O verão de 1992 elevou a temperatura em várias latitudes. A mediterrânica Barcelona acolhia a XXV Olimpíada, ‘casa’ para países recentemente independentes como a Croácia e a Bósnia. O escritor anglo-indiano Salman Rushdie, ameaçado pelo extremismo islâmico, aparecia em público em Espanha. Nas relações internacionais, a 23 de julho de 1992, os dirigentes eslovaco e checo acordavam num caminho para a separação das duas repúblicas europeias. No Uganda, em África, caiam os fragmentos de um meteorito de uma tonelada. Pela segunda vez na história tínhamos o relato de um humano atingido por despojos de meteorito.

Mais discreta, nascia naquele verão de há 33 anos uma mascote virtual batizada com o nome Duke. Saltitante e cambaleante, Duke era filho da criatividade do artista gráfico Joe Palrang, mas tarde notabilizado em filmes como Shrek. A mascote fora pensada para representar um "agente de software" que executava tarefas de apoio aos utilizadores. Duke foi um anfitrião interativo que possibilitava um novo tipo de interface de utilizador que ia além de botões, ratos e menus pop-up do mundo da computação de desktop.

Nos meses anteriores, um grupo de 13 pessoas, lideradas pelos visionários cientistas da computação Patrick Naughton, Mike Sheridan e James Gosling trabalharam intensamente em Menlo Park, cidade californiana. Procuravam demonstrar uma ideia inovadora. O trio de engenheiros apelidado Green Team (numa analogia com o Dream Team que brilhava nos campos de basquetebol) acreditava num futuro digital interconectado e trabalhava com vista a esse fim. Um ano antes da apresentação de Duke, uma empresa nascida na década de 1980, então reconhecida pelas suas inovações em matéria de hardware e software, lançou o Green Project. Neste, Gosling, Naughton e Sheridan exploravam novas tendências tecnológicas e acreditavam que o futuro da computação não estaria apenas nos computadores pessoais, mas também em dispositivos como eletrodomésticos inteligentes, televisores interativos e sistemas automatizados. Para enveredarem por este novo caminho era preciso criar uma linguagem de programação que fosse portátil, confiável e independente de plataformas específicas.

Duke, a mascote virtual.
Duke, a mascote virtual. créditos: Wikimedia Commons

Como forma de demonstrar a viabilidade da ideia que perseguia a equipa do Green Project apresentou no verão de 1992 o protótipo star-seven (*7), um controlo remoto, com uma interface gráfica touchscreen. Nele, pontuava o já nosso conhecido Duke.

James Gosling é um cientista da computação canadiano, conhecido como o criador da linguagem de programação Java. Nascido em 1955, desenvolveu o Java enquanto trabalhava na Sun Microsystems nos anos de 1990. Gosling também contribuiu para sistemas operativos, tradutores de código e ferramentas de desenvolvimento. Após a Sun, trabalhou na Google, Liquid Robotics e Amazon Web Services. O seu impacto na computação é enorme, especialmente na programação orientada a objetos e na portabilidade de software.

O star-seven trazia a possibilidade de controlar diversos dispositivos e aplicações e, entre outras, uma ideia nascida antes de tempo, a do telespetador interagir com a emissora de televisão e com a programação. O projeto era servido por uma nova linguagem de programação. Da janela do seu escritório, James Gosling descansava os olhos sobre um carvalho centenário. Do mundo vegetal, para o universo em expansão da programação, nascia pela mão de Gosling a linguagem Oak (Carvalho, na língua portuguesa), predecessora de uma das mais influentes e amplamente utilizadas linguagens de programação. Criado com o objetivo de ser portátil, segura e eficiente, o Java modelou o desenvolvimento de software ao longo das últimas décadas.

James Gosling
James Gosling O "pai" da linguagem de programação Java. créditos: Wikimedia Commons

De Oak a Java, uma história apaladada com café

Ainda na primeira metade da década de 1990, Gosling adaptou a linguagem Oak para a então emergente Internet. Por força de direitos de autor (a marca Oak servia já outra marca de software), a equipa de James Gosling adotou um outro nome para a linguagem em desenvolvimento. Uma história apócrifa conta que a designação Java terá nascido da paixão por café da equipa envolvida no Green Project, em particular por aquele produzido na ilha de Java, na Indonésia. Na gaveta terão ficado nomes como "Revolucionário" ou "DNA”. O icónico logotipo de uma chávena de café fumegante tornou-se sinónimo da linguagem Java.

