Horas antes de se reunir com Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro antecipou no Parlamento aquilo que pode ser uma das chaves para a resolução do impasse em que os dois maiores partidos mergulharam para viabilizar — ou não — o Orçamento do Estado para 2025. E essa chave pode estar numa “contradição insanável” que o Governo considera ter encontrado no discurso dos socialistas: por um lado, Pedro Nuno tem dito que a receita fiscal está abaixo da média da UE; por outro, o programa eleitoral do PS defende um alargamento do IRS Jovem que já está em vigor (em moldes diferentes aos de Montenegro), assim como também quer, com nuances, mexidas no IRC para empresas que usem os lucros em prol da economia e da valorização dos salários.

Depois de ter prometido levar à reunião com Pedro Nuno Santos, uma proposta “irrecusável” — apesar de considerar que o PS já decidiu votar contra de qualquer forma —, Montenegro lembrou no debate no Parlamento quais são as preocupações do PS naqueles dois sectores, jovens e empresas, e rematou com uma frase enigmática: “Vou facilitar a sua decisão e vou-lhe apresentar uma proposta que salvaguarda as suas preocupações e os seus princípios e que é uma aproximação ao que defende”, disse, depois de ter recordado que “o PS e o deputado Pedro Nuno Santos, apesar de estar zangado com as empresas e com os jovens de Portugal, defende uma baixa do IRC e uma baixa do IRS para os jovens”.

Ora, se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé, com Luís Montenegro a sugerir que a proposta que fará ao secretário-geral socialista pode passar por modular as propostas do PS — usando essas como base —, em vez de modular as propostas do Governo, pelo menos no que ao IRS Jovem diz respeito.

Segundo Luís Montenegro, o modelo atual de IRS Jovem implementado por António Costa é “muito restritivo”, porque só se aplica “a jovens com licenciatura e porque está limitado a cinco anos”. “É um erro”, disse o primeiro-ministro. É precisamente aí que Montenegro e Pedro Nuno se podem encontrar, com Montenegro a sugerir ir ao encontro da proposta dos socialistas.

No programa eleitoral, o PS de Pedro Nuno Santos defende o “alargamento do IRS Jovem a todos os jovens, independentemente do nível de escolaridade atingido, por uma questão de justiça e coe­rência interna à medida (entre os 18 e os 26 anos)”.

No debate quinzenal, o atual primeiro-ministro lembrou essa proposta, acrescentando que Pedro Nuno a tinha inscrito no programa do PS por perceber que a medida em vigor era “injusta” ao excluir os não licenciados. Mas acrescentou ainda outra alegada injustiça, defendendo que esta, para ter efeitos, teria de se aplicar por mais do que os cinco anos atualmente vigentes.

Na sexta-feira passada, no programa Expresso da Meia Noite, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, já tinha admitido uma aproximação do Governo ao modelo de IRS Jovem que foi definido pelo Governo socialista: falou pela primeira vez de uma proposta alternativa com base na proporcionalidade dos rendimentos. Mas não detalhou.

quanto ao IRC, o PS propunha nas eleições de março reduzir em 20% as tributações autónomas sobre viaturas das empresas (medida a que o Governo já se comprometeu no acordo de concertação social), e propunha “implementar a taxa mínima de IRC, à luz do acordo global para tributar as grandes multinacionais, não aceitando o adiamento dos prazos de aplicação”.

A proposta do Governo ao PS para negociar o Orçamento, disse Montenegro, será “irrecusável”. “Irrecusável”, disse Pedro Nuno, é o Governo abdicar do seu modelo de IRS Jovem. A chave pode passar, por isso, na inversão dos tabuleiros: Montenegro aproveitando o que foi proposto pelo PS.