Pedro Siza Vieira, ex-ministro da Economia do segundo governo de António Costa, teve nas mãos, em 2020, o futuro da Efacec, uma empresa de engenharia e tecnologia, estratégica no tecido empresarial português. Na altura, a Efacec tinha como principal acionista Isabel dos Santos, que viria a ter os bens arrestados na sequência do escândalo Luanda Leaks.

Em entrevista à SIC Notícias, Pedro Siza Vieira revela que a investigação à empresária angolana trouxe pesadas consequências à economia portuguesa, uma vez que Isabel dos Santos detinha participações acionistas muito significativas em várias empresas portuguesas, algumas delas "muito sensíveis e cotadas na bolsa". O ex-ministro explica que, devido ao arresto das participações que a empresária detinha, uma parte dos votos que determinam o futuro da empresa acabaram por estar bloqueados porque o tribunal inibia Isabel dos Santos de vender ou exercer direitos de voto.

"O Governo foi contactado. Falei com várias das empresas onde Isabel dos Santos tinha participações e, aquela onde tinha uma participação de controlo, era precisamente a Efacec", explica Pedro Siza Vieira. A empresária angola passou a ser a principal acionista da Efacec em 2015, quando comprou 66,1% da empresa através da sua sociedade Winterfell.

Segundo o ex-governantes, a empresa portuguesa enfrentava dificuldades e Isabel dos Santos disse à administração que poria a sua participação à venda. "Iniciou-se um processo de venda e o Governo foi informado. Imediatamente, fizeram-se diligências diplomáticas junto das autoridades angolanas, sensibilizando as autoridades para as empresas que estavam a ser afetadas por aquele arresto eram empresas muito relevantes para a economia portuguesa", acrescenta Siza Vieira.

No entanto, as intenções do Estado português saíram frustradas quando Isabel dos Santos exigiu o recebimento de uma parte do valor da venda, o que inviabilizaria o processo de venda, uma vez que a empresária angolana tinha os bens arrestados. Foi nesse momento que o Governo decidiu partir para a nacionalização, conta o ex-ministro, revelando que a decisão já vinha a ser ponderada "há bastante tempo".

A 2 de julho de 2020, a Efacec foi nacionalizada a custo zero e assim se manteve até a 1 de novembro de 2023, dia em que o Estado vendeu 71,73% das ações ao fundo de investimento alemão Mutares. Desde então, e segundo umrelatório preliminar sobre a intervenção do Estado na Efacec elaborado pelo Tribunal de Contas, o Estado já injetou mais de 480 milhões de euros na multinacional portuguesa, prevendo-se que a fatura final ultrapasse os 500 milhões de euros.

Apesar de ter sido o responsável pela entrada da empresa na esfera pública, Pedro Siza Vieira traça uma linha vermelha entre o período em que esteve envolvido no processo e o período que depois se sucedeu, após a sua saída do Governo.

"Fui membro do Governo que tomou a decisão da nacionalização da Efacec e que acabou por celebrar um contrato de venda da Efacec em março de 2022, contrato esse que não foi para a frente por algum motivo que, para mim, é desconhecido. O contrato acabou por morrer, o Governo seguinte teve que reabrir um processo de venda e começou, então, a meter dinheiro na Efacec que até esse momento não tinha acontecido", afirma.

Ainda sobre o relatório do Tribunal de Contas, Pedro Siza Vieira sublinha que a versão conhecida ainda é preliminar e diz que, ao contrário do que aconteceu com outros envolvidos na nacionalização da empresa, não foi notificado para se pronunciar. E acrescenta que, relativamente à nacionalização, não fez promessas. "Exprimi apenas a convicção séria que era possível ao Estado fazer essa intervenção sem ter encargos. "

Aliás, apesar de não ter estado envolvido na compra pela Mutares - concretizada em 2023, já na reta final do terceiro governo socialista - Pedro Siza Vieira sublinha que o investimento foi validado pela Comissão Europeia, uma vez que "há expetativa que o Estado venha a recuperar uma parte daquilo que foi a capitalização" da Efacec.

Pedro Siza Vieira reitera que teria sido fundamental vender a empresa mais depressa. O ex-ministro diz ter ficado "bastante desiludido por só ter conseguido proceder à venda da empresa em março de 2022", um negócio que viria a cair pouco tempo depois por motivos que lhe são desconhecidos.

"Não percebo porque se deixou morrer essa operação", aponta, em tom crítico à Comissão Europeia que nunca chegou a dar luz verde à venda. "Foi feita uma pré-notificação e o processo morreu, ninguém sabe o que se passou e isso não está no Tribunal de Contas."

Na entrevista à SIC Notícias, o ex-ministro mostrou-se disponível para ir ao Parlamento prestar esclarecimentos, independentemente da criação de uma comissão parlamentar de inquérito à venda da Efacec.