Na vertigem da descarbonização da economia, rumo a uma economia mais verde e sustentável, as atenções têm estado sobretudo focadas em fontes de energia como as eólicas ou, mais recentemente, o solar. Mas pode a biomassa também ocupar aqui um espaço interessante e contribuir para uma transição mais rápida e eficiente?
Para Manuel Pitrez de Barros, diretor-geral da CBN – Centrais de Biomassa do Norte, a resposta é um "sim" absoluto. Mas dar gás a este tipo de soluções requer uma aposta consciente, com políticas públicas que incentivem o desenvolvimento de estruturas, à semelhança do que Portugal fez com grande expressão e melhores resultados para as eólicas. E com a vantagem de, enquanto se produz energia verde, se limpa também os resíduos que hoje se acumulam em muitos terrenos florestais, já que a biomassa como fonte primária de energia recorre ao conjunto de combustíveis de origem orgânica, vegetal, animal ou outros resíduos obtidos em processos de conversão de materiais orgânicos (industriais e urbanos).
Em 2022, a produção de energia (térmica e elétrica) de origem renovável situou-se em 6.627 quilotoneladas equivalentes de petróleo (ktep), das quais quase metade (cerca de 47,6%) vem de biomassa. Mas considerando apenas a produção de energia elétrica, as eólicas representaram 44,3% da origem, a hídrica 29,6%, a biomassa 13,8%, a fotovoltaica 11,8% e a geotérmica 0,7%, especifica ao SAPO o responsável da CBN. O que significa que há espaço para crescer.
"O principal recurso de biomassa utilizado em Portugal é de origem lenhosa e de resíduos vegetais, como sobrantes florestais e agrícolas, pellets de madeira e outros; utilizados para consumo doméstico e serviços em 55% (valor estimado), indo os restantes 45% para produção de eletricidade e calor, dedicada ou em cogeração", explica ainda, em entrevista ao SAPO.
Para Manuel Pitrez de Barros, a recente indicação da ministra da Energia, Maria da Graça Carvalho, de que o governo está a trabalhar em remunerações para as centrais de biomassa que tragam benefícios em termos da limpeza das florestas é um passo importante no sentido de incentivar esse crescimento.
Mas seria possível multiplicar o potencial da biomassa enquanto fonte energética verde, a breve prazo? Manuel Pitrez de Barros não tem dúvidas que é não apenas possível como desejável. E que mais políticas públicas que promovam este movimento são altamente desejáveis. "É urgente promover uma política sustentável para a floresta nacional com a criação de mais centrais de biomassa que, para além de criarem postos de trabalho, promovem a economia local circular, especialmente em zonas rurais", diz.
E recorda que, em março de 2023, o governo lançou um concurso para a construção de mais de 60 MWe de centrais de biomassa, em parceria com as autarquias locais, com uma dimensão máxima de 10MWe cada, e um outro para a criação de ecopontos florestais ou de compostagem. "Em resultado, o então governo recebeu nove candidaturas exclusivamente destinadas à criação de novas centrais de biomassa, propostas por privados ou por autarquias, mas a verdade é que, de lá para cá, nenhuma licença foi efetivamente atribuída e nenhuma central construída", lamenta.
Sem uma "estratégia clara e políticas bem definidas", a exploração florestal em Portugal representou 0,48% do PIB em 2022, indica ainda o responsável, para concluir que, com uma estratégia pensada em conjunto com os privados, a devida regulamentação e supervisão, "estes cerca de 0,5% do PIB podem muito bem atingir 1,5% a 2%". "Isto sem contar com as indústrias transformadoras da biomassa, como as celuloses, que já representam, por conjunto, cerca de 6% do PIB, podendo chegar aos 10%."
Manuel Pitrez de Barros frisa ainda outro aspeto relevante: se as centrais de biomassa têm um impacto gigante no meio em que se inserem, desde a conceção à fase de operação, é um facto que 70% da sua faturação reverte totalmente para a economia local. "Mais nenhuma fonte de energia, renovável ou não, tem um impacto económico-social tão significativo. Além do que, quer em recursos quer em soluções tecnológicas, as centrais de biomassa usam matéria-prima, engenharia e tecnologia nacional, promovendo sustentabilidade e independência energética."
