A história diz-nos que instabilidade política compromete demasiadas vezes a capacidade do país para enfrentar desafios estruturais, da economia à coesão social. Enquanto muitos destes desafios são amplamente debatidos na esfera pública, o ambiente continua a ser frequentemente esquecido. Mas a sucessiva interrupção das legislaturas compromete a implementação de políticas nesta área, com impasses que vêm normalmente acompanhados de paralisia decisória, deixando a Administração Pública sem rumo entre dar continuidade aos processos em curso ou aguardar novas diretrizes políticas.

Este cenário agrava o défice histórico de investimento na proteção da natureza. Há vários processos que têm demorado a progredir e que tememos que esta crise política venha atrasar ainda mais. São os casos da elaboração do Plano Nacional de Restauro, só iniciada há dois meses, e do Plano Nacional de Ação para a Conservação e Gestão de Tubarões e Raias, que se prevê ser concluído até junho.

No plano internacional, a revisão da Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade está atrasada e, embora se tenha anunciado em fevereiro que entraria em consulta pública em maio, não é claro até que ponto a crise política irá deixar este processo em “banho maria”. Pode ainda ficar em risco o cumprimento no país do objetivo de 30% de proteção do território marinho e terrestre até 2030, fragilizando a nossa posição nas negociações internacionais sobre biodiversidade e clima. Já o processo de ratificação do Tratado de Alto Mar fica interrompido porque será o Parlamento a ter a palavra final.

Sim, houve alguns passos positivos com o Governo cessante, ao acolher várias sugestões das ONGA sobre áreas ecologicamente sensíveis que não devem ser consideradas para instalar renováveis offshore, avanços na aprovação dos planos de gestão de algumas ZEC, e ter, apesar da demora, iniciado os trabalhos para elaboração do Plano Nacional de Restauro envolvendo, ainda que limitadamente, as ONGA nesse esforço.

Mas também aconteceram decisões profundamente preocupantes, como a alteração à lei dos solos – que não resolve a crise da habitação e abre a porta à construção em solos ecologicamente sensíveis, pondo pessoas e bens em risco –, ou a votação a favor da redução do estatuto europeu de proteção do lobo-ibérico, colocando em risco a sua conservação.

A renovação do Parlamento e a formação de um novo Governo podem (e devem) ser uma oportunidade. Se quem sair vencedor destas eleições antecipadas assumir um compromisso real com a proteção ambiental e a transição climática, ainda há tempo para corrigir erros do passado e acelerar a implementação de políticas eficazes.

A proteção e restauro da natureza não podem continuar a ser relegados. Mas a responsabilidade não é apenas dos governos nem da Assembleia da República. A mudança exige cidadãos atentos, exigentes e participativos, começando pelo voto. E nestas eleições devemos, sim, escolher um futuro que tenha o ambiente como prioridade.