Still Death é o título do trabalho do fotojornalista Rui Caria, sobre a guerra na Ucrânia, que foi reconhecido pelo júri da competição profissional do Sony World Photography Awards. É um dos trabalhos a figurarem na shortlist deste ano.

"A honra que sinto ao receber este reconhecimento é grande e guardo-a com humildade porque essa honra não é maior do que saber que a voz dos que sofrem aquilo que nem outros podem imaginar, vai ser, uma vez mais, e um pouco mais, ecoada pelo mundo, para que o mundo nunca esqueça o terror de três anos de guerra completados ontem”, disse à SIC Notícias Rui Caria.

O fotojornalista, repórter e editor de imagem da SIC esteve na Ucrânia duas vezes em 2022.

“Numa altura em que a humanidade parece votada ao desprezo, com as guerras a proliferarem sob o manto da política, entrego o reconhecimento, que agora é dado a este trabalho, ao povo da Ucrânia numa homenagem muito pessoal à valentia e perseverança pela vida, apesar do sofrimento sempre constante da morte pela guerra”, diz.

Objetos isolados, captados no chão, onde a guerra os colocou

Still Death foi destacado na categoria de Still Life que em fotografia se traduz como natureza morta. Ao participar com um trabalho documental, com este título e nesta categoria, o fotojornalista pretendia criar um diálogo entre conceitos.

Poderia a guerra ser representada apenas através de objetos isolados, captados no chão, onde a guerra os colocou?

Esta ideia contraria o conceito inicial de natureza morta, com origem na pintura e adoptado pela fotografia. Este género, sobretudo artístico, em que objetos inanimados, como flores, frutas ou livros, são dispostos pelos autores em composições visualmente agradáveis e com iluminação cuidada para serem fotografados ou pintados, é contrariado nesta série de fotografias que explora objetos deixados ao acaso pela destruição da guerra, e encontrados, também ao acaso, pelo fotojornalista.

O estilo “Natureza morta”

Rui Caria explica que o título desta série agora destacada nos Sony Awards é “apenas um jogo de palavras para aludir ao género conhecido como Still Life”.

Still Death não é, formalmente, um género na área da imagética, segundo o fotojornalista; quando muito, poderia aproximar-se do antigo movimento Vanitas que, de forma geral, se caracteriza pela representação da mortalidade através da imagem de objetos inanimados ou em decomposição.

Porque a guerra continua, três anos depois, "Ainda a morte" é assim retratada nesta série de oito fotografias tiradas durante os primeiros meses da guerra da Ucrânia.

“Nunca poderei descolar de mim a minha memória”

“Sim, a guerra completou ontem três anos e continua, por isso, não podemos olhar para o lado, apesar do perigoso convite do desinteresse natural que vai normalizando as bizarrias da guerra e do mundo que se vai desenrolando. Eu sinto que já fiz parte da minha parte e nem por isso me sinto satisfeito. Nunca poderei descolar de mim a minha memória, e os meus pensamentos vão lá longe, de vez em quando, por tudo o que vi e contei, por tudo o que vi e não contei, e por tudo o que não vi, mas sei, conta o fotojornalista.

Rui Caria

Vencedor em 2019 com a foto de um casamento

Em 2019, Rui Caria foi o vencedor do Prémio Nacional de Portugal dos Sony World Photography Awards, com uma fotografia tirada durante um casamento, na Praia da Vitória, Ilha Terceira, nos Açores.

“Quando me virei para trás para perceber de onde vinham as vozes de aflição, vi este cenário e fotografei, quase instintivamente (…) A fotografia deste pedaço do dia da Natália e do João nunca foi pensada para qualquer concurso”, explicou na altura o fotojornalista .

Rui Caria é um fotojornalista português, natural da Nazaré. Colabora com vários órgãos de comunicação social e agências de comunicação em Portugal e no estrangeiro. O seu trabalho fotográfico é reconhecido por editores das mais diversas publicações e as suas imagens estão publicadas em vários livros de fotografia internacionais.

Rui Caria é mestre em Comunicação e Media e é orador em eventos dedicados à comunicação visual, fotografia e fotojornalismo. Tem artigos sobre fotografia e imagética publicados na imprensa nacional e internacional.

Com um corpo de trabalho fotográfico exposto em todo o país, Rui Caria foi finalista e vencedor de vários concursos de fotografia, incluindo o Sony World Photography Awards, National Awards.

40 dias na guerra e 34 dias no mar mediterrâneo

Dos trabalhos fotojornalísticos e documentais produzidos destacam-se a guerra na Ucrânia, em 2022, para onde foi durante 40 dias como enviado especial da SIC Notícias, e a cobertura, em 2017, de uma missão FRONTEX no mar mediterrâneo central onde permaneceu 34 dias a fotografar as rotas dos migrantes ilegais e refugiados. Ambos os trabalhos foram destacados mais tarde; o primeiro no livro Ukraine: A War Crime, e o segundo foi premiado como a série fotojornalística do ano de 2018 pela Monovisions Photography Awards Magazine.

O trabalho de Rui Caria centra-se nas questões sociais, nos direitos humanos e no ambiente. Tem particular interesse em documentar a vida das pessoas comuns e os desafios que enfrentam. O seu trabalho é uma contribuição para o campo do fotojornalismo, divulgando alguns dos temas mais fraturantes das sociedades.

Criados pela World Photography Organisation, os Sony World Photography Awards premeiam as melhores fotografias contemporâneas captadas no último ano. Fotógrafos de todo o mundo podem candidatar-se ao concurso. Os trabalhos são avaliados por um grupo de jurados que trabalham na indústria fotográfica.

A exposição do Sony World Photography Awards com trabalhos premiados ocorrerá em Londres, Reino Unido, entre 17 de abril e 5 de maio.