Há 30 anos, no ano em que o SAPO foi criado por quatro estudantes da Universidade de Aveiro, a SIC e a TVI eram jovens promessas no mundo da informação em Portugal, a TSF  “ia até ao fim da rua e até ao fim do mundo”, o fax, o telefone e os blocos de notas eram as principais ferramentas dos jornalistas e o ritmo frenético ficava entre a rua e a redação. Há 30 anos, foi também lançada a primeira versão online do Público, e um ano depois do Expresso. Entretanto a Internet tornou-se uma das maiores ferramentas no trabalho jornalístico e os órgãos de comunicação social criaram as suas versões online. 

As notícias deixaram de ser lidas maioritariamente em papel e o que antes eram acontecimentos do dia anterior surge agora como Últimas Horas e Notícias em Atualização a piscar nos nossos ecrãs. Interessa ser o primeiro, mandar notificações e passar as informações necessárias sobre algo que muitas vezes ainda está a acontecer. Multiplicaram-se as fontes, os vídeos, os conteúdos. “Há mais pessoas a ter acesso a informação do que alguma vez aconteceu no mundo”, observa David Dinis, jornalista e diretor-adjunto do semanário Expresso, que adianta que “em muitos casos também gerou uma certa desinformação por haver menos contexto”. Vania Baldi, investigador em Ciências da Comunicação, professor no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e autor do livro O Direito de Não Ser Desinformado, chama cacofonia a esta proliferação de conteúdos digitais.

Se, inicialmente, um maior número de fontes parecia significar mais pluralismo e oportunidades, hoje levantam-se muitas questões sobre a qualidade da informação. As redes sociais mudaram a forma como consumimos notícias, mas não a nossa atração por conteúdos apelativos ou sensacionalistas. Gil Moreira, diretor-geral do SAPO, reforça esta ideia, comparando o fenómeno ao fascínio humano por um acidente à beira da estrada e David Dinis também relativiza lembrando que os “conteúdos mais apelativos sempre foram os mais procurados”.

Desde os tempos dos contadores de histórias ou dos relatos de viagem que houve uma tendência a acrescentar algo para cativar os ouvintes, conta o Vania Baldi. Contudo, explica que há fenómenos mais recentes e que “novelizar as notícias é uma tendência que vem dos Estados Unidos e foi adotada por cá, com o objetivo de tornar o conteúdo o mais extremo possível para captar a atenção de um público mais distraído ou cansado, que pode ser cativado por uma dinâmica mais animada ou dramatúrgica”.

“A desinformação sempre existiu, mas a era digital multiplicou o seu alcance e acelerou a sua disseminação”, Vania Baldi

Além do sensacionalismo, há ainda uma disseminação de fake news. Um estudo do MIT, (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), publicado na revista Science em 2018, mostra que no Twitter as notícias falsas se propagavam 70% mais rápido do que as verdadeiras e atingiam um público muito maior. Política, economia e crises internacionais eram os temas mais partilhados.

Portugal segue esta tendência e, segundo um relatório do Obercom, é em períodos eleitorais que se registam mais notícias falsas. Apesar de haver uma perceção clara de que há desinformação e que é mais acentuada em períodos de eleições, a verificação ativa é pouco frequente. 

Estas notícias falsas contribuem para uma fragmentação da esfera pública e um público mais polarizado, influenciado por algoritmos que reforçam a criação de bolhas informativas. Este efeito de bolha é uma tendência natural, explica o investigador ao SAPO, e resulta do mecanismo de homofilia – a tendência para procurarmos conteúdos e pessoas que reforçam as nossas ideias.

Imagem gerada por IA através do DALL·E

Contudo, os algoritmos das redes sociais amplificam estas ideias, confirmam crenças pré-existentes e dificultam o acesso a outras perspetivas. Há perigos iminentes e claros: “Há uma imensa produção de conteúdos pouco credíveis que circulam para gerar desconforto, descrença nas instituições ou afastamento da política. A desconfiança é a matriz de uma relação muito conflituosa e desrespeitosa das regras comuns, porque afinal tudo é vivido como uma impostura e esta pode até mesmo ser promovida por aqueles que se candidatam a substituí-la.”

Nesta era em que todos têm acesso a um espaço de opinião ou de comentário, "gera-se a ideia de que cada um não só tem direito às suas opiniões, mas também aos seus próprios factos". Não é coincidência que pós-verdade tenha sido considerada a palavra do ano pelo Dicionário Oxford em 2016.

