Comecemos pelo estado anímico da equipa do Sporting, que enquanto não estabilizar não vai permitir que jogadores que já fizeram esta época exibições de luxo, voltem a soltar o seu futebol. Quantos protestos com o árbitro, por tudo e por nada, com e sem razão, protagonizaram os leões, que descarregaram em Hélder Malheiro (que também não se ajudou) boa parte das suas frustrações? E quanto mais os jogadores do Sporting estiveram focados no juiz da partida, menos focados estiveram no jogo…
Passemos, de seguida, a uma verdade simples como o vento e clara como a água, que marcou o estado de alma dos leões, que defrontaram uma equipa que defendeu, não só de forma organizada mas também deitando mão a muito antijogo, durante quase toda a partida. Mas ao quase já lá vamos, debrucemo-nos então sobre a tal verdade simples: não há coisa mais importante num jogo de futebol do que meter a bola na baliza do adversário. São os golos que fazem os resultados e condicionam em grande parte as abordagens das equipas. No caso vertente, tivesse Quenda, aos 15 minutos, marcado golo quando Catamo o deixou a um metro da baliza, já com o guarda-redes no chão, e acabou por não acertar no alvo; ou tivesse Trincão, aos 59 minutos, na sequência de uma incursão magistral de Quenda, rematado com um mínimo de convicção, não permitindo a intervenção de Venâncio sobre o risco fatal, e muito provavelmente os leões teriam arrancado para aquele triunfo que lhes poderia devolver a confiança perdida. Assim, mantiveram-se à mão de semear de um Santa Clara, organizado em 4x5x1, que só muito tarde no tempo regulamentar resolveu correr alguns riscos. Da conjugação desta decisão dos açorianos com a tremedeira que se foi apossando dos leões, resultou que o Santa Clara, que ainda não tinha causado qualquer lance de perigo junto da baliza de Franco Israel, entre o minuto 90+4 e o minuto 90+8 tivesse disposto de três oportunidades claras de golo: Gabriel falhou a primeira, Israel disse não à segunda, mas Pedro Ferreira não perdoou a terceira levando tudo para prolongamento.
JOÃO PEREIRA
O treinador do Sporting, a quem coube a espinhosa tarefa de substituir Ruben Amorim, não tem sido feliz em vários aspetos, uns por culpa própria, outros por culpas que lhe são alheias. No rol das culpas próprias estará, à cabeça, o desaproveitamento da magia de Quenda, que tinha uma influência decisiva à direita, e a incapacidade de encontrar um substituto para Pedro Gonçalves. Harder, que parece, à légua, a melhor solução, tem andado arredado das primeiras escolhas. Mas, e isso ainda é culpa do treinador, a menor objetividade do jogo leonino, mais lateralizado e previsível, tem penalizado sobretudo Viktor Gyokeres, que assim se torna um alvo muito mais fácil de marcar. Também há a sorte e o azar: e João Pereira teve um azar dos Távoras quando, para perder tempo, trocou Quenda por Fresneda aos minuto 90+5 (logo depois do primeiro susto) e viu a sua equipa ter de disputar mais 30 minutos amputada de uma unidade importante (que o espanhol não é).
Quanto às circunstâncias que estão fora da área de responsabilidade do técnico, embora acabem por bater-lhe à porta, estão as lesões, que qual praga de gafanhotos têm dizimado a equipa leonina, afetando-a em postos-chave. A soma de tudo isto é um Sporting nervoso, nada confiante, que ruiu como um castelo de cartas, perante a pressão, nos derradeiros minutos do tempo regulamentar, e que acabou por livrar-se da decisão da marca dos onze metros graças a uma oferta natalícia daquele que estava ser um dos melhores em campo. Mesmo assim, deve enfatizar-se, perante um Santa Clara que operou muitas mudanças (quiçá a pensar no jogo com o SC Braga, com quem disputa a quarta posição da Liga) e que pouco ou nada contribuiu para um bom espetáculo, o Sporting mereceu aceder aos quartos-de-final da Taça de Portugal, sem que se saiba como vai terminar esta novela da orfandade. Talvez Barcelos, na próxima jornada, diga para que prato da balança vai pender o destino.