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E se os miúdos de contextos sócio-económicos mais desafiantes gostassem de aprender, de ir à escola? E se os professores que os ensinam sentissem que estavam a pôr o elevador social a funcionar, fossem apaixonados e pudessem preocupar-se menos com o cumprimento de currículos e tarefas administrativas e mais com a progressão e o futuro dessas crianças? Que resultados teríamos, para eles e para toda a sociedade? Uma taxa de chumbos reduzida em 21% é um bom indicador de como a estratégia pode funcionar. É o efeito que a Teach for Portugal tem para mostrar, ao fim de cinco anos a impactar alunos de contextos desfavorecidos no país.
Com uma rede de mentores a trabalhar em estreita colaboração com professores, diretores de escola e autarquias, mas sobretudo a mostrar aos miúdos que eles contam e têm poder sobre o seu futuro, a sentir-se acolhidos nas comunidades escolares e a aprender aquilo que mais conta para o seu desenvolvimento, a Teach está a fazer a diferença em cada sala de aula em que está presente.
O objetivo da Teach for All, que já se espalha por mais de 60 países, é contribuir para resolver um problema social muito real: as crianças que também vêm de meios mais favorecidos têm muito menos oportunidades na vida. "O que se passa na infância não fica na infância": uma criança pobre tem uma probabilidade três vezes maior de ser pobre em adulto, adianta o livro Estudos sobre a pobreza e a exclusão em Portugal: homenagem a Alfredo Bruto da Costa, cujas conclusões foram relatadas pelo Expresso. E é precisamente essa condição que o Teach for Portugal quer quebrar. "Nós queremos pôr a educação a servir de motor à mobilidade social de todas estas crianças", diz, em entrevista ao SAPO, Ines Oom de Sousa, que está na direção na Teach. Nesta máquina transformadora que pretende quebrar o ciclo de pobreza, "os miúdos ficam de facto motivados a aprender", para poderem alcançar um futuro melhor e oportunidades diferentes na sua vida. "E a redução das negativas é uma métrica que diz muito".
"Mais do que ter crianças a decorar as matérias, é fundamental dar-lhes ferramentas para conviver, colaborar, comunicar umas com as outras. E esta, para mim, é uma das coisas mais importantes que os mentores da Teach for Portugal conseguem. É um exemplo de fazer o bem, bem feito", resume, em entrevista ao SAPO, a também presidente da Fundação Santander, que é parceira.
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Gosto por aprender e paixão por ensinar
A missão principal é desenvolver as competências sócio-emocionais das crianças. "Está mais do que provado, e aliás os últimos resultados do PISA comprovam-no, que crianças que tenham competências sócio-emocionais e gosto por aprender vão ter mais resultados. E os professores que têm motivação e paixão também vão cativar muito mais os alunos. Os professores têm um papel fundamental na escola e a Teach ajuda-os a terem uma sala de aula muito mais motivada, muito mais comprometida com a própria escola", resume Inês.
A educação, sobretudo no seu papel de elevador social, tem sido uma das causas mais acarinhadas pela presidente da Fundação Santander, nomeadamente em iniciativas como o prémio Quem Brinca É Quem É, uma das pontes para "mudar o sistema educativo para trazer à educação as competências do futuro — comunicação, capacidade de resolver problemas e criatividade" —, criando uma rede de escolas que promovam uma nova maneira de aprender e de ensinar. E o esforço da Teach, a que não hesitou em juntar-se ativamente, segue uma rota semelhante. E já produz resultados, cinco anos após a organização Teach for All ter chegado a Portugal: "Nas escolas em que atuamos conseguimos reduzir as negativas em 21%, o que é brutal."
Mas afinal o que faz a Teach for Portugal? Em concreto, traz ação às escolas, colocando um mentor, durante dois anos, a acompanhar várias turmas, trabalhando com as crianças e com os professores, para que aproveitem o seu máximo potencial e assim tenham uma melhor oportunidade de futuro, ajudando-os a desenvolver aquilo que são as competências fundamentais: criatividade, capacidade de resolver problemas, colaboração. "O papel dos mentores é fundamental não só na integração mas no acolhimento a todas as crianças, sobretudo nestes meios mais desfavorecidos, e no apoio aos professores", explica Inês Oom de Sousa, antes de contar a sua própria experiência imersiva.
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Uma aula sobre ODS em que as crianças ditaram o rumo
"Eu fui assistir a várias aulas e rapidamente quis fazer parte daquilo, quis fazer parte da dinâmica. E fui dar uma aula sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a uma turma mais complicada: era muito difícil as crianças estarem sentadas, com atenção a um assunto de que não queriam saber. E, de repente, o mentor da Teach levanta o braço, todos os alunos levantam o braço (até eu, nem sei bem porquê!) e ficaram todos em silêncio e a ouvir. Parecia magia", entusiasma-se.
