“Quando se coloca a brincadeira no centro da educação, o desejo de aprender de cada criança é estimulado”, pode ler-se numa parede assim que se entra na ISB – International School of Billund. Fundada em 2013, com o apoio da LEGO Foundation, esta escola procura combinar um currículo académico sólido com a metodologia “Learning Through Play” (“aprender através do brincar”, em português) que estimula a criatividade e o pensamento crítico.
Neste espaço, o aluno é o protagonista da sua própria aprendizagem. Apesar de também transmitirem conteúdo teórico, os professores atuam sobretudo como guias, incentivando os alunos a fazerem perguntas, a explorarem as suas curiosidades e a arranjarem soluções criativas para os problemas propostos. Paralelamente, a ISB acredita que o bem-estar emocional é tão importante quanto o sucesso académico, pelo que muitas das atividades projetadas procuram desenvolver habilidades como a empatia, o espírito de equipa, a resiliência e autoconfiança dos alunos.
Toda a infraestrutura da escola, que será brevemente ampliada devido à grande procura, é pensada de modo a possibilitar a flexibilidade e adaptabilidade do espaço. Em vez de salas de aula isoladas, estas são modulares, adaptáveis às necessidades de cada atividade e interligadas entre si através de um ambiente comum. Esta configuração, mais ampla, incentiva os alunos a moverem-se livremente pelo espaço e estimula o convívio entre pares.
Cada canto e recanto da escola é cuidadosamente pensado para desenvolver a aprendizagem através de brincadeiras e atividades práticas. Estantes de livros, estações de LEGO e outros materiais didáticos estão estrategicamente espalhados pelo espaço, sempre acessíveis, para que cada criança possa explorar e aprender de forma autónoma e criativa. Vive-se uma atmosfera tranquila e acolhedora – não se ouvem gritos, as crianças andam descalças, com livros ou blocos de legos nas mãos, completamente imersas nas suas descobertas.
Tratando-se de uma escola internacional, com foco no programa do International Baccalaureate (IB), a ISB oferece um ambiente educacional multicultural com uma comunidade estudantil muito diversificada. Para alunos que frequentam a primária a escola segue o IB Primary Years Programme (PYP), promotor da aprendizagem por meio da investigação e do desenvolvimento de habilidades de pensamento crítico. Nos anos seguintes, os alunos transitam para o Cambridge International Curriculum, um sistema amplamente reconhecido, que os prepara para qualificações internacionais de alto nível. Atualmente, a instituição é frequentada por 450 alunos, dos três aos dezasseis anos, sendo que um quarto são dinamarqueses e os restantes provenientes de 50 países ao redor do mundo. Cada turma tem entre 16 e 20 crianças e é acompanhada por dois professores, uma realidade bem distante do ensino português, onde as turmas são cada vez mais numerosas e a falta de professores é um desafio crescente.
Como é que esta metodologia está a ser aplicada em Portugal?
A metodologia "aprender através do brincar" é uma abordagem pedagógica promovida globalmente pela LEGO Foundation. Testada e comprovada em diversos países, esta visão parte do princípio de que as crianças têm uma aptidão natural para brincar e, ao fazê-lo, criam condições ideais para uma aprendizagem espontânea e eficaz. Através da brincadeira, elas desenvolvem habilidades essenciais e consolidam conhecimentos de forma natural, num ambiente que alimenta a curiosidade e o prazer de aprender.
Existem, no entanto, várias barreiras que condicionam a implementação desta metodologia, sobretudo em sistemas de ensino tradicionais e resistentes à mudança. Para Patrícia Castanheira, investigadora da LEGO Foundation e especialista em formação de professores, o grande obstáculo passa pela própria formação a que os professores são sujeitos enquanto alunos: “Os professores são formados tradicionalmente para serem transmissores de conteúdos e não tanto facilitadores de aprendizagens. A Fundação Lego não vê as crianças como recetáculos passivos, mas sim como construtoras do seu conhecimento. Quando os professores são formados sendo recetáculos passivos e não através de metodologias ativas, torna-se mais desafiante conseguirem implementar estas práticas, pois eles próprios não tiveram essas experiências enquanto alunos e futuros profissionais”, explica.
A Fundação atua com um foco especial nas regiões onde pode ter maior impacto no desenvolvimento da educação infantil e em contextos em que o acesso à educação de qualidade é limitado, pelo que uma parceria em Portugal não pareceu, numa primeira instância, uma opção evidente.
