O SAPO falou com Luís Dinis, de 60 anos que trabalha como software developer na KLx, o campus tecnológico do grupo Crédit Agricole em Portugal. Luís tem desafiado o preconceito da idade no setor tecnológico e garante que quer continuar a trabalhar "por gosto e ambição pessoal".

A KLx tem 27 colaboradores entre os 50 e 59 anos e 8 acima dos 60 anos, dos 220 internos. "Recentemente fizeram uma nova contratação de um colega de 62 anos", conta-nos Luís. E é por isso que sente que está "num sítio que não permite sequer sentir que este preconceito (da idade) existe". Luís admite que podia começar a tratar da reforma, "mas não está nos meus planos para já".

Como tem sido o seu percurso profissional?
Considero que o meu percurso profissional, ao longo de quase 40 anos, tem sido bastante dinâmico. Comecei por ser químico e acabei por fazer uma mudança e tornar-me num profissional de Tecnologias de Informação. Durante todo este tempo, ainda que só tenha estado em 3 empresas, nunca estive a fazer a mesma coisa. Em 1993 trabalhava em ambiente de laboratório, mas já procurava máquinas novas e já tinha começado a desenhar e a construir sistemas de informação, por curiosidade. Depois disso, entrei na Telecel onde me tornei Vodafone e depois IBM. Só depois dessa experiência é que entrei na KLx, onde estou há aproximadamente quatro anos. Neste momento, já estou a preparar-me para uma primeira mudança interna em 2025, passando a ter a função de trazer uma visão transversal da tecnologia e inovação para a empresa e respetivas entidades. Sinto que sou movido pela mudança e é algo que não me assusta. Gosto de estar a fazer uma coisa, mas já preparado e a pensar no que posso fazer a seguir para ir mais além. Se não mudar, fica a faltar-me alguma coisa.

Como consegue desafiar o preconceito da idade no setor tecnológico?
Na verdade, sinto que tenho algum privilégio nesta questão, porque estou num sítio que não me permite sequer sentir que este preconceito existe. No entanto, sei que está presente na sociedade e que muitas pessoas acabam por ser julgadas pela sua idade, ainda para mais num setor tão inovador como o tecnológico. Ainda assim, não penso muito nisso e, para mim, não é assunto nem uma questão. Não considero que a idade deva ser um entrave na tecnologia ou em qualquer outra profissão e, nesse sentido, eu próprio escolho não fazer disso um preconceito.

"Recentemente fizemos a contratação de um colega com 62 anos"

Acha que ainda existe muito preconceito nas empresas em ter funcionários com uma certa idade?
Sim, sem dúvida que este preconceito existe na sociedade e noutras empresas. Contudo, não o sinto na KLx, onde recentemente fizemos a contratação de um colega com 62 anos, o que me leva a crer que a minha própria experiência também molda a perceção que tenho deste assunto. Contudo, a primeira vez que senti algum preconceito de idade foi por volta de 1998, quando um consultor de uma empresa comentou comigo que nem sequer via os currículos de pessoas com mais de 34 anos. Isto fez-me muita confusão e percebi que tinha de mudar. Na minha perspetiva, aos 34 anos os profissionais estão maduros e sólidos no seu trabalho, após terem absorvido conhecimento e experiência. Nesse momento, optei por fazer uma transição de carreira e não contribuir para esta mentalidade conservadora.

A KLx é uma das empresas que tem procurado alterar esta realidade?
Sim, desde que estou na KLx que nunca senti nenhum tipo de preconceito nem assisti a nenhum episódio de discriminação. Aliás, mesmo em termos de aprendizagem e de formação, somos sempre todos integrados e estou a tirar, atualmente, uma certificação para a qual não me foi imposto nenhum tipo de obstáculo ou barreira. Tendo em conta a realidade da sociedade, considero que a KLx é, de facto, uma organização inclusiva e que valoriza a diversidade do seu talento; e acho que só tem a ganhar com isso.

"A idade não é um impedimento para mim e, enquanto gostar do que faço e sentir que tem impacto, vou continuar as minhas funções"

Pretende continuar a trabalhar até quando?
Até continuar a ter prazer no trabalho que faço. A idade não é um impedimento para mim e, enquanto gostar do que faço e sentir que tem impacto, vou continuar as minhas funções. Na verdade, já podia começar a tratar da reforma, mas não está nos meus planos para já. O que eu quero realmente fazer é trazer mudança. Muito raramente ao longo da minha vida tive dificuldade em levantar-me à segunda-feira para ir trabalhar. Nunca foi um problema nem o vejo como uma obrigação, trabalho por gosto e ambição pessoal.

Quais considera que sejam as suas melhores qualidades no mundo profissional quando se tem uma certa idade numa empresa?
Em termos de qualidades, não considero que a idade me tenha ajudado muito. Claro que me trouxe experiência e me ajudou a ter bagagem para lidar com algumas situações, até porque, tantos anos depois, sinto que já quase tudo o que me acontece não é novidade. Eventualmente, penso que a idade me tem ajudado a ser um pouco menos stressado. Sou muito ativo e isso traz-me algum stress, mas acho que os anos têm atenuado essa questão.

Acha que ainda tem muito mais para oferecer?
Sim, sem dúvida! Sinto que trago valor de diversas formas, não só ao meu trabalho, mas também às pessoas com quem me cruzo, sobretudo no que se refere à troca de experiências. Depois de tantos anos, de tantas pessoas com quem falei e de tantas situações, sinto que tenho uma boa capacidade de unir e ligar experiências que, à partida, não estariam interligadas. Ligo a vida pessoal com a profissional e adapto aprendizagens de uma esfera da minha vida para todas. Resumindo, acho que trago uma boa visão integrada à KLx. Não consigo pensar nas coisas de forma individual, mas sim como um todo e, às vezes, isto é complicado porque lidar com pessoas não é linear. Mas isto talvez seja o que me traz mais valor com esta idade – olhar para o trabalho e para a KLx como um todo e não como uma organização com departamentos, que podem ser barreiras à inovação.

"A única coisa que deve ser feita é olhar para as pessoas pelas suas capacidades e valências e não pela sua idade, género, nacionalidade ou qualquer outra característica pessoal"

Na sua opinião, o que mais se poderia fazer para valorizar os funcionários com mais idade?
Acredito que apenas as empresas que pensam nisto têm algum tipo de preconceito internamente. Acho que a única coisa que deve ser feita é olhar para as pessoas pelas suas capacidades e valências e não pela sua idade, género, nacionalidade ou qualquer outra característica pessoal. Devemos ser todos tratados de forma igual, tendo em conta o nosso potencial. Apenas isso deve importar para o bom desempenho das nossas funções.