Claro que Inês não se limitou a pegar no tema e despejar informação em cima dos miúdos. Levou bocados de cartão e incentivou-os a montar os seus próprios cubos de ODS, cada aluno escolheu um objetivo, brincaram com os cubos antes de ouvir sobre os 17 temas e no fim todos votaram no cubo que consideravam mais importante para fazer um mundo melhor. "Foi espetacular", recorda, explicando que, mais do que estar num contexto mais desfavorecido, consciente da diferença que podia fazer, foi poder implementar a metodologia de aprender a brincar (um conceito que descobriu na Fundação Lego e que está empenhada em concretizar também em Portugal).
"Eles montaram os seus cubos à mão, falaram cada um sobre o seu ODS e os mais votados foram aqueles que mais lhes diziam: acabar com a fome, um problema que sentem muito; acabar com a violência, sobretudo nas escolas; e a proteção dos oceanos." No fim, foram puxados a falar livremente, a dar as suas ideias para resolver os problemas que consideraram os mais sérios. "No final da aula, todos quiseram levar o seu cubo para casa. E tenho a certeza de que eles saíram dali a saber tudo sobre aqueles 17 objetivos."
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Melhorar o futuro
Noutra escola, provavelmente as escolhas seriam diferentes. Porque a Teach não tenta moldar vontades, mas simplesmente ajudar os mais novos a abrir os olhos para a possibilidade de serem mais, não estarem condenados a uma vida menor pelo contexto sócio-económico em que nasceram. E de facto o impacto é visível.
A atuar entre o 5.º e o 9.º ano, a Teach for Portugal já chega a 15% das escolas em meios mais desfavorecidos, tendo em cinco anos conseguido impactar 30 mil alunos. Os mentores são pessoas de todo o tipo de perfis e idades, de jovens a arquitetos ou engenheiros que querem ter um impacto na sociedade e dedicam dois anos da sua vida a 100% a resolver ou contribuir para resolver este problema social. "Ficam totalmente dedicados àquela experiência, em full time, durante os dois anos. O que é possível graças aos nossos parceiros, que contribuem para que estas pessoas possam ter um ordenado enquanto dura o compromisso de estarem numa escola a acompanhar várias turmas", explica Inês Oom de Sousa.
Já com a rede a estender-se a 80 escolas e com relações firmadas com 40 municípios, o trabalho da Teach é feito em conjunto com todo o ecossistema da educação. "Isto para mim é fundamental, eles próprios são um exemplo do que deve ser uma colaboração para o sistema educativo e foi um motivo determinante para a Fundação Santander ser parceira." Não é a Teach que vai às escolas impor o seu modelo; a organização trabalha com as câmaras municipais, com os diretores dos agrupamentos e das escolas, com os professores, tanto quanto com os alunos. E não vai dar matérias, mas antes leva às salas de aula metodologias diferentes de ensinar, apoiando os professores e acolhendo verdadeiramente os miúdos.
"E depois tem outra coisa ótima, que é o feedback que os monitores permanentemente dão sobre o que acontece. Por exemplo, quando eu assisti a uma aula, na parte de trás da sala, pude ver que quem está atrás tem uma visão completamente diferente de quem está nas primeiras filas, o grau de aprendizagem é diferente, a perceção que têm de como correu a aula é distinta. Este feedback é espetacular, porque o próprio professor depois sabe o que fazer para ajustar: é um trabalho em conjunto entre mentor e professor, e este sente-se bastante apoiado pelo mentor, até porque tem ali uma pessoa com quem partilhar as coisas boas e as más, a quem pedir ajuda para determinadas crianças que estão menos integradas."
Há vários anos ligada a iniciativas que visam melhorar a educação e com isso trabalhar melhores resultados sociais, "a Fundação Santander acredita mesmo neste modelo, porque de facto o impacto potencial é muito grande, sobretudo nas crianças". "Os mentores conseguem incutir nos miúdos o gosto por aprender e são verdadeiros acolhedores de crianças, envolvendo-as nas atividades. Se uma criança não estiver comprometida e com vontade de aprender, não vai aprender." O que conta é aquilo a que Inês Oom de Sousa chama "lifelong love of learning: as crianças estão mesmo comprometidas, querem ir à escola, querem aprender". E com isso estão a quebrar o ciclo e a desenhar um futuro melhor.