Quarenta e cinco anos de Serviço Nacional de Saúde (SNS) é tempo, mais que suficiente, para se fazer um balanço do caminho percorrido até aqui, mas é, sobretudo, importante olhar e refletir sobre o seu futuro.

O SNS é indiscutivelmente, desde a sua criação, uma das mais importantes conquistas da democracia portuguesa.

Pilar fundamental na construção de uma sociedade mais justa e equitativa, o SNS é o garante de que ninguém, independentemente da sua condição financeira, fica à margem no acesso aos cuidados de saúde.

Nestas quatro décadas e meia os resultados são claros.

  • Graças ao SNS quem nasce em Portugal pode esperar viver mais do que na maior parte dos outros países do mundo;
  • Graças ao SNS os pais portugueses são dos que mais garantias têm de que os seus filhos nascerão saudáveis e que as mães não morrerão no parto;
  • Graças ao SNS a cobertura vacinal dos portugueses é das mais elevadas do mundo.

Perante isto e muito mais, é fundamental que não haja dúvidas: o SNS é, em si mesmo, a definição de conquista civilizacional.

No entanto, os desafios que enfrenta hoje não podem ser ignorados. A urgência de uma reforma estruturada, assente em princípios sólidos e ambiciosos, é uma evidência que se impõe.

A primeira premissa que orienta esta reflexão é clara: o SNS deve continuar a ser universal e tendencialmente gratuito.

Numa época em que as desigualdades se acentuam, a saúde deve permanecer como um direito inalienável de todos os cidadãos.

Não podemos aceitar que, em Portugal, o acesso a tratamentos, consultas ou intervenções cirúrgicas esteja condicionado pela capacidade económica de quem precisa de cuidados. A saúde não pode ser um privilégio, mas sim um direito inerente à nossa condição de cidadãos.

Em segundo lugar, o SNS deve permanecer público e acessível a todos, sendo, a par da Escola Pública, um dos mais importantes instrumentos na promoção da igualdade de oportunidades.

A ideia de que o acesso a serviços essenciais é um fator determinante na mobilidade social e na coesão nacional é irrefutável. O SNS deve estar, por isso, ao serviço do bem comum, não refém de interesses económicos ou de lógicas mercantilistas. Deve manter-se como baluarte da justiça social.

Contudo, para que este ideal se concretize plenamente, o SNS necessita de reformas profundas em áreas cruciais.

Desde logo, a valorização dos profissionais de saúde é uma prioridade incontornável.

Médicos, enfermeiros e auxiliares estão na linha da frente, mas enfrentam uma desvalorização que compromete a retenção de talento e o recrutamento de novos quadros.

Isto significa que é necessário promover a sua motivação e satisfação através de oportunidades de desenvolvimento profissional e de competências em ambientes de trabalho saudáveis e seguros. Trata-se de trabalhar para rever as suas carreiras, valorizar os seus salários, reforçar a sua formação e o seu papel na investigação científica. Os profissionais que trabalham em territórios mais carentes devem ter incentivos especiais, tais como apoios ao alojamento e às famílias.

A par disto, urge investir na gestão dos recursos, aliviando a sobrecarga nos hospitais e otimizando os cuidados primários, com especial enfoque na medicina preventiva e na promoção de uma maior articulação entre os diferentes níveis de cuidados.

Destaco, em particular, a necessidade de aumentarmos a capacidade de prestação de cuidados de saúde de proximidade, o reforço dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica, uma maior articulação e integração entre os cuidados de saúde primários, hospitalares e cuidados continuados, contrariando, assim, a excessiva centralidade da rede hospitalar e a duplicação de custos. Refiro-me, também, à plena inclusão da medicina dentária e ao alargamento da inclusão do serviço de psicologia no SNS, a fim de proporcionarmos aos portugueses um melhor acompanhamento da sua saúde oral e mental. A medicina preventiva é mais barata e contribui para que os portugueses sejam mais saudáveis e tenham uma melhor qualidade de vida, levando a que necessitem menos do SNS.

Por fim, é imperativo que a digitalização do sistema de saúde seja uma realidade. A integração de novas tecnologias permitirá agilizar processos, reduzir tempos de espera e garantir uma melhor qualidade de cuidados aos utentes.

Os portugueses querem mais e melhor SNS – e com todo o direito! –, mas tal só será possível através da inovação tecnológica. Não podemos esquecer que a eficiência do SNS depende, substancialmente, da sua capacidade de adaptação aos desafios do presente e, sobretudo, do futuro.

A reforma do SNS não é uma questão de ideologia, mas de compromisso com a dignidade humana.

É este o desafio que temos pela frente: preservar o que de mais nobre construímos e adaptá-lo às exigências do nosso tempo.