
A professora da faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCT), investigadora do MARE e especialista em drenagem e tratamento de águas residuais, falou à Lusa dos malefícios que os protetores solares podem ter no ambiente.
Como outras especialistas ouvidas pela Lusa, a também engenheira do ambiente Rita Maurício não defendeu que se deixem de usar protetores solares, já que são fundamentais para proteger a pele e prevenir doenças, mas avisou para os problemas que podem provocar no meio marinho, mas também na saúde humana.
Em determinadas quantidades, compostos presentes nos protetores podem contribuir para a desregulação endócrina, uma alteração nociva do sistema hormonal dos seres humanos (e dos animais).
A Agência Europeia das Substâncias Químicas (ECHA) também alerta para o problema e nota que os efeitos provocados por uma substância desreguladora do sistema endócrino podem só ser observados muito tempo depois da exposição.
"Quando há uma exposição de determinadas substâncias o sistema deixa de ser resiliente e a partir daí surgem doenças", seja algum tipo de cancro, seja Alzheimer, exemplificou Rita Maurício, explicando que há legislação em relação a concentrações dessas substâncias no ser humano mas não para o meio aquático.
A oxibenzona, um composto que está nos protetores solares, é permitida na União Europeia com limites mas ainda assim, segundo estudos, pode ser prejudicial para os meios aquáticos.
Mas há outro problema, nas palavras da investigadora: se uma ameijoa (que é bioacumuladora) acumula uma concentração mais elevada e se o ser humano a consome está a consumir esse composto, que de resto já chega ao ser humano pela colocação na pele nos dias de praia e nas águas residuais, já que as estações de tratamento não estão preparadas para o remover.
Para Rita Maurício, a "concentração significativa" de compostos desreguladores endócrinos tem tendência para aumentar em termos gerais, e sobre os protetores solares falou ainda dos que contém nanopartículas (oxido de zinco e oxido de titânio), que não são assimiladas pelos humanos, mas sim pelos organismos aquáticos, como acontece com os microplásticos.
Não se sabe, disse, os efeitos das nanopartículas. Mas também destacou que há efeitos que não se manifestam no momento da absorção mas mais tarde ou mesmo em gerações futuras. E por isso "é muito difícil de aferir a desregulação endócrina".
Rita Maurício falou ainda da perigosidade das hormonas, como a presente na pílula, ou da exposição a outros compostos, referindo que há mais de 800 substâncias classificadas como desreguladoras endócrinas, e concluiu: "Isso é assustador, as próximas gerações terão naturalmente dois a três cancros ao longo da vida. Pela exposição crónica, não por estar exposta um dia".
Nos organismos marinhos, segundo a especialista, o aparelho reprodutor é o que mais rapidamente é afetado e é também mais fácil de detetar. Há peixes machos com órgãos característicos das fêmeas, o que é uma "desregulação imensa". "Estamos a comer uma coisa que não sabemos qual será o efeito em nós".
E esses compostos, alguns, já foram detetados na água para consumo (na Alemanha) e estão até no leite materno, "nos solos, na roupa, no ar", sem que se saiba os efeitos que terão.
É certo, disse, que se fazem ensaios clínicos, mas também é certo que uma coisa é o laboratório e outra é o ambiente. "No ambiente não sei que reações vão acontecer".
Certo ainda é que é impossível controlar tudo o que vai para o meio aquático. "Mas deve haver um alerta", e as pessoas devem ser informadas e decidir, escolher os produtos consoante as substâncias. Porque "quanto mais souberem melhor para todos".
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