Estava muito bem, apesar da idade já avançada. Tinha uma vida ativa e independente, interessava-se pelos assuntos da atualidade e tinha até grupos de amigos com quem partilhava almoçaradas e hobbies. Mas desde que caiu nunca mais foi o mesmo...
A história não tem um sujeito definido e certamente não tem um final feliz. Num país com mais de 2,5 milhões de pessoas acima dos 65 anos e com as quedas identificadas como o acidente doméstico mais frequente entre os mais velhos e principal causa de morte na população sénior, provavelmente qualquer leitor poderia identificar alguém — familiar, amigo ou conhecido — que passou por situação semelhante.
"As quedas no idoso são a causa de cerca de 40 mil fraturas ósseas anuais em Portugal, com um impacto direto e gigantesco a nível económico e psicológico nos indivíduos, condicionando também um forte compromisso da sua qualidade de vida, capacidade funcional, autonomia e sobrevivência", lembra a Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia (SPOT), que lança um alerta de prevenção.
"Não caia nisso. Prevenir para não cair" é o mote da campanha que a SPOT promove pelo oitavo ano consecutivo, para alertar os mais velhos e aqueles que com eles se relacionam para os perigos que existem no dia-a-dia, mas sobretudo para as formas simples de aqueles se protegerem e evitarem o pior.
De acordo com os resultados dos testes de mobilidade e equilíbrio em atividades diárias Tinetti, mais de um em cada três idosos sofrem pelo menos uma queda por ano; metade deles tem quedas recorrentes, sendo este o motivo de 10% das idas às urgências e a maioria obrigando a internamento. A cada queda, a pessoa fica mais fragilizada e insegura, começa a ter receio de andar e sair de casa ou até de cumprir rotinas como tomar banho ou ir às compras.
E quando as quedas vão além do susto, provocando lesões (o que se verifica em mais de metade dos casos) ou fraturas e obrigando a imobilização, mesmo os mais resilientes sofrem grandes perdas. Desde logo, a redução de mobilidade e das capacidades físicas, que podem levar a situações de dependência, depressão e perdas cognitivas.
Ciente de que "a queda representa muitas vezes o fim ou o princípio do fim", o lema "Não caia nisso" sai à rua com o Alto Patrocínio da Presidência da República e o apoio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a que se juntam neste ano, entre outras, a Apormed, a Associação Nacional de Farmácias, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e o SAPO, de forma a alertar os mais velhos para os riscos evitáveis.
"A queda pode acontecer por várias razões — algumas relacionadas com o indivíduo, outras com o meio que o rodeia. A consequência mais grave e mais frequente das quedas é a fratura, devido à diminuição da densidade óssea mas também à tendência natural para o sedentarismo, que leva à diminuição da massa muscular, tendo como consequências a diminuição da autoestima e muitas vezes a deterioração do estado cognitivo", explicam os responsáveis da Sociedade de Ortopedia.
Naquela que é a idade de prata — em que a disponibilidade de tempo e financeira permitem fazer uma vida muito mais gratificante —, a falta de independência e a perda de qualidade de vida são uma realidade cada vez mais presente em Portugal. E se o nosso país é dos que maior longevidade têm, é também aqui que se encontram as estatísticas mais tristes: a maioria desses anos de sobrevida são de qualidade reduzida. Sobretudo nas mulheres, segundo os números do Eurostat, Portugal é dos Estados-membros onde se vive menos tempo livre de incapacidades ou limitações.
Mas boa parte disso, lembra a SPOT, pode ser evitado com cuidados básicos de prevenção na vida diária, que podem fazer toda a diferença, como não trancar a porta e manter o telemóvel por perto ao tomar banho, beber água durante o dia (evita a desidratação, que provoca desorientação e desequilíbrios), manter uma alimentação equilibrada e variada, com muita vitamina D, e vigiar a tensão arterial.
Evitar tapetes soltos, fios ou outros obstáculos no chão, manter os armários onde se guarda objetos de uso diário, como loiças e toalhas, à mão e uma boa iluminação dos espaços em casa são alguns conselhos adicionais que a Sociedade de Ortopedia partilha numa campanha cujo lema diz tudo: "Não caia nessa".