O diretor-geral da CBN recorda as estatísticas, desconhecidas da maioria das "pessoas, media e até políticos", mas que mostram que, apesar dos passos de gigante dados pelas eólicas e fotovoltaico, a biomassa é a maior fonte de energia térmica e elétrica renovável em Portugal. "A maior parte da indústria necessita de calor, vapor nos seus processos. Nem tudo é possível só com eletricidade. Tem-se vendido a eletrificação em todas as áreas, mas isso não será possível de se concretizar", adverte, lembrando que nos últimos tempos as cadeias de fornecimento da biomassa florestal enquanto biocombustível têm vindo a ser otimizadas, com a rentabilização das operações, desde a floresta até ao consumidor final. "A fileira da biomassa para a produção de energia integra vários agentes que atuam ao longo da sua cadeira de valor, desde a recolha e tratamento da biomassa à produção de energia ou biocombustíveis."
Por isso mesmo, Manuel Pitrez de Barros considera que a biomassa continua a ser uma aposta a nível nacional e cada vez com mais relevo. "Tanto que o aproveitamento da biomassa para usos energéticos veio merecer acrescida relevância no âmbito do Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030), que constitui o principal instrumento de política energética e climática nacional para o horizonte 2030." Por outro lado, a instalação destas centrais de biomassa são "um incentivo para a limpeza das florestas e matas, e consequentemente, assumem um contributo relevante na defesa da floresta e na prevenção e combate aos incêndios rurais", sublinha ainda.
Com os Estados Unidos a assumir previsivelmente, sob nova presidência, a sua independência energética e a Europa permanentemente refém da importação de energia, inclusivamente de gás natural comprado à Rússia, é essencial construir uma transição energética que em simultâneo com a descarbonização garanta a redução drástica da dependência do bloco europeu de terceiros para se aquecer e alimentar a reindustrialização. E a biomassa ganha aqui grande relevância, nomeadamente na produção de biocombustíveis.
"Os grandes projetos em Sines de produção de metanol e amónia verde necessitam de CO2 biogénico ou de fonte renovável. Sem este CO2 biogénico, pelas diretivas europeias, não pode ser considerado verde, o que significaria a perda de apoios e fundos comunitários", vinca o responsável. E vai mais longe: "Estes projetos em Sines, representam uma oportunidade única para Portugal se transformar num país exportador de combustível. Uma mudança radical na nossa economia e posição a nível europeu. Não é à toa que os governos dos Países Baixos, Alemanha e Dinamarca assinaram, no dia 5 de novembro, um memorando de entendimento com o Porto de Sines e o Projeto Power2X da Madoqua para receberem o biocombustível que aí será produzido. O famoso Corredor Verde."
O responsável explica que estes biocombustíveis vão necessitar de muito CO2 biogénico, mas as fontes em Portugal são limitadas, pelo que considera "imperativo" que Portugal apoie estes projetos, com mais fontes de CO2 biogénico, através de centrais de biomassa e de biometano. "Portugal tem aqui uma oportunidade única que não pode desperdiçar."
Em Portugal, a produção de biomassa florestal residual (BFR) está, em grande medida, relacionada com a exploração florestal, representando os seus sobrantes uma fatia significativa para a bioenergia. Tendo como base os povoamentos de pinheiro-bravo e de eucalipto, as duas espécies mais significativas em termos de exploração florestal, dado serem alvo de intervenções silvícolas regulares que potenciam uma produção contínua de biomassa florestal, é possível estimar a biomassa obtida a partir das intervenções silvícolas. Para Manuel Pitrez de Barros, a maior vantagem é ser "um produto nacional, renovável e sustentável".
E como se responde aos argumentos daqueles que ainda defende que a biomassa pode ser lesiva para o ambiente, dada a substituição de cobertura vegetal? "Uma central de biomassa contribui para um futuro energético melhor e para a economia local, sobretudo nas regiões do interior que têm tanta dificuldade em atrair investimentos das grandes capitais. Uma central de biomassa é como uma central termoelétrica. Gera energia, mas neste caso energia renovável. Ou seja, a partir do vapor produzido pela combustão, neste caso da biomassa (gerada a partir de matéria orgânica de origem animal ou vegetal, como restos de comida, cascas de fruta, madeira, etc.), é gerada energia térmica que faz mover uma turbina, que por sua vez faz mover um gerador, gerando mecanicamente eletricidade. Esta é a energia renovável, a primeira fonte de energia sustentável conhecida no mundo para o futuro."