
Depois das mortes dos cinco últimos papas, o ritual da praça de São Pedro, Vaticano, repete-se sempre da mesma forma… ou quase sempre. Cada pontífice é visto de forma diferente pelos fiéis. “Não estava à espera.” “Obrigado.” “Ontem vi-o quando desceu à praça, e hoje voltei.” “Acho incrível.” Eis algumas das frases que o Expresso ouviu, no centro da Santa Sé, após a morte de Francisco.
“Era uma referência para todos”, escreveu o Presidente italiano, Sergio Mattarella. O mesmo teor tiveram as declarações emitidas ao longo do dia por quem via em Jorge Mario Bergoglio um ponto de orientação para sociedades que parecem ter perdido o rumo.
Três jovens na Via del Corso, longe do Vaticano, diziam uns para os outros: “Aqui não se passa nada, vamos até São Pedro”. Esta segunda-feira de Páscoa, era ali que acontecia o que importava. Logo, mudaram de trajeto. Como tantos outros turistas, tornados peregrinos assim que atravessam a fronteira da cidade-estado. Voltavam ao lugar onde tinham estado na véspera.
Há séculos, quando morria um Papa, os romanos, nobres e plebeus, fechavam-se em casa, porque nas ruas decorriam autênticas batalhas sangrentas entre as famílias aristocráticas que esperavam escolher algum dos seus como seguinte titular do trono de São Pedro. Eram os Colonna, os Pamphili, os Bórgia…
Há quem chore como se o defunto fosse um familiar. Outros expressam apenas curiosidade, outros ainda incredulidade. No domingo de Páscoa, Francisco assomou à grande varanda central da basílica, misturou-se com as 35 mil pessoas que tinham vindo vê-lo, acariciou muitos bebés e crianças, deu a volta à praça numa viatura descoberta, entre gritos e aplausos. Na manhã de segunda-feira, inesperadamente, levou-o “um AVC seguido de coma com enfarte”, pelas 7h35 da manhã, como explicaria horas mais tarde o serviço de impressa da Santa Sé. O Papa despertara às 6h. “Estou triste”, murmura um equatoriano, parado no meio de uma pequena multidão que cresce com o passar das horas.
“Sabíamos que a sua saúde era frágil, mas ele nunca parou, em toda a vida, diante de ninguém, nada lhe metia medo”, explica um casal de idosos vindo da Alemanha. “Um Papa maravilhoso”, grita uma jovem italiana. “Autêntico”, acrescenta outro.
Praça mais desorientada
Desta vez a praça parece mais desorientada do que noutras ocasiões. É um pouco diferente do que quando morreu João Paulo II, em abril de 2005. As pessoas vão e voltam, andam de um lado para ou outro do semicírculo desenhado por Bernini, enquanto vão sendo retirados os enfeites florais da Páscoa. Pequenas camionetas de cor branca circulam num vaivém de sentido inverso ao dos transeuntes. As luzes da basílica estão apagadas e a sensação de luto é mais evidente.
As últimas palavras públicas de Francisco foram para os palestinianos de Gaza e a sua última visita teve como destinatários os presos da cadeia romana, outrora pontifícia, de Regina Coeli, perto do Vaticano. Como que um resumo dos seus treze anos de pontificado, caracterizado pela atenção às “periferias do mundo”.
“Ele permitia que todos se sentissem bem na sua presença, todos, todos, todos estavam ao mesmo nível”, proclama um professor de História reformado, que chega da Jordânia. “Um dia perfeito para morrer”, afirma uma rapariga italiana que conseguiu, no domingo, tirar uma selfie com Bergoglio. Descreve o falecido como “uma pessoa cheia de misericórdia e amor para todos, não importa quão pobres fossem ou qual a sua origem, porque amava todos”.
“Estou triste e não é só pela igreja”, explica uma sacerdotisa dos Camarões, que ali está por acaso. “Estou triste por toda a Humanidade, porque ele acolhia todos de braços abertos”. Outra senhora italiana frisa que Francisco “foi o Papa de todos, dos pobres, das mulheres”. “O Papa da gente normal, um de nós”, afirma, levantando a voz, um viandante anónimo.
“Vi-o ontem pela primeira vez, e hoje já não está cá”, explica, desconsolado, um jovem italiano. “Morreu o pai de todos os cristãos”, enfatiza um homem maduro que veio com ao família. “Para mim, morreu mesmo um pai”, assegura um seminarista francês que ouve aquela frase. “Esteve connosco até ao fim”, recordam muitos, pensando na visita papal surpreendente da véspera.
As televisões e a imprensa enchem-se, esta segunda-feira de Páscoa, de condolências de todos os recantos do mundo. Não faltam textos contra os poderosos, “vós que sois descritos como os ‘potentes da Terra’”, exortados a “procurar pelo menos um compromisso com a vossa alma suja, visto que estareis, lá dentro, contentes por se terem visto livres do último obstáculo à vossa conduta miserável e irresponsável”. Fica-se a imaginar que pensaria Francisco, enquanto na praça de São Pedro soa o dobre a finados.