Campanhas eleitorais patrocinadas por algoritmos de desinformação

É mesmo em 2016 que há um ponto de viragem, em que desinformação, propaganda e fake news são abraçadas por algoritmos e se multiplicam nas redes sociais. 2016 é o ano do brexit e da primeira eleição de Trump – idas às urnas fortemente influenciadas pelo escândalo da Cambridge Analytica, em que foram recolhidos indevidamente dados de milhões de utilizadores do Facebook para criar perfis e influenciar o comportamento dos cidadãos nas urnas.

Andy Rain // EPA

Ainda em 2016, as campanhas de desinformação nas redes sociais tiveram impacto em eleições nas Filipinas e no referendo do Acordo de Paz na Colômbia. Entre 2016 e 2017, em Myanmar, o Facebook foi acusado de facilitar a perseguição da minoria rohingya.  Em 2018, Bolsonaro vence as presidenciais no Brasil com o mesmo esquema de comunicação online.

Há ainda influência nas eleições de 2019 na Índia, com recurso a deepfakes (vídeo ou áudio gerado por Inteligência Artificial a imitar uma determinada pessoa a dizer ou fazer algo).

Por cá, não há registo de campanhas de desinformação em massa nas redes sociais ao nível das mencionadas acima, mas existem já algumas narrativas de desinformação, como, por exemplo, a relação entre imigração e violência, detetadas pelo Polígrafo nas eleições europeias do ano passado.

Quem controla a qualidade da informação?

Em resposta ao aumento de desinformação, especialmente depois das eleições norte-americanas, a Meta (empresa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp) criou, no final de 2016, um sistema de verificação de factos. No início de 2025, Mark Zuckerberg anunciou o fim do programa com a justificação da necessidade de promover a liberdade de expressão, mas criou algumas medidas alternativas como as Notas de Comunidade, inspirado no modelo do X (antigo Twitter), no qual os utilizadores adicionam comentários de contexto às publicações. Este modelo levanta algumas questões por estar dependente apenas dos utilizadores e a Federação Internacional de Jornalistas considera que o mesmo abre a porta à "desinformação generalizada" e ao "discurso de ódio".

Ritchie B. Tongo // EPA

A União Europeia está a seguir outro caminho, com regulamentação mais rigorosa para estas plataformas. A Lei dos Serviços Digitais entrou em vigor a 17 de fevereiro de 2024, com o objetivo de tornar o ambiente online mais seguro e transparente. Esta legislação obriga as plataformas a remover conteúdos ilegais, incluindo discurso de ódio e incitação à violência; a identificar bots, investigar campanhas de manipulação e promover conteúdos de fontes fiáveis – as empresas que não cumprirem estas leis podem ser multadas em até 6% do seu volume de negócios global. Numa fase extrema, a UE pode considerar medidas mais drásticas como o bloqueio de serviços.

Estas medidas “reforçam a ideia de que as plataformas digitais desempenham um papel político importante”, refere Baldi. Como, a partir de agora, as redes têm de se comportar de forma diferente na UE e nos EUA, com conteúdo a ter de ser bloqueado num lado e noutro a disseminar-se sem filtros, para o investigador “estas legislações podem tornar os cidadãos europeus menos ingénuos, menos reféns do discurso de ódio, menos incivilizados e menos adolescentes em comparação com os cidadãos norte-americanos, onde a linguagem abusiva e a intimidação são elogiados como liberdade de expressão”.

Encontrar a verdade: sair do movimento do scroll e parar nos jornais

David Dinis sabe que “pode haver várias verdades consoante quem as ouça, mas se os factos estiverem lá, quem quiser encontra a verdade”. Focado em distinguir jornalismo de redes e factos de opiniões – “são um sítio de conversação, como um café, um táxi ou as nossas casas e como tal não têm o objetivo de informar” –, reforça a importância do trabalho dos jornalistas em dar factos e contexto e fazer trabalho de investigação pautado pelas normas deontológicas da profissão. O investigador do ISCTE concorda e vai mais longe e acredita que há demasiado tempo de antena e espaço gasto com comentário e opiniões.

“É importante fazer uma distinção do que é informação, opinião ou mexerico”, Vania Baldi

O autor de O Direito de Não Ser Desinformado realça a necessidade da presença dos media nas redes como uma das soluções para as pessoas estarem informadas, mas a ideia é chegar aos leitores e encaminhá-los para artigos de fundo e com contexto, contrariando a tendência do aumento de consumo de notícias através de vídeos curtos, como o TikTok ou Reels.

