Quando a inovação funciona “tem um impacto, pode ser diferenciadora no negócio, dá a oportunidade à empresa de conquistar novos mercados e acaba por ter uma amplitude muito grande”.
A Beta-i é uma empresa de consultoria de inovação colaborativa, fundada em 2009 e com sede em Lisboa. Através do poder da colaboração, dentro das equipas da empresa ou de ecossistemas mais amplos, incentiva outros a encontrar soluções inovadoras para um mundo em rápida mudança. “Quando se está em inovação, no processo de experimentação, não há ainda dados. E nós estamos lá para ajudar as empresas com menos maturidade ou que nunca passaram tanto por isso e que não percebem que na realidade tem impacto e um resultado ótimo no final”, diz-nos Manuel Tânger, CIO da empresa.
O que é que é a inovação?
Aquilo que nós consideramos que a inovação é: fazer coisas de forma diferente com impacto. E diferente não tem de ser completamente nova e não tem que ser completamente inventada. Pode ser utilizar algo que é feito noutro sítio, noutro país ou noutro contexto empresarial ou noutro mercado, aplicar no nosso e que tenha um impacto.
"A inovação está sempre em risco"
Porque é que a inovação é tão frágil e têm muitas dificuldades?
Isto de fazer coisas diferentes toca emocionalmente e negativamente em algumas pessoas, porque estão habituadas a uma rotina, a fazer de uma certa maneira, e quando se muda as coisas faz soar mais alarmes e as pessoas não têm vontade de fazer. E depois há uma grande diferença entre querer fazer no papel e ter de aceitar que vou ter de mudar e como é que eu vou ter de atuar. O princípio em si da inovação já é complicado. E depois, há imensos fatores que contribuem para isso, como por exemplo a cultura da empresa para inovar, se é de facto uma coisa diferente, nós não temos a certeza se vai funcionar ou não. E se já tivermos, então é só uma gestão de projeto, não é uma atividade de inovação. E essa incerteza causa dificuldade e a própria empresa acaba por ficar insegura.
Depois, para além da cultura, uma das coisas que nós vemos muito tem que ver com a liderança, e a mais alta liderança não está totalmente envolvida no processo. E, portanto, quando há algum nervosismo, algum stress, as primeiras coisas a cortar são as que ainda não deram, ou ainda não demonstraram, o que ainda está a meio e por isso está sempre em risco. A inovação está sempre em risco. Por outro lado, como não sabemos bem o que é que vai resultar, também não conseguimos imaginar o impacto positivo que pode ter. Há imensas inovações que surgem como coisas pequenas — a internet era para ser uma comunicação entre universidades, hoje em dia é o centro da nossa economia e ninguém na altura conseguiu antever o impacto que ia ter. Outro exemplo são os MMS que se julgava que iam ser importantes, mas hoje em dia quase ninguém usa MMS, nem SMS. Na inovação não conseguimos prever o impacto e o que é que traz. Portanto, isso também é uma dificuldade.
Existem diferenças de arriscar na inovação em Portugal e noutros países?
Sim, nós operamos também no Brasil, onde temos vários projetos e vemos que há culturas que são mais aptas ao risco do que outras. Gostam de experimentar coisas. Eu imagino sempre aquela situação em que penso: porque é que vou a um restaurante novo que não conheço, e que posso não gostar, em vez de ir ali ao sítio onde eu gosto e que tem aquele meu prato preferido? Então acabo por não explorar outros restaurantes que até podem ser melhores.
E qual o lado positivo da inovação?
A inovação quando funciona tem um impacto, pode ser diferenciador no negócio, dá a oportunidade à empresa de conquistar novos mercados e acaba por ter uma amplitude muito grande.
Qual é que é o papel da liderança na promoção da inovação dentro de uma empresa?
É fundamental e tem vários níveis. O primeiro nível é falar sobre isso. As pessoas apoiam muito, os líderes gostam e veem o valor em comunicar, mesmo internamente, a sua empresa como inovadora, até para conseguir recrutar pessoas, mais jovens, mais pessoas qualificadas, e também para o exterior, para os clientes. Depois há o nível mais profundo que é o verdadeiro apoio à inovação: estar envolvidos e demonstrar na prática que estão a investir em inovação. E depois eu diria que o terceiro nível é, mesmo em tempos difíceis, manter os compromissos que tinham feitos à inovação e que ainda não sabem os resultados e não desistir. Esta gestão da inovação requer também uma aposta, e não sabemos exatamente o que é que vem a seguir.
