João Raposo sempre teve "fascínio por Valência" e quando, há dois anos, foi em família conhecer a arquitetura de Santiago Calatrava ficou irremediavelmente rendido a uma cidade "enérgica e vibrante", regressando já neste ano para juntar o cenário de eleição à atividade de crossfit, de que é praticante empenhado. Talvez por essas experiências na primeira pessoa e pelas gentes extraordinárias que por lá conheceu, as notícias da terrível tempestade que a 29 de outubro se abateu por aquelas terras, fazendo pelo menos 218 vítimas mortais tocaram-no profundamente. Precisava de fazer alguma coisa. E foi assim que nasceu o Valência no Coração, um evento solidário que, através de uma prova de crossfit, montou para ajudar aquelas gentes.
"Fui procurando saber como estavam através de quem ali conheci e do David, diretor da prova de crossfit que fiz em Valência, e o cenário de caos que me relatavam — não são só os mortos, são as vidas das pessoas que perderam tudo, é o lixo e os animais mortos que continuam espalhados na lama... há uma sucata com 200 mil carros num pubelo ali na região, toda a gente perdeu os carros — deixou-me a certeza de que não podia simplesmente lamentar, tinha de agir."
Ao SAPO conta que foi então que ele, a mulher e a filha juntaram as cabeças e transformaram essa vontade de ajudar uma angariação de fundos à medida. Em primeiro lugar, em vez de juntarem dinheiro e enviarem para um grande bolo de ajudas gerido por instituições ou autarquias, optaram antes por identificar três famílias de crossfit em dificuldades para lhes dar a mão. Depois, montaram um evento, recorrendo à comunidade de crossfit, criando uma prova solidária a que todos podem aderir através da plataforma de crowdfunding na Go Fund Me (https://www.gofundme.com/f/valencia-no-coracao), com regras publicadas e total transparência nos donativos recebidos.
Os fundos conseguidos através do Valência no Coração , que estabeleceu uma meta de 20 mil euros, têm como objetivo ajudar a levantar de novo três boxes de crossfit que foram bastante afetadas, "uma delas, inclusive, tinha aberto ao público há pouco mais de um mês". O fundos reverterão na integra para a BaseFitness.Box, a Clandestine_Box e a Mibox_CrossFit.
"Fizemos a prova solidária porque queríamos aproveitar essa ligação ao crossfit: as pessoas inscrevem-se, fazem e filmam a sua prova, submetem-na e depois será avaliada por um painel de especialistas desta rede de boxes; e os vencedores terão prémios como fins de semana em hotéis que se juntaram à causa ou marmitas que nos disponibilizaram para prémios. Mas qualquer pessoa pode simplesmente contribuir, sem fazer a prova. E estão lá os nomes e quantia que já levantámos", conta João Raposo, adiantando que neste momento esse valor ronda os 1.500 euros, quase tudo vindo de atletas de todo o país, mas também já de Espanha, e estando confiante de que irá conseguir levantar bastante mais nos próximos dias.
Para garantir a transparência total, além do regulamento publicado e da divulgação de nomes e montantes recebidos, há páginas nas redes sociais que acompanham a evolução das duas vertentes da prova, Paella e Fartón (sobremesa típica de Valência), estando também o evento solidário a decorrer online na plataforma da Regibox, onde se descrevem os dois WOD (Workout of the Day) a executar na respetiva box com o apoio dos coaches.
"Valência está a mais de 900 km de Portugal, mas é como se fosse aqui ao lado, e o crossfit tem também uma vertente de comunidade e de entreajuda." Por isso tudo se encaixa, diz João Raposo, que não tem dúvidas: "Todos temos problemas, mas ajudar desconhecidos é uma oportunidade extraordinária."