quando saiu). Aqui se deu o início do quinto e atual ciclo.

Começando com a chegada de Xavi Hérnandez ao clube, histórico motor do jogo tiki-taka do clube, vinha agora como treinador. Uma aposta do presidente Joan Laporta para a recuperação da filosofia do clube e chegar aos sucessos novamente. Apesar de não ter sido brilhante e ultra emocionante como noutros tempos, o trabalho de Xavi foi muito relevante para um reencontrar de estilo do atual FC Barcelona. Entre 2022 e 2023, assistiu-se ao retomar de uma posse de bola criteriosa, posicionamento mais racional e a uma equipa mais competitiva (com muitos jogadores estrangeiros e da formação que ainda figuram na atual formação).

A época de 2022/23 foi um sinal de que as coisas estavam num bom caminho, com a conquista da Supertaça ao Real Madrid (3-1) e a reconquista da Liga Espanhola após quatro anos de jejum, num coletivo onde brilharam Lewandowski, Pedri, Gavi, Raphinha ou Ansu Fati. No entanto, a equipa não mostrou sinais de regeneração no ano seguinte, com poucos golos em muitos jogos e com muita dificuldade em construir frente a adversários organizados em bloco baixo. A ausência de títulos no ano seguinte e algum desgaste de Xavi, levaram à saída do treinador catalão, mas ficaram bases para o sucessor. A escolha recaiu em Hans-Dieter Flick e que frutusosa está a ser a mesma, até agora.

Este FC Barcelona apresenta um modelo de jogo versátil, dinâmico e com forte vocação ofensiva, caracterizado por um claro propósito de ataque e com bastantes lacunas no setor defensivo. Esta equipa de 2024/25 apresentou, na primeira metade da época, uma abordagem tática marcada pela criatividade, intensidade ofensiva e versatilidade. Todas características que encaixam perfeitamente num 4-2-3-1 fluido. No entanto, só na segunda metade da época é que se começa um pouco a adaptar em função dos adversários e do momento do jogo. Apesar da não muita profundidade do plantel, o mesmo permitiu manter o propósito claro no ataque, equilibrando juventude, experiência e talento puro.

No último terço, a equipa de Hans-Dieter Flick aposta em várias abordagens para desestabilizar as defesas dos adversários. Recorre com frequência aos cruzamentos precoces, procurando aproveitar os movimentos rápidos dos extremos e dos laterais que procuram constantemente a sobreposição, oferecendo largura e profundidade ao ataque. Aqui Jules Koundé (51 jogos, 3 golos, 8 assistências) tem sido crucial na direita, contribuindo não só defensivamente, mas também nas sobreposições e cruzamentos precoces. Tal como na esquerda, Álex Baldé (43 jogos, 1 golo, 8 assistências) é vital para a largura e profundidade ofensiva. O jovem esquerdino é um símbolo da ideia de “correr na defesa” e procurar a linha de fundo.

Mais à frente, os dois extremos são candidatos a melhores do mundo depois de tudo o que têm feito. Lamine Yamal (46 jogos, 14 golos, 19 assistências) tem sido uma autêntica estrela, sendo um extremo invertido à direita, sagaz a encarar as defesas contrárias e a criar conteúdo atacante do melhor. Praticamente, o melhor jogador jovem do mundo. Do ouro lado, Raphinha (48 jogos, 30 golos, 23 assistências) vive a sua melhor época de sempre, ultradecisivo no um para um e sinónimo de remates e cruzamentos. Será justamente vencedor da Bola de Ouro este ano.

Quando muitas vezes surgem espaços, os jogadores blaugrana pouco hesitam em rematar à menor oportunidade, mesmo que seja fora da área, o que revela a confiança da equipa e a sua agressividade ofensiva.

