
Acabado o tratamento, não está resolvido o problema, é preciso manter sempre um acompanhamento regular e especializado para assegurar não apenas que um doente de cancro não volta a passar pelo pior mas que realmente vive — e isso passa pela monitorização das condições físicas, psicológicas, até sexuais. Com o crescente número de diagnósticos oncológicos, a deteção precoce e a evolução dos tratamentos que permite um cada vez maior número de sobreviventes, "os desafios decorrentes do cancro e do regresso à vida ativa, que afetam a saúde e a qualidade de vida dos sobreviventes, tornaram-se motivo de preocupação para os profissionais de saúde". E para dar a resposta adequada a essas necessidades a CUF Oncologia juntou-se a sobreviventes de cancro e criou a primeira Unidade do Sobrevivente de Cancro, com profissionais de saúde de várias áreas de intervenção com diferenciação e experiência na resposta às necessidades.
"É fundamental que os médicos que nos acompanham tenham experiência específica no seguimento de sobreviventes, que saibam reconhecer e compreender as sequelas do cancro – sejam elas de âmbito físico, emocional ou social –, e que nos consigam aconselhar sobre os cuidados mais adequados às nossas necessidades", considera Madalena d'Orey, uma sobrevivente de cancro.
Em entrevista ao SAPO, Mariana Malheiro, oncologista da Unidade do Sobrevivente de Cancro no Hospital CUF Tejo, explica como este novo serviço de saúde é relevante para manter também a qualidade de vida dos doentes oncológicos.
Quem já teve cancro é sempre doente oncológico. Porque é que há necessidade de manter essa condição?
Porque o cancro deixa marcas que permanecem muito para além da última sessão de quimioterapia ou radioterapia. Mesmo após remissão, os sobreviventes mantêm um risco aumentado de recidiva — o reaparecimento do mesmo cancro — , de que surja um segundo cancro primário, um novo tumor distinto do primeiro. Quem teve cancro tem também de lidar com os efeitos tardios da terapêutica oncológica, como a fadiga crónica, défices cognitivos, alterações metabólicas, infertilidade ou disfunções cardíacas.
Até quando é que isso pode acontecer?
Estes efeitos podem surgir anos depois do tratamento, como nos mostra o programa STAR (Survivorship Training and Rehabilitation), nos Estados Unidos da América. A vigilância é uma necessidade.
Esta necessidade de acompanhar continuamente a evolução pós-doença é então determinante para uma vida mais longa e de qualidade?
A resposta é, inequivocamente, sim. A ciência mostra que o acompanhamento estruturado, regular e personalizado aumenta a sobrevivência e melhora profundamente a qualidade de vida. Por exemplo, um estudo com sobreviventes de cancro da mama mostrou que a continuidade dos cuidados reduziu hospitalizações e visitas às urgências — um sinal direto de melhor controlo da saúde e maior estabilidade clínica.
A monitorização contínua permite não só detetar precocemente recidivas e efeitos tardios, como também oferece apoio à adoção de estilos de vida saudáveis, otimizando a alimentação, o sono e o exercício físico de cada sobrevivente. Além disso, o seguimento clínico proporciona segurança emocional. E porquê que tudo isto é importante? Porque a sobrevivência não deve ser apenas medida em anos, mas sim na qualidade desses anos.
Há muita gente a falhar essa rotina e consequentemente a pôr-se em risco?
Estudos mostram-nos que mais de 50% dos sobreviventes tratados com quimioterapia abandonam o seguimento clínico ao fim de cinco anos. E que muitos sobreviventes perdem o vínculo ainda antes do primeiro ano após o tratamento.
Mas porque é que isso acontece?
Entre as múltiplas razões, encontramos não só o medo de reviver o trauma do diagnóstico, como também a falta de informação e orientação. A falta de acompanhamento clínico especializado pode atrasar diagnósticos e deteriorar a qualidade de vida das pessoas.
E como é que a criação de uma Unidade de Sobreviventes pode fazer a diferença?
Pode fazer a diferença entre viver e viver bem. Uma Unidade de Sobreviventes é mais do que um novo serviço — é uma nova filosofia de cuidado. Representa um espaço seguro, integrado, especializado, onde cada sobrevivente é visto não como ex-doente, mas como um ser humano com um passado, um presente e um futuro.
Nas unidades são criados planos personalizados de acompanhamento baseados no tipo de cancro, tratamento e fatores de risco; monitoriza-se não apenas a doença, mas a saúde global — metabólica, mental, sexual e relacional. E são promovidas intervenções de reabilitação física, cognitiva, emocional e social, contribuindo para um uso mais eficiente dos recursos de saúde, já que isso evita crises, complicações e hospitalizações desnecessárias. Experiências de países como o Reino Unido e os Estados Unidos mostram que estas unidades aumentam a adesão ao seguimento e a satisfação dos doentes.
E esta unidade está acessível a todos?
A articulação entre diferentes especialidades, como oncologia, enfermagem comunitária, nutrição, psicologia e exercício clínico é o futuro — e é urgente. Em Portugal, a Unidade do Sobrevivente de Cancro da CUF é pioneira nesta abordagem, estando agora disponível nos hospitais CUF Descobertas e CUF Tejo. Ainda no final deste ano chegará, também, ao Hospital CUF Porto.
Sem dúvida que o fim do tratamento oncológico é um marco assinalável. Representa a superação de um percurso exigente, tantas vezes doloroso, feito de incertezas, coragem e resiliência. Mas este momento tão celebrado não deve ser confundido com o fim da história. Na realidade, é o início de um novo capítulo — o da sobrevivência, que beneficia de acompanhamento clínico integrado e especializado. Sobreviver não é apenas continuar a existir. É reconstruir. É retomar o controlo. E, acima de tudo, é viver com sentido e qualidade.