A verdade é que dados disponibilizados pela Pordata, referentes a 2023, revelam que 40,6% da população portuguesa, entre 15 e 64 anos (que abrange a maior parte da população ativa), tem apenas o ensino básico. Um inquérito desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estatística indica que mais de 20% da população portuguesa se encontra em risco de pobreza ou exclusão social e, segundo a OCDE, 55% das crianças em Portugal, sobretudo as mais desfavorecidas, ficam no mesmo nível de educação dos pais.
Foram estes os dados, apresentados à LEGO Foundation por Inês Oom de Sousa, presidente da Fundação Santander Portugal, que levaram ao estabelecimento de uma parceria entre as organizações e à criação do prémio “Quem Brinca É Quem É”, com o objetivo de distinguir projetos portugueses focados no método de aprendizagem "Learning Through Play" dirigidos a alunos do 1.º e 2.º ciclos. A iniciativa, promovida em colaboração com a DGE e a Rede de Bibliotecas Escolares, contou com mais de 400 candidaturas e premiou dez escolas públicas e um município.
Os vencedores receberam um prémio no valor de 5.000 euros, formação na metodologia “Aprender Através do Brincar” promovida pela LEGO Foundation, um kit ou uma mesa de reuniões LEGO bem como uma viagem a Billund para visitar a ISB e a LEGO House.
“A criação deste concurso reforçou ainda mais a minha convicção de que os professores são uns verdadeiros heróis”, revela ao SAPO Inês Oom de Sousa. “Mesmo com muita falta de recursos e com um ensino muito tradicional, a criatividade dos docentes para contornar essas adversidades é completamente fascinante. Fiquei muito impressionada com a qualidade dos projetos que se candidataram”, confessa.
Um dos projetos em questão é a “Eira da Brincadeira” desenvolvido e implementado pela Câmara Municipal da Pampilhosa da Serra, o único município premiado a par de outras escolas. Trata-se de um novo modelo local de AEC – Atividades de Enriquecimento Curricular que visa envolver os alunos numa assembleia semanal, onde democraticamente elegem um presidente, secretários e as atividades que querem desenvolver durante a semana. Cada semana termina com uma Assembleia de Reflexão, onde é feito o balanço semanal e se debatem os aspetos positivos e negativos. Todas as assembleias são registadas num livro de atas para efetivar as vontades e as consequências das decisões coletivas tomadas pelas crianças e jovens.
“A nossa preocupação não é trabalhar currículo, apesar de várias competências teóricas serem desenvolvidas de forma inerente, nomeadamente aquando da redação das atas”, declara ao SAPO, Alexandra Tomé, vice-presidente da Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra. “O nosso objetivo é desenvolver a cidadania participativa das nossas crianças, algo que se torna mais palpável durante a Assembleia de Reflexão onde elas têm a oportunidade de serem mais críticas em relação à tomada de decisões. O que acontece várias vezes, e que é muito bonito de ver, são as lições de cidadania e democracia que os mais novos dão aos mais velhos, nomeadamente quando uma criança assume que gostava muito de ser presidente numa determinada semana, mas não se vai candidatar porque se portou mal”, esclarece.
Para além da “Eira da Brincadeira”, a lista de vencedores integrou outros projetos provenientes de escolas públicas nomeadamente: o “Escape Room Play & Learn” do Agrupamento de Escolas de Cister, em Alcobaça, que procura desafiar os alunos a trabalhar em equipa para desvendar enigmas, decifrar códigos e superar obstáculos; e o “Clube do Poupas”, do Agrupamento de Escolas de Figueira de Castelo Rodrigo, que visa promover a educação financeira de forma lúdica através de atividades interativas como simulações financeiras da vida real e gestão de orçamentos.
Face ao sucesso do concurso “Quem Brinca É Quem É”, – e sendo a educação um dos pilares da Fundação Santander Portugal – Inês Oom de Sousa confessa que a ambição da organização passa por mudar o sistema de ensino português: “Nós temos consciência de que a mudança tem de acontecer de cima para baixo, e nesse sentido estamos em conversações com vários agentes de decisão, nomeadamente Ministério da Educação, vereadores, diretores de agrupamentos, professores… essas conversas estão a acontecer”, afirma. Neste sentido, um dos objetivos principais da Fundação é estabelecer uma rede de escolas onde sejam partilhadas as melhores práticas e projetos desenvolvidos com base na metodologia “Aprender Através do Brincar”, fomentando uma maior cooperação educativa.
O SAPO esteve em Billund a convite da Fundação Santander Portugal.