O serviço de pagamentos instantâneos entre Portugal, Espanha e Itália, denominado EuroPA, vai ser lançado no final de março. Com ele ficarão ligadas 180 instituições financeiras e 45 milhões de utilizadores destes três países, dando possibilidade a que clientes do MBWay, da espanhola Bizum e do italiano BANCOMAT façam pagamentos imediatos entre si.

Este é o mais recente projeto da SIBS, mas outros estão já na mente de Madalena Cascais Tomé, CEO da SIBS, que, em entrevista ao Jornal PT50, mostra que não é parca em ambição, acreditando que a instituição portuguesa poderá liderar o movimento de desenvolvimento do ecossistema de pagamentos na Europa. “O nosso crescimento internacional é uma prioridade”, refere, ao mesmo tempo que diz sentir o “forte” peso da regulação europeia e a concorrência das fintechs e bigtechs globais, sobretudo as norte-americanas.

Na altura em que a operadora de sistemas de pagamento deixa a histórica sede em Lisboa, para se alojar num novo centro em Alfragide, a CEO da SIBS analisa o passado e abre a porta ao que será o futuro daquela que é uma das fintech mais antigas de Portugal.

O projeto EuroPA realizou em novembro a primeira transferência de pagamento instantâneo internacional, com vista a ser lançado em 2025. Em que ponto está?

O projeto EuroPA – European Payment Alliance é uma iniciativa de interoperabilidade que visa criar o caminho para poder conectar várias iniciativas europeias de pagamentos digitais. O lançamento foi feito a partir de Lisboa e fomos pioneiros nas transferências instantâneas entre várias soluções. Vamos juntar mais de 180 instituições financeiras que estão ligadas por estas várias soluções. Esta parceria será lançada em primeira mão pelo MBWay, pela Bizum e pelo Bancomat, juntando assim mais de 45 milhões de utilizadores para poderem fazer essas transferências instantâneas. Fomos pioneiros ao lançar esta prova de conceito em novembro e agora estamos a fazer todas as diligências necessárias para poder fazer o lançamento no final do primeiro trimestre. Entretanto, o objetivo é poder também juntar outras iniciativas europeias. Atualmente, há na Europa cerca de 13 soluções baseadas em pagamentos instantâneos. Já temos duas iniciativas interessadas em aderir ao projeto e o caminho será aumentar esta rede.

Falou que é um projeto pioneiro, mas na altura também foi noticiado o Wero, para os mercados da Alemanha, França e Bélgica.
A grande diferença é que a European Payment Initiative está a desenvolver uma solução semelhança ao que o MBWay fez em 2015. É uma solução que vai juntar e fazer as transferências instantâneas dentro do país entre os bancos aderentes. No futuro, o que perspetivamos é que esta iniciativa de interoperabilidade, tal como já estamos a desenvolver, possa conectar-se ao próprio euro e até eventualmente ao euro digital. É uma lógica um bocadinho diferente, não estamos a construir uma solução nova, estamos, no fundo, a ligar as soluções que existem. Acreditamos em desenvolver e ligar soluções que já tiveram muito de inovação e desenvolvimento. O MBWay foi a primeira solução de pagamentos instantâneos na zona euro em 2015. É construir sobre essa solução.

Madalena Cascais Tomé, CEO da SIBS | Foto: Jornal PT50/Paulo Vaz Henriques

Qual é a grande diferença entre o MBWay e o EuroPA?
É uma internacionalização do MBWay. Na prática, as transferências e pagamentos que são feitos nesta rede são transferências e pagamentos MBWay. Podem é chegar a mais utilizadores, nomeadamente aos que estão disponíveis através das redes da Bizum e do Bancomat, no primeiro momento, e depois de outras soluções no futuro.

O MBWay é a solução mais desenvolvida no contexto europeu e é exatamente por isso que pensamos que esta iniciativa de interoperabilidade, ao mesmo tempo que permite estender os pagamentos a mais utilizadores, continua a permitir desenvolver funcionalidades com este avanço e com este nível de desenvolvimento que outras soluções na Europa ainda não têm. Por exemplo, em Portugal, somos pioneiros na adoção de pagamentos com QR Code MBWay, que vem permitir digitalizar um conjunto de casos de uso e de jornadas de pagamento que de outra forma não eram possíveis. Portanto, é sobre a tecnologia da SIBS e sobre a solução do MBWay que vamos continuar a desenvolver os vários casos de uso, incluindo os casos de internacionalização.

