"A nova direção compromete-se a trabalhar, de forma aberta e colaborativa, com o objetivo de reforçar a importância e impacto das fundações na sociedade portuguesa", vincou, na tomada de posse, a 18 de dezembro. Agora, mês e meio após ter assumido o cargo de presidente do Centro Português de Fundações, José Nunes Liberato fala ao SAPO sobre o setor e as suas prioridades para o mandato.

José Nunes Liberato não é um estreante nestas andanças, tem prosseguido um importante trabalho desde que, em 2016, assumiu a assessoria da Fundação Champalimaud. Mas este é um novo desafio.

É um desafio muito interessante. Eu estou na Fundação Champalimaud já há uns anos e já colaborava com o Centro Português de Fundações (CPF) em várias coisas, em nome da Fundação Champalimaud, portanto, quando a Maria do Céu teve de sair para outras coisas, lembraram-se de mim para fazer esta função, e faço-o com imenso gosto.

Qual é a maior diferença entre estar integrado numa fundação ou liderar um núcleo de fundações de dimensões e propósito tão distintos entre si? Porque continua a representar a Champalimaud, mas não pode, como se diz, "puxar a brasa à sua sardinha"...

Não, não, isso não vale. Mas é muito interessante ter outra outra visão sobre as coisas. Eu atribuo — e disse isso mesmo no meu discurso de posse — atribui muita importância ao que acontece fora de Lisboa. Quero conhecer melhor e procurar dar respostas a essas realidades, porque realmente existe esta circunstância de Lisboa, tendo uma presença muito maior e muito mais forte, acabar por dominar. Tende-se a pensar menos nas organizações que estão fora de Lisboa. Por isso, a minha primeira sessão pública, que aconteceu há um par de semanas, foi no Porto; fi-lo exatamente para sinalizar isso. Também enquanto presidente do grupo de trabalho que liderei aqui, até há pouco tempo, já procurei fazer várias coisas no Porto. O país é como é e nós temos de procurar dar as respostas adequadas a cada sítio.

Mas qual é a maior dificuldade quando se olha para todas as fundações do país? É uma questão mais de dentro, de como  as fundações podem maximizar o seu impacto, ou é um tema perceção, de imagem?

O maior problema é a diferenciação entre elas. Nós temos fundações que têm milhares de funcionários e outras que funcionam com dois ou três, temos realidades com orçamentos completamente diferentes... E estamos aqui a somar realidades que são muito, muito diferentes. O que nos cabe é procurar aproveitar de cada lado o que há de melhor, sendo certo que há aqui um ponto que temos de valorizar muito: o impacto que as fundações têm na sociedade portuguesa.

Sente que há alguma incompreensão a esse nível, um preconceito ou falta de noção do que fazem?

Não sei se há preconceito, mas havendo não é propriamente fundado. Certo é que há um relativo desconhecimento em relação ao trabalho que é feito. As fundações têm um impacto muito positivo de resolução de problemas — problemas de saúde, problemas de educação, problemas sociais... E é preciso fazer algo para que se comece a valorizar o muito que se faz. Porque muitas vezes não se percebe a própria natureza da fundação: trata-se de uma organização instituída por um fundador, ou por vários, destinada exatamente a servir a sociedade.

No fundo é um privado que toma em mãos uma missão social.

Sim, uma missão social, de saúde, de educação, de cultura, de investigação... E há imensos trabalhos realizados pelas fundações que têm um impacto extremamente positivo na vida dos portugueses. Nós queremos valorizar essencialmente esse trabalho positivo que é realizado.

E a legislação que existe para as fundações é a adequada para potenciar esse trabalho?

Para mim, uma coisa é certa — e isso decorre também da minha experiência pessoal: o que é preciso resolver são os problemas reais e não mudar a lei. Evidentemente, se analisar os vários artigos da legislação, há sempre coisas a melhorar, mas o quadro legislativo estável é um bem precioso em todos os campos. A lei deve ser alterada quando há alguma coisa muito grave, portanto, não é minha prioridade fazer alterações legislativas. A prioridade é dar maior atenção às fundações fora de Lisboa e procurar pôr as fundações a cooperar entre si, nomeadamente as de dimensão muito diferente.

