O governo anunciou ontem um compromisso de reestruturação do canal público cujos principais eixos foram contestados, nomeadamente o fim dos seis minutos de publicidade por hora e saída de até 250 pessoas, com contratação de metade delas. O plano pretende, até 2027, retirar gradualmente a publicidade das grelhas da RTP, à semelhança do que já acontece nas rádios públicas, uma medida que, estima-se, teria um impacto na redução de receita anual nos próximos três anos de aproximadamente 6,6 milhões de euros, 2,2 milhões por ano no canal, segundo o plano para os media.

A receita de publicidade é vital para a RTP?

Após apresentação do plano do governo, o Conselho de Redação da RTP, tal como o presidente do grupo, Nicolau Santos, mostrou preocupação com essa perda, afirmando mesmo que "a ausência de alternativas às verbas cortadas gera um clima de incerteza e dificulta a prossecução da missão fundamental da RTP de garantir um jornalismo livre de quaisquer ingerências, financeiramente sustentável e capaz de cumprir o seu papel essencial numa sociedade democrática, tal como defendido pelo primeiro-ministro".

1. Mas afinal de onde vêm os rendimentos da RTP e quanto vale a publicidade no bolo?
Começando pelo fim, é menos de 10% da receita. Conforme revelam as últimas contas do grupo estatal, o total de receitas comerciais da RTP ascendeu, no último ano, a 45 milhões de euros, dos quais menos de metade são atribuíveis a publicidade, num rendimento total anual que ascende a 235 milhões de euros.

Os 21,7 milhões recebidos pela RTP a troco de espaço publicitário são uma pequena porção, também quando comparado com o que ganham os outros grandes grupos: cerca de 93 milhões vão para a Media Capital (TVI/CNN) e 106 milhões para a Impresa (SIC), conforme indicam os respetivos Relatórios e Contas.

2. Qual é então a maior fonte de rendimento do grupo público de televisão?
A resposta está na sua fatura de eletricidade. "A contribuição para o audiovisual destina-se a financiar o serviço público de radiodifusão e de televisão", explica-se nas faturas de todos os consumidores de eletricidade, sendo o pagamento obrigatório, num valor fixo mensal de 2,85 euros+IVA (6%), que corresponde a 3,06 euros que acresce todos os meses às contas de luz. No total, a Contribuição Audiovisual rendeu no último ano 190,14 milhões de euros à RTP, representando assim cerca de 81% das receitas do grupo.

Considerando o total de rendimentos da RTP e dos outros dois grupos de televisão, o canal estatal acaba, então, por ser aquele que tem a maior fatia de financiamento: 235 milhões da RTP, contra cerca de 135 milhões da TVI/CNN e 156 milhões da SIC.

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O governo adiantou que não prevê, no momento, ajustar o valor previsto para a Contribuição Audiovisual, mas não pôs de parte a possibilidade de o fazer no futuro, ao sabor da inflação. A razão apontada pelo ministro Pedro Duarte, que tem a tutela dos media, para não mexer nessa prestação no próximo ano foi o crescimento de receita que se tem verificado, tendo nomeadamente crescido no último ano em cerca de 5 milhões.

3. E como estão as contas da RTP?
A resposta depende dos fatores observados. Se o canal público tem apresentado lucros, há também um objetivo que visa a modernização da estação, com grande foco digital, que tem levado a investimento considerável. Este plano, de acordo com o presidente da RTP, Nicolau Santos, custará cerca de 17 milhões de euros, tendo já o grupo 71,6 milhões de euros de dívida contraída junto da banca, sobretudo para renovação de equipamentos. No último ano, foram executados 4,6 milhões, cerca de 60% do previsto no Plano de Investimentos para esse ano.

Quanto ao resultado líquido de 2023, o Relatório e Contas indica 2,5 milhões de lucros, com um EBITDA (resultado antes de impostos) de 17,7 milhões e uma faturação na ordem dos 232,6 milhões de euros. Os capitais próprios, porém, apesar de terem vindo a melhorar, mantêm-se negativos em 3,5 milhões de euros (uma melhoria que chega a quase metade do valor do ano anterior).

Rescisões voluntárias põem em risco sustentabilidade do serviço público?

