O Tribunal da Concorrência manteve as mesmas coimas de 225 milhões de euros a 11 bancos a operar em Portugal que a Autoridade da Concorrência tinha fixado em 2019. A sentença, lida esta sexta-feira, 20 de setembro, pela juíza Mariana Gomes Machado, é recorrível para o Tribunal da Relação e, depois, para o Tribunal Constitucional.

A Caixa Geral de Depósitos mantém-se como tendo a principal coima, de 82 milhões de euros, seguida do Banco Comercial Português, com 60 milhões.

Em 2019, quando fechou o processo, a AdC condenou os bancos por, através de e-mails enviados entre si, trocarem informação sensível como volumes de produção de crédito passado, ou como condições comerciais, por exemplo, spreads a aplicar no futuro próximo. A prática decorreu entre 2002 e 2013 e afetava os segmentos de crédito à habitação, ao consumo e a empresas. Factos que foram confirmados em Santarém.

Além das coimas, o tribunal também aplicou a sanção acessória de publicação em Diário da República e em jornais de expansão nacional, com exceção do Barclays e do Banco Montepio, que tinham colaborado com a AdC na fase administrativa - ainda que tenha deixado elogios ao primeiro e críticas ao segundo.

Infração “muito grave”, bancos “sem sentido crítico”

Os bancos recorreram da AdC e, agora, ouviram o tribunal considerar que cometeram uma infração por objeto da concorrência (trocaram informação sensível entre si, mesmo que não haja provas de que os clientes saíram prejudicados).

Uma infração classificada pelo tribunal como “muito grave”, porque os bancos “reduziram o risco da concorrência através de prática concertada entre si”, segundo a leitura da sentença. “A elevada gravidade decorre particularmente da natureza dos segmentos da atividade, de que se destaca o crédito à habitação”, sintetizou a juíza.

Em relação à duração no tempo, a juíza frisou que a maioria dos bancos cometeu as práticas “durante mais de uma década”. Considerou também que o envolvimento de cada banco é “homogéneo”.

A juíza criticou ainda os representantes que os bancos mandaram para o tribunal, como administradores, por terem mostrado um “muito reduzido” “sentido crítico”.

Foi graças ao Barclays que se originou a investigação da AdC, agora confirmada pela Concorrência
Foi graças ao Barclays que se originou a investigação da AdC, agora confirmada pela Concorrência Nathan Stirk/Getty Images

Barclays elogiado, Montepio criticado

Na leitura da sentença, a juíza elogiou o comportamento do Barclays, que deu origem ao processo através de uma denúncia, razão pela qual não concordou com a coima de 8 milhões que vinha da AdC, mesmo que suspensa na sua totalidade, passando a admoestação.

Porém, o tribunal criticou o Banco Montepio, que, também tendo aderido ao processo de clemência, mas em tribunal negou as infrações.

Na sua generalidade, os bancos pediam ou a absolvição, ou, em caso de condenação, coimas simbólicas ou reduzidas, muito distantes dos 225 milhões de euros aplicados pela AdC. Já o Ministério Público apontava para uma manutenção, ainda que com algumas exceções.

Postura do Banco Montepio foi criticada pelo Tribunal da Concorrência
Postura do Banco Montepio foi criticada pelo Tribunal da Concorrência D.R.

Juíza recusa prescrição: seria “abuso de Direito”

Os bancos defendem a prescrição do caso (e vão continuar a fazê-lo nas instâncias superiores), discordando do congelamento de prazos que foi decidido pelo Tribunal da Concorrência, relacionado com o período de tempo em que o caso esteve à espera de uma pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia.

O tribunal europeu respondeu, em 2024, que a tipificação das infrações poderia ser considerada como violadora da lei da concorrência, mesmo sem ter provas de os consumidores terem saído prejudicados (infração por objeto). Foi só após essa posição do tribunal de Luxemburgo que o Tribunal de Santarém quis decidir.

Esta sexta-feira, a juíza recusou a ideia de que o caso prescreveu já por conta deste tempo de espera pelo Tribunal de Justiça da UE. “Não se mostra prescrito o procedimento contraordenacional”, leu Mariana Gomes Machado. O Ministério Público e a AdC tinham a mesma opinião.

Uma das argumentações da juíza é que o reenvio para aquele tribunal europeu, antes de ser pedido pelo Tribunal da Concorrência, foi suscitado pelos próprios bancos, “que pugnaram pela sua essencialidade”.