É muitas vezes num mundo de scroll, em que se misturam factos com frivolidades, que os portugueses têm acesso às notícias. O relatório do OberCom mostra que “em Portugal, mais de 8 em cada 10 acessos a notícias online são feitos de forma indireta. Apenas 16% ocorrem através da visita direta ao website das marcas de notícias”.

créditos: Ritchie B. Tongo // EPA

Para David Dinis, “é evidente que o jornalismo não pode ser indiferente ao que se passa nas redes sociais, isso era o mesmo que dizer que os órgãos de comunicação social tinham de ser indiferentes à realidade”. Afinal, “as redes sociais também refletem a realidade”, completa. O autor de O Direito de Não Ser Desinformado realça a necessidade da presença dos media nas redes como uma das soluções para as pessoas estarem informadas, mas a ideia é chegar aos leitores e encaminhá-los para artigos de fundo e com contexto – “Os jornais devem mostrar que as redes não são o espaço para as pessoas estarem informadas e tentar tirá-las das redes e da linguagem das redes. Pode haver tentativa de informar em poucos segundos: uma coisa é dizer que há um acidente na ponte, outra é explicar por que razões o Acordo de Paz na Ucrânia não está a ser simples.”

São os meios de comunicação social que conseguem dar uma perspetiva mais generalista e criar contexto. Hoje, talvez mais do que nunca, são necessários. Baldi realça que as bolhas e a segmentação não acontecem apenas no mundo digital: “No mundo offline, deixámos de ter espaços de confronto dialético. Esta segmentação é mais forte offline do que online”. Os media aparecem precisamente a mediar os diferentes contextos e perspetivas.

Para Gil Moreira, os órgãos de comunicação social têm “importância crescente num mundo que se parece extremar” e no qual podem ser quem indica o senso comum e “um farol para quem procura o equilíbrio”.

Nos dias que correm, encontrar a verdade parece um grande desafio e a literacia digital é urgente e para todos: cidadãos e jornalistas. Já há grupos de trabalho em escolas e em jornais locais a dar formação – “os jornalistas não aprendem de um dia para o outro a lidar com um deepfake ou com sistemas de IA generativa”, explica Vania Baldi.

Inteligência Artificial ao serviço do jornalismo

Se as redes sociais alteraram a forma como produzimos informação, a Inteligência Artificial (IA) poderá voltar a redefini-la. Esta tecnologiapode ser extraordinária se decidirmos que serve para aumentar a qualidade e libertar o jornalista para sair da redação e explorar factos, documentar algo que ninguém documenta porque finalmente há tempo”, analisa o professor do ISCTE e também autor do livro Otimizados e Desencontrados — Ética e crítica na era da inconsciência artificial, mas relembra que “é graças ao espírito crítico, ao raciocínio, a pôr hipóteses e dúvidas que a humanidade chegou até aqui”.

Há um consenso de que a IA não vai substituir jornalistas, mas que os jornalistas vão ter de se adaptar. A consultora KPMG fez uma projeção que aponta que 43% das tarefas realizadas por autores, escritores e tradutores poderiam ser automatizadas por IA. Também Gil Moreira entende a IA “como um acelerador das capacidades humanas e não como um substituto, uma forma de o jornalista conseguir melhorar a sua eficácia e a sua produtividade, por conseguir fazer coisas que demorariam muito mais tempo ou seriam impossíveis”. Consciente dos perigos e da insegurança que a IA pode trazer ao trabalho jornalístico, para o diretor-geral do SAPO, “o foco fica no jornalista, no seu crivo e espírito crítico, na importância que tem em garantir a qualidade e fiabilidade da informação”.

Entretanto, segundo outro relatório do Obercom, o grupo Newsquest Media, um dos maiores grupos de imprensa regional do Reino Unido, criou o cargo de repórter assistido por IA, um jornalista que introduz dados e informação fidedigna e usa a IA para escrever uma notícia; depois de gerado o texto, é o repórter que revê e edita o artigo antes da publicação. A ideia é otimizar recursos em redações cada vez mais reduzidas e idealmente libertar os jornalistas para reportagens mais complexas.

Há cerca de dois anos, Gil Moreira começou a defender junto da equipa editorial a adoção de inteligência artificial na redação. Apesar do uso regular de ferramentas de transcrição e outros softwares de apoio, a IA generativa ainda gerava desconfiança. Para facilitar o processo, a equipa técnica colaborou com a redação.