Outra preocupação levantada pela direção e pelo Conselho de Redação da RTP com o plano apresentado pelo governo foram e os cortes previstos nos recursos humanos da RTP. Uma medida que "causa profunda preocupação" e "desafia a sustentabilidade do serviço público e a produção jornalística", consideram os responsáveis do canal público, após Pedro Duarte ter sinalizado a intenção de negociar até 250 saídas, contra a entrada de metade dessas pessoas — mais jovens e mais de acordo com os critérios de equilíbrio de género e diversidade.

4. Mas afinal quantos trabalhadores tem a RTP?
A resposta é divulgada no Relatório para a Igualdade de Género da RTP, publicado em fevereiro deste ano, que indica não apenas o número total de pessoas ali empregadas como a sua divisão por idades, género, cargos e evolução salarial. Repetidas vezes tem havido alertas sobre a existência de "dezenas de falsos recibos verdes" no canal público, com o BE a denunciar, há um ano, a existência de 140 pessoas nessa situação, mas considerando o número oficial indicado nas contas da empresa, há 1809 trabalhadores na RTP.

O universo do canal público encontra-se assim no dobro do efetivo do grupo Impresa (Expresso+SIC+SIC Notícias e restantes canais temáticos), que conta com quase paridade de género nos seus 940 colaboradores, e da Media Capital (TVI/CNN), onde 46% dos 1087 colaboradores são mulheres.

5. Está também o canal público nas melhores práticas de equilíbrio de género?
O compromisso é expresso no Relatório de Igualdade de Género da RTP: "Empresas igualitárias são um fator de desenvolvimento e de melhoria contínua do serviço público, do respeito pela igualdade de género, e o acesso de oportunidades para todas as mulheres e homens em todas as dimensões da vida pública e privada." E "a RTP é membro fundador do iGen – Fórum Organizações para a Igualdade desde 2013, criado com o objetivo de dinamizar, acompanhar e apoiar ações de promoção de igualdade de género, reforçando os mecanismos de atuação nesta área, auxiliando todos os membros no cumprimento dos seus compromissos em matéria de igualdade de género".

No entanto, a realidade mostra que há muito caminho para andar na estação do Estado. Dos 1809 trabalhadores da estação pública, 60% são homens. E o peso é ainda mais esmagador conforme se sobe na hierarquia, chegando aos 70% nos cargos de direção, apesar de haver muito mais mulheres do que homens com formação superior empregados no grupo.

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No que respeita à igualdade salarial, também não se tem verificado progressão significativa nos últimos anos, com os salários de base a rondar a média de 2 mil euros para as mulheres, menos 100€ do que recebem os homens, enquanto a remuneração média mantém uma diferença de género que prejudica as mulheres em cerca de 200€.

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6. E como estão distribuídos pelo país?
Cobrir as notícias de um país inteiro, Regiões Autónomas incluídas, e ainda ter um pé na diáspora, requer uma força humana mais alargada, o que poderia justificar que a RTP conte com quase o dobro dos trabalhadores dos privados da área. Mas o que é compreensível pela missão perde força quando se verifica que 84% do pessoal da RTP está sediado em Lisboa e no Porto. A estes, somam-se 120 nos Açores e 109 na Madeira (6% em cada Região), 12 no estrangeiro e sobram 53 pessoas para cobrir o resto do país continental.

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No universo de mais de 1800 trabalhadores, os "jornalistas" mal ultrapassam um quarto da força laboral ("380 redatores e 84 repórteres"), conforme especificado no dito relatório, que aponta nas duas categorias seguintes com maior representação as posições de "especialistas" (211) e "quadro/quadro superior" (164).

7. Qual é a idade média dos trabalhadores da RTP?
O retrato é semelhante ao do país, onde mais de metade das pessoas empregadas têm entre 44 e 64 anos, sendo Portugal o quarto país da União Europeia com a força laboral mais envelhecida, segundo a Pordata.

No universo da RTP, porém, essa realidade é ainda mais expressiva. Do número total, 1577 trabalhadores têm mais de 40 anos, sendo a fatia mais representativa de quadros da estação pública a que está nas idades entre 55 e 59 anos (407 trabalhadores), imediatamente seguida do intervalo anterior (345) e do posterior (312). Há ainda outras 64 pessoas com mais de 65 anos a desempenhar funções na RTP.

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No plano para os media, o governo prevê a saída voluntária de até 250 pessoas da RTP, entendendo também assim ser possível, com a regra de uma entrada por cada duas saídas, rejuvenescer o grupo. Ou seja, na prática, caso o teto fosse cumprido, os quadros acabariam por ficar com apenas 125 pessoas a menos, entre saídas e entradas.