"É preciso alguém no meio, a ajudar os inovadores, a manter a sua existência"
O vosso trabalho aqui acaba por ser dar feedback às empresas e indicar o caminho a seguir?
A inovação vive no risco, parte de uma experimentação. E portanto, quando há paradigmas muito diferentes, alguém tem que estar lá a proteger quem faz inovação e as suas metodologias. Quem gere precisa de métricas e de perceber de números que vêm da organização, se estão a funcionar, se não estão, se estão a ter adesão dos clientes, depende da área, mas precisam desses dados. Quando se está em inovação, no processo de experimentação, não há ainda dados. E nós estamos lá para ajudar as empresas com menos maturidade ou que nunca passaram tanto por isso e que não percebem que na realidade tem impacto e resultado ótimo no final. Sim, é preciso alguém no meio, a ajudar os inovadores, a manter a sua existência, porque é muito fácil deitar abaixo uma ideia. As pessoas mais experientes são ótimas a arranjar razões pelas quais as coisas não funcionam, mas depois às vezes funcionam.
Na sua opinião, a inovação é um processo delicado?
Muito delicado, com muitas razões para falhar e poucas para assustar. O percurso que uma inovação pode fazer tem mais graus de liberdade onde pode sofrer do que aqueles onde pode vingar. Por isso tem de ser disciplinado, mas tem que ter os seus recursos assegurados. São mais as razões pelas quais uma inovação pode ir abaixo, não significa que seja uma má inovação, do que aquelas que permitem seguir em frente.
Não deveria ser simples transformar uma ideia em realidade?
Não. Uma organização quando começa a explorar a inovação, tem de começar com coisas mais pequenas, porque tem ideias que vão fazer o seu percurso todo. Chega ali a meio e parou por mil razões. E então, nós ajudamos as empresas a desenvolver o músculo de inovação a ideias pequenas. Quando chega ao cliente as ideias já estão um pouco maiores. E finalmente, conseguir aqueles projetos grandes transformadores. E esse também é dos passos em falso que se dá muitas vezes em inovação é: decidiu-se, arranjou-se dinheiro e motivação para investir em inovação por isso vamos fazer uma coisa muito transformadora. Mas se nós temos dificuldade em fazer a coisa pequena, vamos fazer um megaprojeto quando não temos o músculo desenvolvido? Estamos a querer levantar a peso a mais.
"Nós notamos os nossos clientes mais avançados em inovação, com mais experiência"
Quanto é que pode demorar desde que começamos a trabalhar numa ideia até ela ser lançada numa escala maior?
Há de tudo. Há coisas que demoram muito tempo, mas atualmente, nós notamos os nossos clientes mais avançados em inovação, com mais experiência, conseguem muito rapidamente passar do protótipo a produto. Isto nós vemos também nas startups, o tempo de uma startup desenvolver o seu produto é rapidíssimo, porque há muitas peças soltas e eles têm de compô-la, pôr uma camada de marketing, o nome, o benefício, até tudo fazer sentido, e na realidade não estão a fazer tudo de raiz. Hoje em dia, já quase ninguém faz tudo de raiz.
Qual a diferença entre invenção e inovação?
Uma invenção é algo que começa do nada. Invenção, à partida, é algo que não existia antes, em lado nenhum. E na inovação, eu posso pegar em alguma coisa que se faz nos restaurantes e usar no setor bancário. E isto é uma inovação no setor bancário. Mas é feito há anos, não tem de ser novo e não tem de ser reinventado. Agora estamos a falar dos bancos que sabem muito de banca e de seguros, mas é difícil olhar para outras indústrias. O setor da energia, o que é que tem a ver? Ou o setor do turismo, o que é que tem a ver? Mas se nós fomos ver, há lá coisas, há o serviço. Há coisas que se aproveitam e ao trazê-las para dentro da indústria, da banca, neste caso, é uma inovação. Não é uma invenção, mas é uma inovação.
Isto significa que pode haver inovação em todas as áreas?
Todas. E nós trabalhamos muito um subconjunto de inovação que é inovação colaborativa. Hoje em dia ninguém faz tudo do zero e é tudo por building blocks, que são feitos ou com startups que já existem ou com ferramentas tecnológicas ou com outras empresas que fazem uma parte do serviço. Então é juntando estas peças todas em colaboração, que hoje em dia a maior parte das empresas inova.