A cooperar para que ganhem escala?

Também, mas atenção, há fundações que se calhar não querem ter escala e nem haveria vantagem nisso. Uma fundação que responde a um problema localizado numa freguesia, em qualquer parte do país, tem a dimensão que quer ter. Agora, há maneiras de pôr em diálogo as várias fundações. E depois, ligado também a este aspeto importante de divulgar o que é feito, há toda a questão da presença nas instituições do país, que é um objetivo que vamos também prosseguir. O Centro Português de Fundações já está representado em várias organizações, nomeadamente de Estado, mas vai prosseguir essa senda para melhorar a presença, porque temos coisas a dar. E, tendo-as, devemos ser reconhecidos pelo trabalho executado. Penso que o essencial é realmente provar o trabalho realizado e ser reconhecido por isso. Esse é um ponto a que as fundações têm de ter muita atenção. Em geral, as instituições em si são bem reconhecidas, mas nem sempre se avalia o trabalho concreto que é realizado.

O setor filantrópico em Portugal é aquele de que o país precisa ou a seria bom incentivar mais movimentos deste género?

As constituições de fundações, no sentido geral, tiveram todas um impacto positivo na sociedade portuguesa. Elas resultam de decisões de grande solidariedade tomadas pelos fundadores e que impactaram de forma muito positiva toda a vida portuguesa. Portanto, é de estimular que isso aconteça. Em Portugal, a intensidade dessas ocorrências não é tão grande como nos Estados Unidos ou noutros países, nomeadamente nos anglo-saxónicos que têm muito essa tradição, e só beneficiaria o país haver mais iniciativas deste género.

Mas os portugueses são um povo inclinado para a filantropia e para o voluntariado?

No campo social, há imensas fundações que têm trabalho de voluntariado e que agregam um trabalho de voluntariado muito significativo. Há outras que têm uma atividade mais científica, como a Champalimaud, focadas no tratamento de doenças. Há vocações diferentes. Há quem faça trabalhos extraordinários no âmbito da cultura ou até de estudo de realidades sociológicas, de realidades políticas, científicas. O trabalho das fundações em geral cobre imensos domínios da sociedade, do país, e todas essas atividades são evidentemente de estimular. O CPF tem responsabilidades no diálogo com o Estado, no fundo de valorizar o método que foi adotado por estas fundações associadas e tem também os contactos com a União Europeia, que não são pequenos — nomeadamente com as organizações europeias congéneres de outros países, de onde se retiram sempre conclusões interessantes. Até porque, nalguns dos países europeus e nos Estados Unidos, há fundações de uma dimensão enorme. A dinamização de tudo isto só pode significar progresso e melhores condições de trabalho para as fundações.

Com quem é que o CPF já se sentar à mesa?

O Centro Português de Fundações relaciona-se com os órgãos de soberania, nomeadamente com o Presidente da República, e a Assembleia, os grupos parlamentares; o governo tem um pelouro que está atribuído na Presidência do Conselho de Ministros e com o qual também lidamos, e há um diálogo de espetro muito largo. O tema é que o conjunto das fundações em Portugal exerce tal maneira um peso interessante que, ao nível dos órgãos de soberania, deve ser tratado igualmente. O trabalho que fazemos, os serviços que prestamos ao país são tal maneira relevantes que estou confiante neste diálogo — que é muito relevante para nós, mas também o será para os órgãos do Estado, que têm fundações a fazer trabalhos muito úteis para os próprios órgãos do Estado.

Até porque em várias áreas as fundações são o maior ator ou até chegam a substituir-se ao Estado a garantir serviços que beneficiam o país todo.

Há sem dúvida um efeito, substituindo funções do Estado ou acrescentando-lhes, fazendo coisas que o Estado não faria. No domínio da investigação isso é bem claro. Porque o Estado tem outras prioridades. Trata-se também de privilegiar um campo que o fundador deu indicação de que gostava de ver ampliado, e no lugar de distribuir, por exemplo, recursos financeiros a herdeiros, prefere consagrar uma parte à criação de uma instituição. Portanto, é seguramente uma atividade que o Estado tem de reconhecer.

Como é que se cuida da sustentabilidade de uma fundação, para manter viva a vontade do fundador e prolongar o seu legado?