A 23 de maio de 1995, no decorrer da iniciativa SunWorl’95, era apresentada a primeira versão pública do Java. Vivia-se então um tempo fulgurante no que respeita ao crescimento da Internet. Neste contexto, a Sun Microsystems percebeu que o Java poderia desempenhar um papel crucial no desenvolvimento de aplicações web interativas.

Java em cinco curiosidades

1. O primeiro navegador a suportar Java foi o Netscape Navigator.
2. A mascote oficial do Java chama-se Duke, criado por Joe Palrang, um dos designers do filme Shrek.
3. A linguagem Java inspirou outras linguagens como Kotlin, Scala e Clojure, que rodam na JVM.
4. O Android, sistema operacional móvel mais popular do mundo, é baseado em Java.
5. Existem cerca de dez milhões de desenvolvedores Java no mundo, tornando-a uma das comunidades de programação mais ativas.

Na época, escrevia a Sun Microsystems em comunicado de imprensa: “A capacidade de gravação única e a execução em qualquer lugar do Java, juntamente com sua fácil acessibilidade, impulsionou o software e as comunidades da Internet a adotá-lo como o padrão de facto para escrever aplicativos para redes complexas. Temos o prazer de convidar os programadores a baixar o Java 1.0 imediatamente e começar a criar o próximo aplicativo ‘matador’". Em maio de 1996 realizava-se a primeira JavaOne, conferência máxima da tecnologia Java.

Na época, uma das grandes inovações do Java foi a introdução dos applets, pequenos programas que podiam ser executados diretamente nos navegadores da web, o que permitia experiências interativas inéditas para os utilizadores.

A imagem de marca da linguagem Java.
A imagem de marca da linguagem Java. créditos: Wikimedia Commons

A promessa do Java assumia também contornos revolucionários sintetizados na frase "Write once, run anywhere" (“Escreva uma vez, execute em qualquer lugar”). Significavam estas palavras que um programa escrito em Java poderia correr em qualquer sistema operacional que suportasse a Java Virtual Machine (JVM), eliminando a necessidade de reescrever código para diferentes plataformas. Um traço do Java que fez deste uma linguagem extremamente atrativa para empresas que procuravam reduzir custos e complexidade no desenvolvimento de software.

1996: Java 1.0 e a sua rápida expansão

Após o lançamento oficial, o Java 1.0 tornou-se rapidamente popular. Grandes empresas começaram a adotá-lo, e a Sun Microsystems investiu robustamente na promoção da linguagem. A Microsoft, ao perceber o potencial do Java, tentou criar a sua própria implementação. Um caminho que encaminhou a gigante da tecnologia para disputas legais com a Sun por violação das especificações da linguagem.

java
java créditos: Wikimedia Commons

Com o início dos anos 2000, o Java consolidou-se como a principal escolha para aplicações empresariais. Surgiu a plataforma Java 2 Enterprise Edition (J2EE), que oferecia ferramentas para desenvolvimento de sistemas robustos e escaláveis para grandes empresas. Bancos, seguradoras e empresas de telecomunicações começaram a utilizar Java massivamente para construir suas infraestruturas digitais.

Ano de 2006. A Sun Microsystems decidiu abrir o código-fonte do Java e lançou o projeto OpenJDK, permitindo que a comunidade contribuísse para a evolução da linguagem. No entanto, em 2010, a Oracle adquiriu a Sun Microsystems, tornando-se a nova proprietária do Java. Sob a gestão da Oracle, o Java continuou a evoluir, mas também se envolveu em disputas judiciais com a Google devido ao uso do Java no Android.

A partir de 2017, a Oracle implementou um novo modelo de lançamentos para o Java, prometendo novas versões a cada seis meses. Isto trouxe mais previsibilidade e inovação para a linguagem, permitindo que programadores tivessem acesso a melhorias contínuas sem longos períodos de espera.

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