
O elenco desta produção da temporada do Teatro Nacional de S. Carlos (TNSC) é composto pelas sopranos Eduarda Melo e Ana Vieira Leite, pela meio-soprano Cátia Moreso e o tenor Marco Alves dos Santos.
'Il trionfo del Tempo e del Disinganno' ("O Triunfo do Tempo e do Desengano", em tradução livre) foi composta em 1707 e marca a estreia de George Frideric Handel (1685-1759) neste estilo musical, tendo sido estreada em Roma, sob o mecenato do cardeal Benedetto Pamphili (1653-1730).
A obra alegórica de Handel apresenta uma trama dramatúrgica em torno de quatro dilemas morais de outras tantas personagens: a Beleza, o Prazer, o Tempo e o Desengano.
A obra foi estreada quando vigorava a proibição pontifícia de encenar óperas, mas, como assinala a musicóloga Cristina Fernandes, "as oratórias de Handel partilham o poder dramático das suas composições operáticas".
Para o encenador italiano Jacopo Spirei, um dos desafios foi "fazer o salto de uma versão de concerto para o palco, o que implica várias alterações". "Felizmente Handel é um compositor teatral, um condutor de histórias e isso facilitou".
Em declarações à agência Lusa, Spirei realçou a marcação dos cantores em palco, que "é muito dinâmica". A ação dramática desenrola-se na noite de Natal, o que "adensa as tensões" numa sala de estar de um família.
"Podemos referir-nos a esta obra como uma peça de música de câmara ou, de facto, pode dizer-se que é uma peça de teatro. São quatro pessoas a debater questões importantes para a humanidade: a bondade, a juventude, a beleza, o desengano, o tempo, o passado, o futuro, o presente, o prazer, o que significam".
Trata-se, prosseguiu o encenador de 51 anos, de "uma peça muito filosófica apesar de ter sido escrita por um cardeal católico [Benedetto Pamphili], que trouxe elementos seculares, debatendo-se o dilema prazeres terrenos versus amor".
"São quatro pessoas numa casa normal a debater grandes temas, num período especial em que as famílias se reúnem, a noite de Natal [...] e, inevitavelmente, certas coisas vêm ao de cima, tal como acontece hoje", argumentou Jacopo Spirei.
"Basicamente esta é uma peça de teatro [...] muito contemporânea, pois aborda temas clássicos. Ninguém fica eternamente jovem e belo, e o que se vai fazer sobre o passado? [...] Vai investir-se no visual, na imagem, no sucesso imediato, ou fazer alguma coisa da vida? Por outro lado, há o prazer, que diz - sim isso é verdade -, deve aproveitar-se cada momento da vida e vivê-lo, viver a vida ao máximo".
"Todos têm razão -- prosseguiu Spirei -, mas a Beleza tem de fazer uma escolha, e aqui entra o Tempo e o Desengano, é o crescer, tornar-se mais velho e fazer alguma coisa da vida".
"Por outro lado, não há um espaço nesta vida que se escolhe por prazer, e resta-nos um forte questão: o que fazer e como com a nossa vida, que é extremamente relevante para todas as pessoas. Tem a ver com as escolhas. Enquanto jovem questionas se deves investir no teu trabalho ou ir a uma festa. Este dilema é sempre atual", acrescentou.
O encenador e a protagonista, a soprano Eduarda Melo, assinalaram que sendo esta a primeira obra de Handel, neste género, contém já muitos dos temas e técnicas musicais que o compositor irá utilizar no futuro.
"Esta é uma obra pouco conhecida e não muito apresentada, mas sendo a primeira oratória de Handel, já aqui encontramos material que foi utilizado para outras obras do Haendel mais maduro. Há muita coisa que nasceu nesta obra, muitas árias e material que foram desenvolvidos ao longo do seu percurso musical, e vê-se que no jovem Handel já existia uma profundidade artística", disse à Lusa Eduarda Melo que se estreia neste papel.
Eduarda Melo representa a Beleza, Ana Vieira Leite, o Prazer, Marco Alves dos Santos, o Tempo, e Cátia Moreso, o Desengano.
A soprano destacou a exigência que a interpretação desta oratória em palco implica, tendo o compositor utilizado "todos os estados virtuosísticos, tecnicamente falando".
Eduarda Melo realçou igualmente "o trabalho de equipa, raro neste tipo de produções, obrigando todas as personagens a estarem sempre em palco".
"Requer um trabalho exaustivo de cada personagem. Eu conheço a fundo a minha personagem, mas sei tudo o que os meus colegas estão a dizer e a sentir naquele momento", disse.
Jacopo Spirei realçou "a música maravilhosa" de Handel e defendeu que 'Il trionfo del Tempo e del Disinganno' é "uma ópera em vários aspetos, ao abordar grandes questões".
Esta é "uma obra que exige vários tipos de virtuosismo", disse Spirei, acrescentando que "a ópera barroca tem uma grande ligação connosco, atualmente, pois não julga, como a ópera oitocentista, é moralmente muito aberta e, em termos musicais, aproxima-se da música 'pop' e 'metal', pois todas as suas estruturas vêm da música barroca - o solo, virtuosismo, coloratura".
Para Eduarda Melo, "a visão do encenador é muito interessante, pois pega em quatro figuras alegóricas e transforma-as em humanas, transformando esta história para algo mais humano e dos nossos dias, e acaba por ser uma viagem, uma passagem da vida de adolescente para a vida de adulto".
O maestro alemão Michael Hofstetter, que vai dirigir a Orquestra Sinfónica Portuguesa, é referido pelo Teatro Nacional de S. Carlos como "um especialista em música barroca".
Hofstetter, de 63 anos, dirigiu o Festival Ludwigsburger Schlossfestspiele, em Ludwigsburg, na Alemanha, entre 2005 e 2012. Desde janeiro de 2020, é diretor artístico e executivo do Festival Internacional Gluck, em Nuremberga, e, desde a temporada 2021/22, maestro convidado principal do coro masculino Tölzer Knabenchor, na Baviera.
Esta produção do "Il trionfo del Tempo e del Disinganno", de Handel - do Festival Internacional de Buxton em co-apresentação com o TNSC - vai estar em cena no Teatro S. Luiz, em Lisboa, na quarta e na sexta-feira, às 20h00, e no domingo às 17h00.
Seguirá depois para o Theatro Circo, em Braga, onde será apresentada nos próximos dias 26, às 21:00, e 27, às 16:30, no âmbito da digressão do TNSC.
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