
Costuma-se dizer que depois da tempestade vem a bonança. O país, olhando para o cenário de prováveis eleições, que se perspetivam ainda mais crispadas que as anteriores, até pode não estar com disponibilidade para recordar o célebre provérbio. Ou talvez ache que a tempestade está para vir. Mas no Parlamento, onde os debates foram-se tornando cada vez mais intensos, mais pessoais e mais polarizados, a ressaca da noite em que se começou a preparar a próxima campanha foi, para o bem e para o mal, pacífica, sem azias e das menos agressivas de toda a legislatura.
Pode parecer estranho, tal foi o tom do debate da moção de censura com o primeiro-ministro, em que empresas familiares e honras pessoais foram atacadas e escrutinadas até ao tutano. A verdade é que, esta quinta-feira, em que os deputados voltaram a aprovar a desagregação das freguesias (depois do veto do Presidente da República) e a discutir projetos sobre os professores, foi notória, e mesmo elogiada, a falta de oposição política a que o Parlamento habitou o país.
Houve poucos insultos dirigidos a adversários políticos. Não se ouviram grandes alaridos ou apupos a intervenções. Os discursos, no geral, foram ouvidos com pouca atenção e discórdia. Apenas uma deputada do Chega mencionou o caso do primeiro-ministro e gerou alguns apartes, mas foi só uma nuvem passageira. Joana Mortágua (BE) e Pedro Pinto (Chega) trocaram algumas bocas sobre professores e interpelações à mesa, levando a um comentário de José Pedro Aguiar Branco sobre o uso recorrente do mecanismo e do pedido de distribuição de documentos. “Fico com ‘mixed feelings’ [sentimentos mistos, em inglês], porque parece que ninguém lê os documentos”, brincou o presidente da Assembleia da República.
Fora isso, a crise política que se abateu subitamente sobre o país parece ser já um dado adquirido. E, talvez por isso, para muitos nada mais há a fazer que encarar com bom humor a situação. “Há sempre algo de positivo numa crise política”, comenta-se num dos corredores do Parlamento, agradecendo-se o ambiente pouco tenso no plenário.
Outro deputado, sorrindo, diz que “é como se tivessem levantado um peso dos ombros de toda a gente”. Mais do que um representante fez questão de assinalar que o desfecho de quarta-feira já se esperava há duas semanas, pelo que a solução encontrada por Marcelo Rebelo de Sousa tenha, de alguma forma, trazido algum alívio à tensão criada pela controvérsia em torno do chefe de Governo.
Mesmo o habitual murmúrio dos corredores foi substituído, pelo menos por hoje, por conversas animadas a céu aberto, ora sobre os próximos confrontos na estrada, ora sobre o que mudará na agenda da Assembleia com a dissolução.
Uma das preocupações levantadas ao longo do dia, além da data definitiva da moção de confiança, foi com as próximas sessões solenes, em particular com a celebração do 25 de Abril. Este ano são comemorados os 50 anos das eleições para a Assembleia Constituinte, mas sem um Parlamento em funções, parece improvável que a sessão anual aconteça - alguns deputados recordaram que a última vez que aconteceu foi em 2011, depois do chumbo do PEC IV e da queda do Governo de José Sócrates, em que Cavaco Silva realizou uma cerimónia mais pequena no Palácio de Belém com os antecessores ainda vivos (Mário Soares, Jorge Sampaio e Ramalho Eanes).
Da agenda também deve cair a sessão convocada por Aguiar Branco com as principais autoridades da Justiça, incluindo com a ministra Rita Alarcão Júdice, que estava marcada para o dia 11 de março e que tinha como objetivo dar os primeiros passos de uma reforma no setor.
Essa reforma, se algum dia acontecer, e tal como tantos outros momentos da agenda do Parlamento, terá também de esperar até que haja novos representantes eleitos.