Referiu que a evolução será integrar com mais soluções. Pode revelar quais são?
Neste momento, não posso revelar quais são as que já estão mais avançadas, mas posso dizer que fundámos uma associação que é a EMPSA, European Mobile Payment Association, da qual fazem parte 13 membros e naturalmente é uma associação e um conjunto de soluções que poderão ser, no futuro, elegíveis para se juntarem. Acho que a grande vantagem que vemos nesta iniciativa é justamente ser uma iniciativa aberta e inclusiva. Isto tornou-se possível com base nas soluções de pagamentos instantâneos, que é um novo modelo de pagamentos que foi desenvolvido pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu, como um sistema de pagamentos de base europeia e que tem um conjunto de standards que facilitam esta integração.

Então, no limite, podemos dizer que vai chegar a todos os países da zona euro?
Idealmente sim. Mas dependerá muito do nível de desenvolvimento das próprias soluções nos vários países ou nas várias comunidades.

Em termos de moeda, pensam em integrar apenas países que usam o euro ou é indiferente?
Vemos um futuro em que o nível de operabilidade poderá ir para além da Europa. Esse é o objetivo.

Qual é, então, o grande objetivo da SIBS nesta área dos pagamentos?
É contribuir para este sistema de pagamentos pan-europeu e liderar este movimento. Acho que é isso que vamos fazer.

Poderá chegar também às Américas, a África?
Desde logo à Europa, mas é possível chegar a outros sistemas, muito dependente do estágio de desenvolvimento desses próprios mercados.

A SIBS em números | Design: Jornal PT50

Já referiu uma possível integração do euro digital. Mas o Banco Central Europeu só no final do ano é que vai decidir se avança ou não para esta moeda. Já Donald Trump não gosta muito de CBDC (moeda digital do banco central) e prefere as criptomoedas. No meio de tantas soluções que estão a emergir, como é que vê o futuro?
Acho que é um futuro entusiasmante. Nesse aspeto, a Europa está muito à frente naquilo que são os sistemas de pagamento, exatamente porque têm surgido várias alternativas. Relativamente ao euro digital, o projeto técnico continua a fazer o seu caminho, ainda há bastantes configurações a detalhar pelo Banco Central Europeu. Há naturalmente um passo prévio que é a proposta legislativa, que terá de ser aprovada. Nós temos contribuído ativamente, fomos até os únicos players europeus de processadores de pagamentos a participar no Market Advisory Group. O MBWay tem inspirado muitas das configurações técnicas do euro digital. Acreditamos que o euro digital, sendo uma iniciativa pública, seja mais uma forma de pagamento que possa vir a estar disponível no MBWay. Isso, no fundo, é aquilo que irá permitir continuar a acelerar os pagamentos europeus e os pagamentos de base europeia.

Estão presentes em vários mercados, como Portugal, Polónia, Roménia, França, Cabo Verde, Angola, etc. Que papel é que vê a SIBS ter no desenvolvimento do ecossistema de pagamentos, não só a nível europeu, mas também global?
Nos vários mercados onde estamos presentes, naturalmente com foco em Portugal, mas também na Europa Central e do Leste, contribuir de forma muito ativa para o desenvolvimento dos pagamentos digitais nesses mercados. Posso referir dois ou três números, Portugal é dos países na Europa mais desenvolvidos do ponto de vista da infraestrutura de pagamentos, é o país onde há mais ATM per capita, é o terceiro país da Europa com mais POS, ou seja, pontos de aceitação de pagamentos per capita, é o país que tem provavelmente mais funcionalidades de pagamentos digitais nesta rede, desde compras, serviços, transferências instantâneas. E é o segundo país da Europa com os pagamentos digitais mais seguros, com menor nível de fraude. E isto, sem dúvida, tem sido importante para desenvolver toda a digitalização da população portuguesa. O mesmo temos feito na Polónia e na Roménia. Estamos também a lançar uma operação de ATM e o mesmo fizemos na Roménia. Quando chegava à Roménia tinha no balcão sete terminais para aceitar pagamentos.

