É certo que sobre o poder e benefícios da dieta mediterrânica já todos estamos bastante familiarizados, mas a nossa alimentação está a mudar e as condições para produzir alimentos também. E pouco a pouco há um novo caminho que se abre para alimentação do futuro e o futuro da alimentação: a adoção da dieta planetária. Do que estamos a falar quando nos referimos à Dieta da Saúde Planetária? No dia 20 de junho, a CropLife Portugal organizou o seu primeiro congresso para debater o futuro da alimentação. O SAPO teve uma breve conversa com Joana Sousa, nutricionista e especialista em nutrição comunitária e saúde pública e, também, professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, para nos ajudar a esclarecer tudo sobre esta nova dieta.

Afinal o que é a dieta planetária e como é que foi criado este conceito?
A dieta planetária, também designada como Dieta do Antropoceno, foi desenvolvida em 2019 pela EAT-Lancet Commission on Food, Planet, Health. Resulta da preocupação desta comissão quando, em 2015, apresentou o conceito de saúde planetária referindo-se à apreensão com a “saúde da civilização humana e o estado dos sistemas naturais dos quais ela depende”. Este conceito veio transformar o campo da saúde pública, que tradicionalmente tinha como foco a saúde das populações humanas sem considerar os sistemas naturais. A dieta foi criada com o intuito de destacar o papel crítico que as dietas desempenham ao ligar a saúde humana com a sustentabilidade ambiental, bem como a necessidade de integrar essas agendas, frequentemente desligadas, numa agenda global comum para a transformação do sistema alimentar para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

E em termos de saúde, que impacto poderá ter? Quem não deve seguir este tipo de dieta?
Esta dieta assenta em propósitos finais do sistema alimentar global: consumidor - consumo final (alimentação saudável) e processo - produção (produção sustentável de alimentos), sendo que a alimentação otimiza a saúde humana e a sustentabilidade ambiental o planeta. Estes propósitos apresentam um impacto distinto na saúde humana e na sustentabilidade ambiental.
A alimentação saudável baseia-se numa consumo energético desejável e em escolhas alimentares predominantemente constituídas por alimentos diversificados de origem vegetal, baixa quantidade de alimentos de origem animal, preferência por gordura insaturada e quantidades limitadas de cereais refinados, alimentos altamente processados e açúcares adicionados.

É parecido com o que se vê na tradicional dieta mediterrânica...
Do ponto de vista dos princípios alimentares, sim, facilmente identificamos a aproximação e similitude da dieta planetária com outros tipos de dieta, como é o caso da mediterrânica, cujo impacto benéfico na saúde é altamente reconhecido pela evidência científica. Pela sua diversidade alimentar, a flexibilidade é uma característica importante permitindo adaptação às necessidades alimentares, preferências pessoais e tradições culturais. Este tipo de dieta, por se basear em considerações de saúde, torna-se consistente com muitos padrões alimentares tradicionais, como é o caso da dieta mediterrânica. Logo, também na dieta planetária, a população global não tem de consumir exatamente os mesmos alimentos ou fazer exatamente as mesmas escolhas e conjugações alimentares. Não é uma dieta “estanque”. Esta dieta identifica grupos de alimentos e intervalos de ingestão que, combinados entre si num plano alimentar diferenciado, otimizam a saúde humana, sendo fundamental a interpretação local e a adaptação da dieta de acordo com a cultura, a geografia e a demografia da população e dos indivíduos. Assim, é uma dieta versátil e ajustada a diferentes necessidades nutricionais, sendo que em situações clínicas específicas em que a restrição ou suplementação nutricional é necessária, deverá ser avaliado de forma individual. Os princípios da dieta planetária podem e devem ser considerados em todas as intervenções nutricionais.

E ainda faz sentido falar na roda dos alimentos?
A roda dos alimentos é um instrumento de educação alimentar muito importante, mais ainda quando nos referimos à Roda da Alimentação Mediterrânica (cultura, tradição e equilíbrio), da Direção-Geral da Saúde. Como disse, a dieta mediterrânica enquadra-se nos princípios da dieta planetária, sendo que a utilização da Roda da Alimentação Mediterrânica enquanto modelo de educação alimentar faz todo o sentido e é um instrumento importante para promover a literacia alimentar e nutricional em programas de educação alimentar estruturados.

