Atrevo-me a dizer que Portugal é um pária no que ao poder local diz respeito. E não o é somente por perpetuar a existência anacrónica de um órgão de poder local como a junta de freguesia, resquício de uma transformação paroquial despida de competências.

Desengane-se quem considera a falta de competências das juntas de freguesia um problema de municípios que não delegam ou de um estado central controlador. O problema reside, acima de tudo, na falta de escala: sem escala territorial e económica, não há recursos humanos nem financeiros, não há profissionalização e, consequentemente, não há competências.

Uma questão estrutural que, de resto, não fica resolvida com a desagregação de freguesias que agora foi aprovada. Pelo contrário, a criação de novos e pequenos núcleos de poder local, sem qualquer cálculo sério da despesa que representa e das suas vantagens ou desvantagens para as populações locais, é um revés para todos aqueles que acreditam na necessidade de descentralizar o País.

Necessidade que devia tornar-se prioridade uma vez que Portugal permanece um dos países europeus onde mais se centraliza despesa pública e competências no estado central. Segundo dados de 2022 compilados pela OCDE, apenas 14,7% da despesa pública em Portugal é efetuada pelas autarquias locais, o que contrasta com os 66,7% da Dinamarca, os 32,9% da Noruega ou os 41,5% da Finlândia.

Contudo, não serão mais freguesias que inverterão este paradigma. Estas nunca terão, como disse acima, a escala necessária que lhes permitirá adquirir competências abrangentes ao nível da educação, saúde, ação social, urbanismo ou até segurança pública.

Este processo de desagregação de freguesias representa ainda um custo de oportunidade incompreensível. Mesmo nas hostes socialistas ainda existe quem reconheça que o País precisa de outras discussões, mais urgentes e impactantes. Pela voz da anterior Ministra da Coesão Territorial, a agora Deputada Dra. Ana Abrunhosa não se inibiu de criticar as prioridades invertidas dos partidos políticos, alertando até que Portugal deveria fazer um caminho de agregação de municípios que, relembro, consta do memorando de entendimento com a Troika assinado pelo Partido Socialista.

Não podia estar mais de acordo. Esta discussão, verdadeiramente paroquial, não serve um País economicamente estagnado e demograficamente invertido para o qual as novas juntas em nada contribuem.

Comecei por dizer que Portugal é um pária do poder local. Para o deixar de ser teríamos de perceber como é que aumentamos a eficiência na utilização dos recursos e as competências das autarquias, o que implicaria discutir a já citada agregação de municípios, a articulação dentro das comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas, o reforço da autonomia fiscal e a desconcentração da administração pública, excessivamente sedeada em Lisboa para prejuízo do bom funcionamento da capital e do resto do país.

A isto ainda se poderia acrescentar a necessidade de rever a composição dos executivos municipais - também ela uma excentricidade portuguesa - bem como a composição e competências das assembleias municipais.

Por último, mas não menos polémico e importante, seria para um país com as características demográficas e geográficas de Portugal muito mais interessante a discussão sobre a criação de um novo nível intermédio de governação ou, trocando por miúdos, trazer de novo o debate sobre a regionalização.

Ao invés destes assuntos e à exceção da Iniciativa Liberal, que sozinha votou contra o aumento da máquina do estado e de mais freguesias, a classe política dedicou-se à pequena e velha política territorial dos interesses instalados à custa do dinheiro dos contribuintes de todo o país.

Paradoxalmente, os mesmos que condenam, e bem, quem faz política tendo por base o aproveitamento de sentimentos de (in)segurança, acabam a desagregar freguesias tendo por base sentimentos territoriais desfasados da realidade global e das necessidades do país.

Sem paralelo nos países com quem ambicionamos competir, criam-se freguesias sem fundamento social e económico. Ou querem fazer-me acreditar que em países como a Noruega, a Finlândia, os Países Baixos, a Suécia, a Irlanda e a Alemanha se vive pior sem a paróquia que se transformou em órgão autárquico?

Não creio.

Jurista e Conselheiro Nacional da Iniciativa Liberal