
Comparando respostas recolhidas pelas sondagens do Afrobarómetro sobre as experiências dos inquiridos com estatísticas oficiais e avaliações de peritos no período de 2014 a 2023, o estudo registou um declínio na perceção pública (-2,9 pontos), relativamente à segurança, menor do que nos indicadores factuais (-7,3).
Isto sugere que, embora os cidadãos considerem existir uma deterioração da segurança, a situação real é pior.
Já a perceção pública da participação política melhorou (+2,7 pontos), apesar do retrocesso (-20,4 pontos) na avaliação feita por dados oficiais e peritos independentes como organizações não-governamentais.
A presidente-executiva da Fundação Mo Ibrahim, Nathalie Delapalme, atribuiu o progresso substancial na perceção pública da participação política à "avaliação dos cidadãos sobre a liberdade e a justiça das suas últimas eleições, a sua capacidade de votar nas últimas eleições, bem como a sua opinião sobre a importância do pluralismo político".
Na década entre 2014 a 2023, Moçambique realizou eleições gerais e presidenciais em 2014 e 2019 e autárquicas em 2023.
Estes dados são anteriores aos tumultos registados no país desde outubro de 2024, na sequência das eleições gerais, incluindo presidenciais, cujo candidato vencido Venâncio Mondlane recusou reconhecer os resultados, apelando a protestos nas ruas.
Desde outubro, pelo menos 327 pessoas morreram, incluindo cerca de duas dezenas de menores, e cerca de 750 foram baleadas durante os protestos, de acordo com a plataforma eleitoral Decide, organização não-governamental que acompanha os processos eleitorais.
O estudo da Fundação Mo Ibrahim, intitulado "Opiniões públicas sobre a governação em África", pretende perceber melhor as divergências que aparecem no Índice Ibrahim de Governação Africana (IIAG) 2024 entre as opiniões dos cidadãos africanos e os dados oficiais ou independentes.
No caso de Moçambique, afirmou Delapalme à agência Lusa, a melhoria na perceção pública dos moçambicanos sobre a participação política é um resultado do aumento do sub-indicador Perceção do Pluralismo Político (+20,7 pontos) do IIAG.
"Para este sub-indicador, a pergunta subjacente do Afrobarómetro mede se os cidadãos concordam que são necessários muitos partidos políticos para garantir que têm verdadeiras escolhas sobre quem os governa", explicou a responsável.
A confiança e expectativas crescentes dos moçambicanos no pluralismo político contrastam com análises independentes, que registaram uma diminuição acentuada (-30,1 pontos) entre 2014 e 2023, o pior desempenho dos 96 indicadores do IIAG para Moçambique.
A avaliação sobre Eleições Democráticas e Pluralismo Político feita pelo Instituto Africano de Políticas de Desenvolvimento (AFIDEP), Centro para o Desenvolvimento Democrático do Gana e Instituto V-Dem apontaram para "uma tendência preocupante de deterioração" (-4,4 pontos entre 2014 e 2023), avisou.
Estes dados, referiu Delapalme, medem a liberdade e a equidade das eleições, a independência e capacidade dos organismos e agências de fiscalização para apresentarem relatórios sobre as eleições em curso, a liberdade de funcionamento dos partidos políticos e a igualdade de acesso aos meios de comunicação social estatais e ao financiamento público das campanhas.
"Esta divergência entre as perceções dos cidadãos e os indicadores 'não-percetivos' mostra que, apesar de um forte declínio do pluralismo político medido por fatores institucionais e estruturais, a confiança e as expectativas dos cidadãos relativamente à importância do pluralismo político continuam a crescer", salientou.
Delapalme frisou que esta "aparente discrepância" é explicada principalmente pela natureza diferente dos dados utilizados, "uma vez que o Afrobarómetro mede a opinião sobre o que deve ser feito, o que é esperado, enquanto os dados oficiais e de peritos medem a realidade tal como ela se apresenta".
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