Ana Sá Ribeiro (ASR), membro do conselho de administração na Mota-Engil, e Silvia Mota (SM), CEO da Mota-Engil Next, são duas gestoras que ambicionam acelerar a equidade de género no acesso ao capital e às oportunidades de liderança, algo que consideram que “ainda progride de forma lenta”. Estão focadas numa abordagem proativa e criação de novas oportunidades para a liderança feminina. Criaram, para isso, o Moon Capital – Women Empowerment Fund, um fundo de capital de risco que pretende investir em negócios liderados por mulheres, começando em Portugal, mas ambicionado investir noutros países da União Europeia. O primeiro ‘closing’ do fundo deverá ocorrer no primeiro trimestre de 2025 e já há alguns investimentos em empresas portuguesas prontos a concretizar. Em entrevista ao Jornal PT50, as promotoras prometem: “O fundo proporciona acesso a projetos altamente promissores”.

Acabaram de lançar o Moon Capital. Porque decidiram lançar este fundo?

SM – Este fundo tem por base as experiências de duas mulheres que ao longo de vários anos têm desempenhado cargos de liderança em várias empresas.

Pretendemos transformar o cenário empresarial e financeiro, no sentido de uma maior justiça e equilíbrio, onde o mérito e a capacidade de cada um é a tónica principal. Acreditamos que, apesar dos avanços, a equidade de género no acesso ao capital e às oportunidades de liderança ainda progride de forma lenta e, muitas vezes, é mal compreendida pela sociedade. Essa falta de compreensão desvaloriza algo essencial para nós, mulheres: o reconhecimento baseado no mérito e na competência.

Em vez de nos limitarmos a enfrentar um ambiente empresarial tradicional e conservador, optamos por uma abordagem proativa e transformadora. O nosso foco está na criação de novos caminhos e oportunidades, onde a presença feminina na liderança seja natural e orgânica, deixando de ser um tema de debate, uma exceção, para se tornar um reflexo da realidade.

Ampliar a participação de mulheres em cargos de gestão e de liderança é essencial para impulsionar mudanças estruturais e garantir que suas vozes sejam ouvidas na definição de estratégias e objetivos organizacionais. Entretanto, as mulheres empresárias ainda enfrentam desafios desproporcionalmente maiores do que os homens no acesso ao capital e a recursos estratégicos.

O Moon Capital surge para mudar essa realidade, não apenas investindo em negócios liderados por mulheres, mas também redefinindo as dinâmicas do mercado, promovendo inclusão, inovação e crescimento sustentável.

Em que tipo de projetos pretendem investir? Em Portugal ou em mais países?

ASR – Face aos objetivos e à natureza do fundo, o Moon Capital é um fundo de capital de risco multissetorial, estruturado para ser agnóstico em relação aos setores de atividade, e procura proporcionar aos investidores retornos ajustados ao risco potencialmente mais elevados, ao mesmo tempo em que oferece uma maior diversificação de portfólio.

O fundo concentra-se em oportunidades especializadas de pequena e média capitalização, operando predominantemente por meio de estratégias de private equity, incluindo buy-out e growth/mezzanine. Além disso, investe em venture capital, abrangendo desde a fase de seed capital e start-up até as rodadas Série A, Série B e fases posteriores (later-stage).

A política de investimento do fundo cobre Portugal, Espanha e os restantes Países da União Europeia, buscando identificar e capitalizar oportunidades estratégicas nesses mercados.

Embora tenhamos este âmbito geográfico abrangente, claramente nesta fase de arranque do fundo, estamos mais concentrados em projetos locais, nacionais e/ou ibéricos. Estamos já a negociar alguns investimentos em empresas portuguesas, que se irão concretizar a breve trecho, após a conclusão do first ‘closing’ do fundo, que se estima ocorrer no primeiro trimestre de 2025.

Qual a vossa expectativa de capital sob gestão e qual o perfil do investidor que procuram?

ASR – O capital do fundo objeto de colocação será no mínimo 50 milhões de euros, mas temos o objetivo pensado de 75 milhões de euros.

Relativamente ao perfil de investidor, a tónica comum é o comprometimento com a filosofia e a política de investimento do fundo. O Moon Capital é um fundo de intervenção, com um propósito que vai para além de proporcionar aos seus investidores um excelente retorno financeiro – que não descuramos!

Os investidores que temos contactado são de cariz diverso, desde particulares/’high net worth individuals, grupos empresariais, ‘family offices’, ou seja, o investidor típico de um fundo de ‘private equity’.

De que forma o fundo pode ser uma oportunidade de investimento diferenciadora? Existem fundos semelhantes que se foquem no empreendedorismo feminino?

SM – O Moon Capital representa uma oportunidade de investimento verdadeiramente inovadora, preenchendo uma lacuna evidente no mercado de ‘private equity’ ao direcionar capital para mulheres empresárias, empreendedoras e sucessoras em processos de transição familiar.

Apesar dos avanços, as mulheres empresárias ainda enfrentam barreiras significativamente maiores do que os homens no acesso a capital e recursos. No entanto, o potencial de investimento em negócios liderados por mulheres é inquestionável. Décadas de estudos demonstram que a presença feminina na liderança impulsiona a produtividade, fortalece a colaboração, inspira a dedicação organizacional e promove a equidade. No entanto, essas oportunidades continuam subfinanciadas e muitas vezes negligenciadas pelo mercado tradicional de investimentos.

O Moon Capital não apenas reconhece esse potencial inexplorado, mas busca ativamente transformá-lo em retornos concretos para os seus investidores. Ao direcionar capital para empresas lideradas por mulheres, o fundo proporciona acesso a projetos altamente promissores, com performance esperada acima da média do mercado e impacto positivo de longo prazo.