Como é que podemos delinear as regras da dieta planetária no dia-a-dia? Acha que a população portuguesa conseguirá adaptar-se a ela?
Infelizmente o padrão alimentar da população portuguesa desvia-se largamente dos princípios deste tipo de dietas. Mais do que conseguir, terá mesmo de acontecer! Caso contrário, estamos a comprometer seriamente a sobrevivência das gerações vindouras. Começar por alterar pequenos comportamentos com grande impacto ao nível da saúde individual e planetária é essencial. Mas como? Não é difícil! Quais os fatores de risco alimentar com maior tendência de crescimento nos últimos anos? O elevado consumo de carnes vermelhas e processadas e o baixo consumo de hortícolas. A dieta mediterrânica preconiza um consumo semanal de carne vermelha e/ou processada de até três porções e o consumo diário de hortofrutícolas de pelo menos duas porções por refeição principal. Cada um de nós deve fazer o seu diagnóstico e, passo a passo, definir os seus objetivos até atingir esta meta desejável. Já como diz a FAO, construir uma visão comum para a produção e sustentabilidade alimentar depende de cada um de nós.

Acha que a dieta planetária poderá retardar os efeitos das alterações climáticas e assim ser mais um contributo para o desenvolvimento sustentável?
É esse o seu propósito de base. Mas por si só, não terá resultados. Não basta saber, é preciso agir. Cada cidadão tem de tomar consciência da relevância e impacto que este problema global poderá trazer a médio prazo. Mas essa consciencialização e passagem à ação dependerá da interligação entre todos os setores. Desde a ciência até à forma como comunicamos, ao público a quem comunicamos e à mensagem que transmitimos. É um problema complexo que depende, de forma emergente, de todos os setores, com predomínio para a saúde, a economia, a educação, a agricultura e o social, percorrendo todo o sistema alimentar (desde a produção até ao consumo).

É mesmo preciso reduzirmos a quantidade de carne que comemos? E que impacto económico poderia isso ter?
Sim, é! Dados recentes da Global Burden of Disease (2021) são prova disso mesmo. O elevado consumo de carne vermelha e o elevado consumo de carne processada são, respetivamente, o 2.º e 3.º fatores de risco alimentares que mais contribuem para a Carga Global da Doença em Portugal, tendo crescido esse contributo em aproximadamente 23% e 22%, respetivamente, nos últimos 20 anos (2000 a 2021). Logo de seguida temos o baixo consumo de fruta e o baixo consumo de hortícolas. Temos de alterar comportamentos e esta alteração depende, em larga escala, de cada um de nós. O problema não está em comer a carne vermelha ou processada, mas sim no excesso de consumo que existe. Em média, cada português consome aproximadamente três vezes mais quantidade de carne vermelha face à recomendação. Temos de inverter estas tendências. Reduzir o consumo de carne vermelha e processada e aumentar o consumo de hortofrutícolas.

E como é que se convence as pessoas a fazerem essa mudança?
Para que isso ocorra é fundamental agir no domínio da comunicação e da capacitação. Trabalhar a literacia em saúde e a literacia alimentar de forma ajustada às necessidades, trabalhar a alteração do comportamento, mais do que o conhecimento. Desenvolver estratégias integradas e ajustadas às necessidades. Esta alteração de comportamento evidencia impacto económico individual e global.  Falamos de opções alimentares cujo custo médio é significativo. Ao reduzir o seu consumo e privilegiando o consumo de outros alimentos nutricionalmente ricos, cujo consumo está aquém das recomendações, que apresentam melhor impacto ambiental e de menor custo, estamos a impactar positivamente no domínio económico.
Em termos ambientais, o impacto económico é inquestionável. Uma redução da produção, face ao excesso de consumo, trabalhará favoravelmente na redução do impacto ambiental, no uso de recursos e desflorestamento. Adicionalmente, podemos ainda falar no impacto económico em termos de saúde a médio-longo prazo, decorrente da carga global de doença que estes comportamentos alimentares acarretam de forma direta e indireta.