A escritora Maria Teresa Horta, a última das "Três Marias", morreu hoje, aos 87 anos, em Lisboa, anunciou a editora Dom Quixote.
"Uma perda de dimensões incalculáveis para a literatura portuguesa, para a poesia, o jornalismo e o feminismo, a quem Maria Teresa Horta dedicou, orgulhosamente, grande parte da sua vida", pode ler-se no comunicado enviado pela editora à Lusa.
No mesmo texto, a Dom Quixote lamenta "o desaparecimento de uma das personalidades mais notáveis e admiráveis" do Portugal contemporâneo, "reconhecida defensora dos direitos das mulheres e da liberdade, numa altura em que nem sempre era fácil assumi-lo, autora de uma obra que ficará para sempre na memória de várias gerações de leitores".
Em dezembro, Maria Teresa Horta foi incluída numa lista elaborada pela estação pública britânica BBC de 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo, que incluía artistas, ativistas, advogadas ou cientistas.
A escritora foi amplamente premiada ao longo da sua carreira literária, destacando-se, só nos últimos anos, o Prémio Autores 2017, na categoria melhor livro de poesia, para "Anunciações", a Medalha de Mérito Cultural com que o Ministério da Cultura a distinguiu em 2020, o Prémio Literário Casino da Póvoa, que ganhou em 2021 pela obra "Estranhezas", e a condecoração, em 2022, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Nascida em Lisboa, a 20 de maio de 1937, Maria Teresa Horta é descendente, pelo lado materno, de uma família da alta aristocracia portuguesa, contando entre os seus antepassados a célebre poeta Marquesa de Alorna. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi dirigente do ABC Cine-Clube, militante ativa nos movimentos de emancipação feminina, jornalista do jornal “A Capital” e dirigente da revista “Mulheres”.
Como escritora, estreou-se no campo da poesia em 1960, mas construiu um percurso literário composto também por romance e conto.
Com livros editados no Brasil, em França e Itália, Maria Teresa Horta foi a primeira mulher a exercer funções dirigentes no cineclubismo em Portugal e é considerada um dos expoentes do feminismo da lusofonia.
Pedrada no charco do Estado Novo
Maria Teresa Horta era uma das "Três Marias", a par de Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, que lançaram em 1972 as "Novas Cartas Portuguesas", uma obra que foi proibida pela censura e destruída poucos dias depois de ser lançada. Pelo conteúdo, considerado “pornográfico e atentatório da moral pública”, foram levadas a julgamento, mas o 25 de Abril interrompeu o processo.
A obra – que junta poesia, romance, ensaio e cartas, inclassificável em termos de género – foi alvo de muita atenção internacional, daí surgindo o apelido de “três Marias”. Tinha como temas a discriminação e condição das mulheres, a repressão do Estado Novo, a denúncia da Guerra Colonial e do conservadorismo da Igreja Católica.
O livro que se assumiu como um marco na história do feminismo, da literatura portuguesa, da oposição ao regime e da luta pela liberdade, após passar o período conturbado que envolveu a sua publicação, atravessou décadas quase como uma inexistência em Portugal, considerava, em 2022, Maria Teresa Horta, em declarações à Lusa, acrescentando não compreender esta situação.
"Ninguém ligou nenhuma às 'Novas Cartas Portuguesas' em Portugal, agora, de repente, enlouquece tudo", disse à Lusa, acrescentando: "Foram escritas há tantos anos. Depois esgotou, mas ninguém fez nada, e de repente, de súbito, de cinco em cinco minutos falam das 'Novas Cartas', a pessoa fica perplexa".
Até ao fim, as três recusaram-se a revelar e ninguém conhece individualmente a autoria de cada texto, como salientou à Lusa Maria Teresa Horta, que contestava uma ideia algo difundida de que a maioria seria obra de Maria Velho da Costa.
"Foram escritas pelas três. Ninguém vai dizer [quem escreveu cada texto]. Elas já estão mortas e eu nem morta nem viva digo quem escreveu, porque nós fizemos uma jura", afirmou.