Contar uma história, mesmo que ficcional, não é mentir. Pelo contrário: é procurar veicular uma verdade. E, por vezes, é a realidade que é mais ficcionada do que as histórias que recebemos como ficção. É assim que Robert De Niro vê a dinâmica entre as histórias do cinema e as da atualidade política norte-americana.

Na conversa inaugural do Tribeca em Lisboa – esperada como um dos pontos altos do dia -, o mote era a restauração da esperança através do storytelling, recordando a origem do festival, que surgiu como um motor de força anímica para a cidade de Nova Iorque, após os atentados de 11 de Setembro.

De Niro dá, no entanto, um salto desse passado para o presente da realidade norte-americana, para apontar aquele que, com toda a certeza, sabe não ser o meio de restaurar a esperança: “factos alternativos.

“A verdade tem de ser a verdade. A não-verdade é a não-verdade. Factos alternativos são uma coisa doida”, declara, e, sem qualquer receio, atira, logo à partida, o nome de Donald Trump para a conversa.

Aos olhos de Robert De Niro, o antigo presidente e atual candidato republicano à Casa Branca está “a destruir a verdade”.

“Fazer as pessoas pensarem que a mentira pode ser a verdade é uma loucura” , afirma.

Um exemplo? Tem-no logo para dar: a forma como o ataque ao Capitólio, em Washington, foi mascarado de uma demonstração de amor à pátria.

“Dizer às pessoas que viram alguma coisa que sabem que não viram. É o que Trump faz: negar, negar e negar”, acusa .

Cinema: além de verdade, lugar de debate

Quando a política rejeita essa função, resta assim ao cinema o papel de transmissor a verdade – mesmo que através da ficção.

Com uma boa ideia, uma boa história, pode encontra r-se formas de lidar com situações difíceis , de forma real ”, defende o ator e produtor norte-americano, e também produtor do festival.

Nesse aspeto, defende Jane Rosenthal, produtora norte-americana e co-fundadora do Tribeca, os festivais de cinema podem também ter um papel importante a desempenhar, por se apresentarem como lugares de discussão.

“Quando vemos os notíciários e os programas com debates na televisão, ninguém se ouve um ao outro quando fala”, repara Rosenthal.

É por isso que, acredita, festivais como o Tribeca podem ser “um bom lugar para ter essas conversas”, que ficam por fazer noutros meios. “É uma boa maneira de mudar perspetivas”, sugere.

Mas, então, e o própria base destes festivais: os filmes? Devem privilegiar a discussão, a procura pela verdade, em vez do entretenimento?

Se podemos fazer os dois, porque não?