Depois, há um segundo nível que é olhar para o mercado europeu como um todo. Cada vez mais os serviços digitais são pensados como serviços críticos no contexto europeu e existe também muita preocupação em desenvolver serviços que possam funcionar em toda a Europa e não só em cada um dos Estados-membros. E, sobretudo, que esses serviços sejam construídos sobre infraestruturas europeias, nomeadamente sobre o novo modelo de pagamentos que são os ‘instant payments’.

Cada vez mais podemos fazer os pagamentos sem ter um cartão por base e usar um telemóvel com base numa conta. O MBWay está a fazer este caminho de evoluir para ser uma solução pan-europeia através da interoperabilidade. Queremos, de facto, ter um papel muito ativo na construção deste sistema de pagamentos pan-europeu.

E depois continuar a contribuir para os grandes projetos europeus, naturalmente o euro digital, e desenvolver tecnologia europeia. O nosso crescimento internacional, sem dúvida, é uma prioridade por estes motivos.

Relativamente a esse crescimento internacional, como é que impactam todas as questões geopolíticas que atualmente assolam o mundo e que colocam algumas limitações ao crescimento das empresas?
Sem dúvida que não há nenhuma empresa que possa ficar indiferente. No caso da Polónia, estamos até muito próximos de uma guerra. É um contexto bastante desafiante, estamos a assistir a uma viragem geopolítica bastante disruptiva. No fundo, os Estados Unidos estão a afirmar a sua estratégia de crescimento económico, dos seus próprios atores e das suas próprias empresas, que são também elas players muito relevantes aqui na Europa.

Por outro lado, também temos um contexto bastante desafiante no mercado europeu. Está identificado já por alguns relatórios recentes, nomeadamente o relatório Leterme e o relatório Draghi, que a Europa tem um enquadramento regulatório bastante exigente, que, do ponto de vista da competitividade global, pode condicionar as empresas europeias. Nós também sentimos isso, naturalmente. Operamos num setor que é altamente regulado.

Foto: Jornal PT50/Paulo Vaz Henriques

Sentem o peso da regulação?
Basta dar dois exemplos. Temos um AI Act quando ainda não há nenhum grande operador de IA europeu, e vemos como é que o espaço está a ser disputado entre os operadores americanos e os operadores asiáticos. Temos um regulamento DORA, que é um regulamento de resiliência operacional fortíssimo, quando a maior parte dos ‘hyperscalers’ de cloud também não são empresas europeias. É um enquadramento regulamentar que, no fundo, traz um peso de operação muito grande para as empresas europeias, que têm que concorrer com empresas globais, e que, em alguns casos, pode condicionar a inovação.

Portanto, isso tem sido e é um enorme desafio. Dito isto, como empresa, e acho que temos que continuar focados naquilo que é a nossa atividade e na nossa capacidade de inovação e diferenciação, continuamos a acreditar e a apostar na inovação, acreditamos que esse é o caminho de crescimento neste contexto.

Para além da regulação, também sentem o peso da concorrência das fintech e das bigtech?
O mercado dos pagamentos e dos serviços digitais na Europa é altamente competitivo e os principais players são americanos. Acho que a própria Europa começa a olhar para isso com alguma preocupação. Houve recentemente a diretiva Market Directive, que identifica estas entidades como ‘gatekeepers’, que não só detêm os terminais, como os serviços digitais e o próprio acesso aos consumidores através do ‘deployment’ das soluções.

Aqui a nossa capacidade de concorrermos é pela diferenciação, porque trazemos novos casos de uso e novas experiências. O QR Code é um exemplo disso. E temos feito uma aposta muito forte no investimento em inovação. Mas para conseguirmos continuar a ter essa capacidade de investigação e de investimento temos que crescer. Daí a ligação ao crescimento europeu e ao crescimento internacional como via para conseguirmos continuar a competir com estes gigantes globais.

Com a inteligência artificial, o ‘machine learning’, etc., para onde vão evoluir os pagamentos?
Acredito que os pagamentos vão ser cada vez mais invisíveis. Nós vamos pagar quase sem dar por isso. Isso para nós é um grande objetivo. Podemos pagar com diferentes formas de pagamento. No futuro, quem sabe, só com biometria, só com pagamentos óticos, o potencial é enorme e já há várias experiências nesse sentido.