Não há um paradigma absoluto, mas em geral a fundação constitui um conselho de curadores que tem a responsabilidade de assegurar que o dinheiro está a ser utilizado nos fins desejados pelo doador. Esse conselho zela ao longo do tempo pela boa aplicação dos dinheiros do ponto de vista da vontade do fundador. Depois, constitui-se um conselho de administração que procura gerir os recursos e fazer os investimentos necessários e a própria fundação vai-se desenvolvendo, encontrando novos caminhos e procurando dar respostas que simultaneamente correspondam ao que queria o doador e às exigências da sociedade. Porque há uma evolução no tempo: uma fundação criada há 50 anos tem de se adaptar à realidade, tem de se reinterpretar à luz da atualidade. O que é que coloca onde, como deve usar os recursos... E depois a ideia é projetar no futuro, procurar deixar o pecúlio deixado pelo fundador tão intacto quanto possível, de forma a permitir a evolução das coisas e que a operação seja tão equilibrada quanto possível. Esse é o segredo da boa aplicação dos recursos. Mas temos situações radicalmente distintas: em Portugal, existem mais de 600 fundações e cerca de 150 participam no Centro Português de Fundações, tendo características muito diferentes, por isso é muito difícil ter paradigmas de evolução das próprias fundações.

Já disse que queria privilegiar a uma certa descentralização da atenção dada às fundações, mas o tamanho também conta para a sua gestão? Há necessidade de projetar o trabalho menos visível?

Sim, sem dúvida. As grandes fundações não precisam, digamos, de grande atenção da parte do CPF. Mas tem outro tema muito relevante: o relacionamento com o Estado. É uma questão que está particularmente atribuída ao Centro Português de Fundações e que teremos de gerir com todo o cuidado. Vamos ter contactos com várias entidades ao nível do Estado e dar atenção às pequenas. É evidente que também há aqui uma questão de boa convivência, de reconhecimento pelo trabalho que eles fazem e que é menos conhecido. Por exemplo, uma fundação que exerça uma atividade social numa pequena freguesia ou que só tem atividade num concelho, não tem notoriedade nacional nenhuma, mas faz um trabalho meritório e, fazendo-o, o Estado não tem necessidade de o estar a fazer.

Quais são as grandes transformações que quer fazer, os objetivos atingidos no seu mandato?

Eu gostava de ver o CPF e as fundações em geral a serem mais bem tratados ao nível do aparelho de Estado. E, portanto, com maior participação na definição de opções que são feitas no país.

Por exemplo.

No domínio social, por exemplo, há uma miríade de organismos de caráter social, onde nós devíamos ter presença e vamos procurar que isso aconteça. Coisas que se relacionam com a segurança social, com o terceiro setor em geral. Acho que merecemos, por um lado, e que podemos dar um contributo. Se realmente houvesse uma presença das fundações ao nível de todo o país, também me parece que era um bom resultado. E no essencial ter um maior contacto, uma maior cooperação entre as fundações. Embora nos defrontemos com o tal problema de de serem muito diferentes, o que dificulta a missão de encontrar temas comuns para resolver... Mas é uma questão de imaginação.

O Prémio Fundações, criado há um ano pelo CPF, também trabalha essa cooperação, aliás, ao distinguir projetos que juntem Arte e Ciência ou Cidadania e Solidariedade.

Sim, foi uma contribuição que demos e em cuja conceção eu estive bastante envolvido. Foi um movimento de fundações em conjunto, das maiores, evidentemente, porque estavam em causa contribuições financeiras e uma pequena fundação não tem agilidade ou capacidade para contribuir para uma questão que está um bocadinho fora da sua atividade principal. Mas foi um bom exemplo, que permitiu unir mais de uma dezena de fundações.

E é então uma iniciativa que irá ter continuidade.

Sim. Decidimos que o Prémio Fundações vai terá lugar de dois em dois anos, porque a organização de tudo isto implica um trabalho burocrático significativo de recolher as propostas, tomar decisões, olhar para cada candidatura. Nesta primeira edição, tivemos a colaboração de um júri muito interessante, presidido pelo Doutor Laborinho Lúcio. Mas acho que um ciclo mais largo contribui para que a projeção seja melhor.