Há diferentes tipos de inovação, o que é interessante é que por acaso, o processo usado pela inovação acaba por não ser tão diferente, que está sempre muito baseado na experimentação de coisas, de ideias, que são depois validadas, nós chamamos isso de validação. E depois a formação da solução final, que são os building blocks. Isto é válido em qualquer setor. Todos nós falamos disso, o turismo, saúde, energia, sustentabilidade, enfim, nós trabalhamos em tudo. E nós dizemos que o processo é agnóstico, ou seja, funciona em todo lado. Depois, claro, as soluções em si dependem do setor, mas o processo, esse é geral.
Como é que as empresas podem criar uma cultura de inovação?
A cultura de inovação é um resultado da prática de inovação. É começar a fazer pequenos projetos de inovação, a demonstrar à organização pelos meus atos que uma ideia consegue passar a uma realização e a um produto ou um serviço, e que esses até podem ser crescentes em complexidade e serem mais... E ao fazer isso, automaticamente eu acabo por ter uma real cultura de inovação, quem trabalha lá sabe que esse espaço para experimentar existe. As pessoas não são desvalorizadas porque erram a tentar experimentar coisas novas.
"A Inteligência Artificial gera muito mais ideias do que nós, em tempo recorde"
Acha que a Inteligência Artificial impulsionou também a inovação em diferentes setores?
A Inteligência Artificial vai mudar tudo, incluindo a área de inovação. Uma das principais e a melhor fonte de inovação são os clientes, quer de serviço quer de produto. O processo para a inteligência artificial é: eu vou falar com eles, vou à rua, entender o mundo deles e o que fazem os de clientes. Atualmente, nós conseguimos simular, aquilo que se chama de clientes sintéticos, para nos darem as respostas. Portanto, existe até uma startup no Porto, que é Synthetic Users, e que faz exatamente isso, em vez de reunir dez pessoas em que estou três horas a falar, a expor, não, eu faço isso virtualmente, com agentes de inteligência artificial sintéticos que simulam pessoa A, B, C. Ou seja, já nem preciso de pessoas para saber o que as pessoas querem. Isso é um ponto.
Dois: geração de ideias. Nós fazemos brainstorming, juntamos especialistas, etc. A Inteligência Artificial faz isso tudo melhor, com mais ideias, ou seja, a quantidade leva à qualidade. A Inteligência Artificial gera muito mais ideias do que nós, em tempo recorde. Depois, uma vez que nós temos bons insights dos clientes, boas ideias para gerar, planificar e ver probabilidades. Temos o plano de testar uma inovação, como é que a vamos montar, quais as peças vamos usar, a Inteligência Artificial faz isso para as 50 ideias que nós tivemos, e não as cinco, num instante.
Tudo isto está a mudar. Nós próprios na Beta-i estamos neste momento a desenvolver este tipo de ferramentas para ajudar os nossos consultores, a conseguirem dar mais passo gigante e acho que vai mudar tudo.
O que é que as empresas devem fazer para se manterem inovadoras num ambiente de negócios cada vez mais competitivo?
A prática de inovação e a cultura têm de ser mantidas. Temos de ter uma rotina, uma constância em todas as empresas, pequenas ou grandes. É ir experimentando, mantendo a curiosidade do potencial de inovação aberto. Há sempre pessoas chaves que estão sempre curiosas e por isso é necessário dar voz a esses grupos. Deixá-los ir experimentar, saber se funciona ou não. E manter esta ginástica. E é assim, que cresce, que tem impacto e resultados, acabando por ser uma empresa que tem uma cultura de inovação.
A Beta-i trabalha muito com startups?
Sim, também, como nós estamos na área de inovação colaborativa e muita destas peças que são usadas na inovação vêm das startups, que já têm um serviço, um produto, uma tecnologia específica, onde já funciona, já estão as peças deles juntas, e nós juntamos essas a outras. Fazemos um building block, juntamos o puzzle, e portanto, sim, são um dos ingredientes mais importantes no nosso arsenal de inovação, para ser também rápido e para ter mais impacto.
Têm clientes em vários países. Há aqui uma expansão muito grande da Beta-i?
Sim, nós temos mesmo um escritório no Brasil. Também temos lá mais de 20 pessoas em projetos, desde a energia, da gestão e de inovação nos próprios estados. Eles têm mecanismos... Cada estado é como país na Europa, são dimensões gigantes. Trabalhamos também em muita economia de mar... enfim, temos várias áreas. Temos também pessoas nos Estados Unidos e no Benelux. E queremos, de facto, em 2025, em 2026, dar passos e crescer em geografias. Porque achamos que quanto mais nós nos ligarmos como capacidade nossa, mais vamos poder ajudar os nossos clientes, nos vários sítios e ligar novas peças.