Dentro da área, este Barcelona mostra uma mistura de paciência com técnica ao trabalhar a bola em zonas de finalização, realizando uma combinação de passes curtos com movimentações rápidas. As individualidades não deixam de ter espaço. Os jogadores culés já mostraram muito gostar de enfrentar e desafiar a defesa contrária, tanto com dribles verticais como com jogadas de desequilíbrio direto. Vendo-se muito também, os passes em profundidade, que são essenciais para encontrar desmarcações entre linhas.

Apesar de manter a base tradicional da posse de bola, esta equipa valoriza a velocidade em detrimento da estrutura em muitos momentos. Nomeadamente nas transições ofensivas, em que acelera muito jogo mesmo que isso implique certo risco tático e muita exposição da sua defesa (56 golos sofridos em 52 jogos). Naturalmente, esta intensidade acaba por custar em termos físicos, refletindo o incómodo dossiê “da intensidade à lesão”. Aqui sendo a chave, a gestão do plantel e que não se tem revelado um dos principais problemas.

Uma das contrariedades da equipa, desde o princípio, foi a baliza. O habitual titular era Ter Stegen (apenas 7 jogos antes da lesão), além de cumprir os requisitos de ser um guardião que joga bem com os pés, além de bom em reflexos. Com Iñaki Peña (22 jogos) a assumir a responsabilidade de guardar as redes blaugrana com regularidade durante a primeira metade da ausência do alemão, mas sem convencer totalmente (25 golos sofridos). O recém-chegado Szczesny (24 jogos) trouxe experiência, mostrando alguma segurança na baliza, além de algumas exibições luxuosas (eliminatória frente ao Benfica na Champions League). Mas a qualidade do conteúdo apresentado, faz com que a baliza não seja um problema no rendimento global da equipa.

Um aspeto interessante desta vertente coletiva do Barcelona 2024/25, é ser capaz também de incorporar táticas individuais bem definidas em geral. O meio-campo conta com um médio organizador mais recuado (Frenkie de Jong), responsável por iniciar a construção e gerir o ritmo, bem como um ou dois médios (Fermín López, mas sobretudo Pedri González que também é um criativo) “box-to-box” que ligam defesa e ataque com energia e cobertura de terreno. Delicioso é ver um número dez (Dani Olmo, que combina técnica e remate) atrás do ponta de lança capaz de completar a processo ofensivo e a ser mais uma possibilidade para a concretização. Nas laterais, é bastante comum ver os extremos invertidos (Raphinha e Lamine Yamal), que procuram o corredor central para criar oportunidades, e na posição nove (Lewandowski) destaca-se um avançado completo e experiente, capaz de finalizar (40 golos!), assistir e participar na construção.

Esta equipa adota um estilo de passe misto, combina passes curtos em zonas de construção com passes longos e verticais para a exploração nas costas da defesa contrária. Um estilo que igualmente distribui o foco de passe, ou seja, varia entre a ala esquerda, o corredor central e a ala direita. Uma das estratégias que é aplicada como uma das formas de manter a imprevisibilidade do seu jogo, além da largura.

Além disso, este Barça sabe como usar o “efeito joker”, lançando jogadores na titularidade ou a partir do banco (Ferrán Torres ou Pablo Gavi) que conseguem mudar o rumo de um jogo com impacto imediato. Um aspeto impressionante que acontece seja com jovens da sua formação ou jogadores mais experientes. Existe também uma arte de adaptação tática e estratégica que tem sido crucial em jogos de alta exigência, mesmo sabendo que, ao jogar com risco, mais erros podem surgir.

O FC Barcelona de 2024/25 tem revelado ser uma máquina de futebol e golos que empolga e satisfaz. Com 152 golos até à data e apenas 11 dos mesmos de grande penalidade. Duas vitórias com sete golos marcados, mais nove vitórias com cinco bolas nas redes adversárias e outras dez com quatro golos concretizados. Um desempenho sobrenatural se pensarmos que dentro destas estatísticas estão equipas como o Real Madrid (4-0 no Santiago Bernabéu e 5-2 na final da Supertaça Espanhola), Atlético de Madrid (4-2 no Riyadh Air Metropolitano), Bayern de Munique (4-1 em Barcelona para a a fase de liga da Champions League), Borussia de Dortmund (4-0 na primeira mão dos quartos de final da Champions League) e o próprio Benfica (5-4 no Estádio da Luz para a fase de liga da Champions League).