A inteligência artificial está na base de tudo aquilo que fazemos e está por trás dessa confiança e desse nível de processamento e de serviços que temos que disponibilizar. Nós trabalhamos com inteligência artificial há quase uma década, muito naquilo que eram os modelos de previsão. Agora, no contexto da democratização, a IA é quase um assistente pessoal de cada um de nós e vem potenciar muito a nossa capacidade de desenvolvimento, de programação, de desenvolvimento de novos produtos e serviços, até de serviço aos nossos utilizadores e aos nossos clientes.

Têm 15 mil ATM na Europa, mas estamos cada vez mais a fazer pagamentos só com o telemóvel. O que vai acontecer a tanta ATM? Vão ficar obsoletas?
Portugal ainda continua a ter a rede de ATM mais capilar da Europa. Agora, uma coisa muito interessante nos pagamentos, que é simultaneamente um desafio, é a capacidade que temos tido de continuar a inovar sem deixar ninguém para trás. E a rede de ATM continua a ter um papel, quer em Portugal, quer nos outros mercados onde estamos presentes, um papel de inclusão muitíssimo importante. Foi o primeiro grande canal de digitalização dos portugueses e continuamos a disponibilizar serviços digitais nas ATM para as pessoas que tenham menos acesso à internet ou que tenham menos possibilidade de o fazer nos seus PC ou de outra forma.

Dito isto, também continuamos a inovar nas ATM. Por exemplo, estamos a lançar novas tipologias de máquinas porque se pensarmos, por exemplo, nos serviços dos balcões das instituições financeiras, há ainda um conjunto de operações que podem ser automatizadas, mesmo aquelas operações mais complexas que envolvem numerário, moedas e notas, etc. Porque enquanto existir o numerário vai continuar a ser necessário tratar esse numerário. O grande desafio continuará a ser tornar estas redes cada vez mais eficientes, para que continuem a prestar o seu serviço – com menos utilização, é um facto – mas com a mesma disponibilidade e a mesma cobertura geográfica.

Está a liderar a SIBS desde 2015 e tem mandato até 2026. Quais têm sido os seus grandes desafios e o que espera deixar como marca na empresa e neste mercado?
Tem sido um percurso incrível, o tempo passou muito depressa. Acho que, sem dúvida, os desafios foram esta transformação de inovação da SIBS. Lançámos mais de 60 produtos e serviços neste período. E muito dessa transformação foi exatamente transformar a SIBS de uma empresa que era sobretudo de rede de ATM numa empresa de serviços digitais. Falámos do MBWay, mas há um conjunto de outros serviços que lançámos, o SIBS API Market, o SIBS Analytics, mais recentemente o SIBS ESG, uma plataforma para apoiar as empresas a fazerem o seu ‘reporting’ de ESG, tudo aquilo que são casos que podem ser simplificados pela tecnologia. Nós temos sido pioneiros em muitas dessas transformações, foi um grande desafio e sem dúvida que continua a ser também uma grande ambição. Também o crescimento europeu e internacional, porque cada vez mais os serviços digitais são serviços globais ou pelo menos serviços europeus.

Olhando para a frente, queremos continuar a liderar nessa matéria, continuando a ser um dos players europeus de maior relevância e a contribuir ativamente para o desenvolvimento dos sistemas de pagamento na Europa. E isso só possível com uma enorme equipa. E, pessoalmente, é um desafio e uma ambição continuar a desenvolver e atrair talento português e a desenvolver tecnologia de base portuguesa que está presente em mais de 25 mercados e que serve todos os dias mais de 150 milhões de utilizadores.

Diria que a sua marca é então a transformação da SIBS numa empesa de serviços digitais?
É o crescimento da SIBS e a sua afirmação neste contexto europeu e global dos pagamentos e, sem dúvida, continuar a ser pioneira em inovação nos serviços digitais.

Termina o seu mandato em 2026. Já nos pode dizer se vai continuar ou é muito cedo?
Sim, é muito cedo e é algo que obviamente dependerá dos acionistas.

Mas é possível continuar?
Não há restrição.