Embora existam inúmeros fundos filantrópicos voltados para a inclusão feminina, especialmente em regiões como a África e a América Latina, a oferta de fundos de ‘private equity ‘com essa abordagem ainda é escassa. O Moon Capital é na sua essência um fundo de ‘private equity’ e surge para preencher essa lacuna, oferecendo um modelo de investimento sustentável e de alto potencial. Com o compromisso de impulsionar a diversidade, a inovação e a competitividade no mercado global.

O fundo também planeia oferecer suporte além do financeiro, como mentoria ou capacitação para empreendedoras?

SM – Para além do acesso ao financiamento, o Moon Capital visa impulsionar os projetos de mulheres empreendedoras em áreas como mentoria empresarial, formação, networking e comunidade. Através da partilha de uma extensa rede de contactos e plataformas, o Moon Capital promove um sentido de comunidade, incluindo webinars, plataformas de redes sociais e partilha de ‘insights’. Adicionalmente, oferece ferramentas, workshops e sugestões para aprimorar as capacidades empresariais e de liderança.

Qual é o horizonte de tempo esperado para os investimentos do fundo e para os retornos?

ASR – Em linha com a prática de mercado dos de fundos de investimento, estabeleceu-se que o período de investimento será três anos e a duração total de 10 anos. Contudo, os nossos investidores terão acesso a um sistema de ‘cash call’ e de participação em eventos de liquidez que irão minimizar o período de alocação de capital e maximizar o seu retorno.

Há setores ou indústrias específicas onde acreditam que o empreendedorismo feminino está sub-representado e que serão prioritários para o fundo?

SM – Obviamente existem setores tradicionalmente mais dominados pelo género masculino, mas o nosso foco é impactar e empoderar empresas fundadas, cofundadas ou lideradas por mulheres ou que demonstrem um forte compromisso com a diversidade de género nas suas equipas – em diferentes áreas e fases do negócio. Consequentemente, a política de investimento do Moon Capital não contempla setores prioritários. Entendemos que para além dos setores (bens ou serviços) tipicamente ou tradicionalmente voltados para o publico alvo feminino, existe uma necessidade genérica de um tratamento mais igualitário, não só no que se refere à representatividade nos órgãos de gestão, mas sobretudo no acesso ao capital. É aí que pretendemos fazer a diferença, permitindo o acesso ao capital a mulheres empresárias, realizando assim o nosso propósito de empoderamento feminino.

O que falta no ecossistema empreendedor em Portugal (ou globalmente) para que mais mulheres se tornem líderes empresariais?

ASR – O ecossistema empreendedor em Portugal – e globalmente – ainda apresenta desafios estruturais que dificultam a ascensão das mulheres a posições de liderança empresarial. Embora o número de empreendedoras esteja em crescimento, há barreiras significativas que limitam seu acesso a oportunidades, financiamento e redes de influência. Tem de se trabalhar precisamente para modificar e até abolir várias dessas barreiras. Por exemplo, criar, precisamente, mais fundos de investimento focados em startups e negócios liderados por mulheres; desenvolver programas de mentoria e redes de apoio que conectem empreendedoras a investidores, especialistas e parceiros estratégicos; combater ativamente vieses inconscientes e estereótipos no mercado – o ambiente empresarial ainda carrega preconceitos sobre a capacidade de as mulheres liderarem grandes negócios; incentivar políticas públicas e corporativas que promovam a inclusão e o acesso ao capital; aumentar a visibilidade de histórias de sucesso de mulheres no empreendedorismo. A falta de mulheres em cargos de alta liderança e destaque no mundo dos negócios reduz a inspiração para novas gerações.

Como pretendem medir o impacto do fundo no empreendedorismo feminino?

ASR – Através de uma combinação de métricas quantitativas e qualitativas para avaliar o sucesso dos investimentos do fundo e o progresso no sentido da sua missão de empoderar as mulheres. Neste sentido serão avaliados as seguintes KPI: criação de emprego, crescimento de receitas, retorno financeiro, diversidade de género nas equipas de liderança e nos conselhos de administração das empresas, avaliações de impacto social para calcular os benefícios sociais e ambientais gerados pelos seus investimentos, e acompanhamento da eficácia dos programas de orientação e apoio para empresas lideradas por mulheres, por exemplo, o número de mulheres que participam de programas de mentoria e workshops, taxa de conclusão de cursos de capacitação e treinamento e apoio ao acesso ao crédito e financiamento para mulheres.

Em cinco anos, onde gostariam de ver o Moon Capital e o impacto que gerou?

SM – A cinco anos vemos o Moon Capital com o primeiro ciclo de investimento concluído e em pleno acompanhamento dos vários projetos investidos, já tendo um caminho conjunto e ambicioso bem traçado e a trabalhar em conjunto para fazer estes negócios crescerem e serem bem-sucedidos!

Como impacto esperamos ser um motor para acelerar estes negócios e apoiar estas mulheres, ser ainda referência e inspiração, através das histórias de sucesso que estaremos a contar dos projetos investidos para que outras se abram nestes caminhos sem medos e com um pouco menos de barreiras.

Portanto, mais mulheres, mais justiça nas oportunidades, mais projetos, mais abertura, mais reconhecimento do impacto, contributo e do valor criado pelas mulheres na e para a sociedade.

Esperamos ainda ter criado ‘awareness’ necessário sobre a debilidade do setor para investir, apoiar estas mulheres e inspirar outros a fazer o mesmo e, portanto, abrindo caminhos!