Enquanto seres humanos, temos uma necessidade inata de criar vínculos e de nos sentirmos pertencentes a um grupo. Para que isso aconteça, é essencial que os outros nos vejam de forma positiva. Quando percebemos que isso pode não estar a acontecer, surge a vergonha.
“A vergonha é uma resposta emocional involuntária que aparece quando sentimos que podemos estar a causar uma impressão negativa nos outros. É como um sinal de alerta, avisando-nos de que os outros podem estar a ver-nos como inferiores, fracos, vulneráveis, impotentes, incapazes ou defeituosos", explica Marcela Matos, professora e investigadora do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.
Esta perceção de que estamos a ser encarados como inferiores ou fracos é “altamente ameaçadora para o ser humano", sublinha também a investigadora. "Há milhões de anos, ser excluído ou rejeitado socialmente colocava em risco não apenas a nossa pertença ao grupo, mas também a nossa sobrevivência. Por isso, estamos preparados para competir pela atratividade social. A vergonha é a emoção que nos alerta para uma possível ameaça nessa competição. Evolutivamente, é uma emoção muito poderosa".
Marcela Matos foi uma das convidadas do mais recente episódio do podcast "Que Voz É Esta?", dedicado ao tema da vergonha. Ao longo deste episódio, procurámos compreender o que é a vergonha, quais os pensamentos e comportamentos a ela associados e como experiências intensas de vergonha podem afetar a saúde mental. Também explorámos como esta emoção é influenciada por fatores culturais, sociais, económicos e geográficos.
Igualmente convidado a participar no episódio, Paulo Peixoto, presidente da Associação Portuguesa de Sociologia e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, destaca que a vergonha "é, acima de tudo, um mecanismo de controlo social, que tem sido usado ao longo da história por várias instituições para controlar as pessoas, os seus comportamentos e as práticas sociais".
Além disso, a vergonha é também "um mecanismo de pressão exercido por quem detém poder na sociedade. Muitas vezes, trata-se de um poder ilegítimo, dirigido aos mais vulneráveis. Por exemplo, o poder de envergonhar mulheres em certas sociedades é inaceitável e não tem legitimidade."
Apesar disso, a vergonha, como todas as emoções, desempenha uma função importante. “O lado positivo da vergonha está relacionado com o seu papel enquanto reguladora das nossas relações sociais. Ela é essencial para a forma como nos relacionamos com os outros e como navegamos no mundo social. Sem vergonha, não nos importaríamos com a opinião dos outros, o que resultaria na ausência de limites éticos ou morais”, afirma Marcela Matos.
Paulo Peixoto destaca que a vergonha desempenha “um papel preventivo”. “Por exemplo, se eu fizer algo a alguém, posso não conseguir voltar a olhar nos olhos dessa pessoa ao falar com ela; posso não conseguir andar de cabeça erguida. A vergonha permite-me antecipar estas situações e evitar comportamentos que considero estarem em desacordo com as normas.”