Embora seja no setor defensivo que tem muitas fragilidades, a verdade é que aqui surgiu uma mudança na segunda metade da época e que se refletiu em alguns resultados. O projeto começou e foi dando frutos muito satisfatórios até ao princípio de novembro, quando houve uma quebra e surgiram mais resultados negativos até ao fim de dezembro (quatro derrotas e dois empates) que custaram a liderança da Liga. A equipa expunha-se muito em termos defensivos e os golos sofridos eram muitos, algo que não se consegue mascarar nos resultados, a não ser que o ataque seja quase demolidor. Este período de tempo, deixou mais em aberto essa lacuna.

Mas acontece que desde janeiro até hoje, já se verificou algumas mudanças e que ficou mais patente na primeira mão dos oitavos da Champions League. Na Luz, uma exibição mais defensiva frente ao Benfica fez a diferença. Com a expulsão de Pau Cubarsí, Flick abdicou da posse e pressão e verificou-se antes um grande esforço e persistência no objetivo de manter o equilíbrio defensivo e de concretizar nos erros adversários. Os jogadores blaugrana demonstraram que podiam realmente ganhar um jogo sem necessariamente atacar o tempo inteiro, provocando um desgaste maior. Uma adaptação que acrescenta mais opções ao estilo de jogo da equipa.

Muito satisfatório também, tem sido o facto de todos os seus protagonistas nunca se escudarem nas dificuldades financeiras do clube e procurarem sempre fazer melhor e recolher frutos para alcançar o sucesso. Algo que merece apreço do mundo do futebol. Para uma equipa ser campeã e alcançar um sucesso global, precisa de ser exposta a dificuldades, aprender e lidar com decisões nos momentos difíceis. Um desafio que parece estar a ser bem ultrapassado.

É indiscutivelmente importante o papel de Hansi Flick neste renascimento do Barcelona. O técnico alemão vencedor de tudo no Bayern de Munique e com um percurso dececionante na Mannschaft, chegou à Catalunha com a árdua tarefa de iniciar um novo ciclo e com o rótulo de trazer um futebol empolgante. Ao fim de nove meses de trabalho, não se pode dizer que Flick esteja a dececionar, bem pelo contrário. Estudioso do modelo holandês de Johan Cruyff, o técnico germânico procurou aplicar o mesmo modelo neste Barça, juntamente com a identidade que os rapazes da La Masia têm para oferecer. Dificilmente esta junção poderia estar a ter melhor resultado. Prova de tal, foram as declarações de Flick na sua apresentação: “Partilhamos a mesma visão, a posse de bola e o futebol de qualidade”.

Mantendo o gosto pela posse, mas com um acrescento de dinâmica e proatividade, Flick juntamente com estes jogadores, parecem ser os homens certos no momento certo na reestruturação de um Barça que é candidato ao terceiro triplete da sua história. Independentemente do que aconteça no final desta época, a aposta já está ganha. Com a La Liga encaminhada para voltar à cidade Condal dois anos depois e com o dever de ganhar o duelo com o eterno rival em Sevilla para a Taça do Rei (que é favorito tendo em conta os dois duelos anteriores em que vulgarizou o Real Madrid), só falta mesmo a cereja no topo do bolo… ultrapassar o Inter e chegar à final de Munique. Mantendo o mesmo brilhantismo e fantasia a que nos habituou em momentos passados, o futebol agradecia voltar a ver um FC Barcelona no topo.

O Barcelona voltou mesmo e tem qualquer coisa de especial e como manda a tradição culé. Mais um renascimento com um futebol virado para o longo prazo, algo que já se provou ser uma especialidade culé.