Nesta reportagem, o Chat GPT foi usado para revisão de texto, para analisar dados e relatórios; o Perplexity foi usado para encontrar fontes jornalísticas e estudos científicos. As entrevistas em áudio foram transcritas pelo Happy Scribe; há ainda uma ilustração principal criada pelo Ideogram e outra pelo DALL E. Todos os dados foram revistos e confirmados pela jornalista que assina este artigo e o texto foi revisto por uma colega da redação.

O resultado foi a criação de projetos inovadores, como a análise dos programas eleitorais para as legislativas de 2024 em formato de caricatura, os PolAItólogos, e um especial de previsões para o Campeonato Europeu de Futebol.

Há inúmeras ferramentas que podem ser usadas para facilitar o trabalho ao jornalista. David Dinis, do Expresso, também explica que a IA é usada também no semanário “como ferramenta de apoio e sempre identificada”. “Pode ser uma aliada no sentido de nos ajudar a fazer as coisas de uma forma mais eficiente, a entregar soluções aos leitores que de outra forma não seria possível”, reflete. A IA é hoje usada nos principais órgãos de comunicação e agências internacionais.

O preço a pagar por notícias de qualidade

A verdade é que enquanto a tecnologia avança e o trabalho jornalístico ganha outras formas, as condições da profissão têm vindo a degradar-se ao mesmo tempo que aumenta a pressão para responder à concorrência e trabalhar cada vez mais e mais rápido. Fala-se mesmo na uberização do jornalismo, pela precariedade a que se assiste. Sem recursos suficientes e numa área onde há reais problemas financeiros, há mais probabilidade de tropeçar na desinformação.

Há muito que é debatida, tanto por cá como por todo o mundo, a questão do financiamento das redações. Uma grande parte dos portugueses (43%) não está disposta a pagar para ler notícias. David Dinis relativiza a questão, afinal “sempre houve muitas pessoas que preferiam não pagar para ler” e desenvolve: “Mesmo nos tempos áureos das edições impressas, seja do Expresso, do Público, Diário de Notícias, havia muita gente que não queria pagar para ler. Faz parte das regras do jogo e assim continuará a ser. Cabe-nos dar argumentos aos leitores para que eles paguem pela informação.”

Imagem gerada por IA através de Ideogram

O crescente desinvestimento em jornalismo é real – “boa parte das receitas que pertenciam aos jornais em publicidade, e que fazem parte da maior fatia de rendimentos, estão a ser desviadas para as redes sociais”, conta o jornalista do Expresso.

Para evitar a concorrência direta com as redes sociais e a tentação de adaptar o jornalismo a estes formatos, Vania Baldi defende apoios do Estado, tanto na literacia digital como no financiamento direto para aliviar a pressão dos órgãos de comunicação “na procura de audiência, custe o que custar”.

Lançado pelo governo em outubro do ano passado, o Plano de Ação para a Comunicação Social inclui, entre outras medidas, incentivos ao setor (como bonificações em assinaturas digitais e apoio à distribuição em áreas de baixa densidade) e o combate à desinformação e promoção da literacia mediática, com o #PortugalMediaLab. Esta estratégia de apoio direto ou indireto aos media tem exemplos e diferentes formatos em vários países europeus.

A exigência no digital para a cidadania no mundo real

Estarmos atentos ao mundo que nos rodeia e ao mundo digital que consumimos é urgente e necessário. Há um debate, sobretudo político, sobre quem fica com o controlo da informação e das plataformas digitais: serão estas gigantes empresas tecnológicas ou os Estados têm uma palavra a dizer?

Do lado dos jornalistas, é necessário continuar a trabalhar diariamente para entregar informação isenta e factos, sem que a tentação de copiar os modelos das redes sociais comprometa a qualidade da informação. Do lado dos cidadãos, é urgente desenvolver o pensamento crítico, saber verificar fontes, consultar os meios de comunicação oficiais e ​apenas partilhar algo que se sabe ser real. Na dúvida, enviar o tema para o Polígrafo, o verificador de factos nacional.

Numa era em que a verdade se fragmenta e escapa entre feeds, notificações e algoritmos é urgente distinguir a realidade no meio do ruído e exigir um jornalismo forte e independente, que seja capaz de continuar a sustentar as democracias em que vivemos.

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