Seria um “abuso de Direito que tal pretensão constituísse uma atuação meramente dilatória”, concluiu, defendendo, entre outras razões, que não houve inércia do Estado ou de instituições europeias que justificassem que o prazo de reenvio para o tribunal europeu. “A suspensão da instância é legítima e legal, não incorrendo por isso quaisquer prescrições”, concluiu.

Nuno da Cunha Rodrigues, presidente da Autoridade da Concorrência, Miguel Moura e Silva, vogal da Autoridade da Concorrência, e Ana Sofia Rodrigues, vogal da Autoridade da Concorrência.
Nuno da Cunha Rodrigues, presidente da Autoridade da Concorrência, Miguel Moura e Silva, vogal da Autoridade da Concorrência, e Ana Sofia Rodrigues, vogal da Autoridade da Concorrência. Nuno Fox

Recursos para o Tribunal da Relação a caminho

Não é surpresa que os recursos estão a caminho, já que o caso poderá seguir para o Tribunal da Relação de Lisboa, para já (e de questões de direito para o Constitucional).

A juíza pretendia dar 20 dias para a apresentação de tais recursos pelos bancos, acima do mínimo de 10 dias previsto por lei. Mas os bancos queriam 30 dias, defendendo que é o que está na legislação mais recente.

Os 20 dias foram justificados pela juíza pela classificação de “urgência” do caso (devido às prescrições), mas não mereceu concordância das defesas, que consideram que há complexidade que justifica o prolongamento para os 30 dias. Aliás, o BCP logo anunciou que vai pedir a irregularidade da decisão.

A AdC e o MP discordaram por não fazer sentido 30 dias. A juíza recusou qualquer irregularidade por ver um “equilíbrio entre a celeridade e os direitos de defesa”.

Entre os bancos, a expectativa é que haja recursos e, ao longo da tarde de sexta-feira, já houve várias confirmações.

“Discordando o BCP do enquadramento e da avaliação feita por aquele Tribunal da prova que foi produzida no decurso das audiências de julgamento, bem como da prova que se encontra junta a este processo, o BCP irá recorrer daquela decisão, pelo que aquela decisão não é ainda definitiva”, comenta o BCP numa nota à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, salientando que não haverá “impacto materialmente relevante” para as suas contas.

“O Banco Santander Totta discorda do teor da sentença do TCRS”, e, à CMVM, adianta que “continuará a exercer os seus direitos de defesa no âmbito deste processo, incluindo a apresentação de recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa”.

Também o BBVA confirmou que vai recorrer. Já o Crédito Agrícola “reitera não ter cometido qualquer infração”, mas ainda não tomou uma decisão definitiva.

AdC fala em vitória inequívoca

“A AdC congratula-se com a decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) que confirmou a decisão de condenação de 11 bancos. Trata-se de uma vitória inequívoca para a defesa da concorrência em Portugal e na União Europeia”, segundo reagiu a entidade presidida por Nuno da Cunha Rodrigues.

Segundo a sua posição, “a decisão do TCRS vem reforçar a importância da aplicação rigorosa das regras de concorrência e o papel fundamental da AdC na preservação de um mercado eficiente e dinâmico”.

Dos 15 investigados aos 11 no banco dos réus

A investigação da AdC iniciou-se em 2012, na sequência de uma denúncia feita pelo Barclays, na altura no meio de escândalos internacionais. Houve 15 bancos investigados, mas só 13 foram condenados no processo de contraordenação em 2019. Porém, 12 recorreram dessa decisão da AdC para o Tribunal da Concorrência, e só 11 ouviram a sentença esta sexta-feira.

Isto porque o Abanca, grupo espanhol, foi visado mas, na hora do desfecho do processo de contraordenação, já as infrações tinham prescrito, porque, como tinha cessado a prática antes dos outros bancos, regia-se pelo anterior regime de concorrência (Lei 18/2003-Art. 4.º).

Além disso, durante a investigação, o Santander comprou o Banco Popular, no âmbito de uma resolução bancária, razão para serem apenas 13 e não 14 os condenados pela AdC.

O Banif, em liquidação, foi condenado a uma coima de 1000 euros, mas optou por não recorrer (ainda que não tenha pago essa sanção).

Por isso, só os restantes 12 recorreram. Destes, o Deutsche Bank, com uma coima de 150 mil euros, viu o processo prescrever em 2020, antes do início do julgamento, porque, tal como o Abanca, as suas práticas ainda eram enquadradas na legislação anterior, e não na nova, como todos os outros (Lei 19/2012-Art. 9.º).

Notícia atualizada pelas 15h40 com mais informações; atualizada às 18h30 com reações dos bancos