*Por Diogo Organista Pereira
Enfrentar a barreira linguística, adaptar-se às diferenças entre campeonatos e ajustar-se a novas rotinas são desafios inevitáveis para quem deixa a liga portuguesa em busca de novos patamares. Mudanças significativas acompanham este percurso, por vezes atribulado e pautado por altos e baixos.
O mercado de transferências é o principal motor que potencia essas transformações. Frenético, imprevisível e cheio de surpresas, alimenta o entusiasmo de quem o acompanha com propostas irrecusáveis, projetos aliciantes e rumores sonantes. Ano após ano, a janela de transferências prova ser o momento decisivo para mudanças, muitas delas concretizadas nos últimos instantes.
Com este cenário em mente, o zerozero esteve à conversa com Dani Silva, médio português que deixou o Vitória SC em janeiro, ao fim de cinco épocas e meia, e rumou ao emblema italiano Hellas Verona.
Na segunda parte desta entrevista, o centrocampista de 24 anos abordou o salto «arriscado» para outros patamares, a passagem por Guimarães e perspetivou, também, os desejos futuros para a sua carreira.
[Veja a primeira parte da entrevista AQUI]
«Estava preparado para dar o salto, mas não contava que fosse tão rápido»
Zerozero (ZZ) - Deixou o Vitória SC em janeiro, esteve quase seis épocas ligado ao clube. Como foi esta mudança?
Raio X [Jogador] | ||
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na/o |
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Dani Silva | Vitória SC |
62 | Jogos |
2 | Golos Marcados |
31 | Vitórias |
11 | Empates |
20 | Derrotas |
Dani Silva (DS) - Custou muito. O Vitória SC não começou por ser o meu clube, mas já o admirava imenso antes de ir para Guimarães. Depois de lá estar, é muito fácil apaixonarmo-nos pelo clube, pela cidade e pelos adeptos... É mesmo muito fácil.
Muita gente tem um carinho especial pelo Vitória SC e quem está lá dentro é que o sente mesmo de verdade. A saída custou porque foi numa altura de mercado, que é sempre muito agitado e nunca se sabe o que pode acontecer.
ZZ - Era já um objetivo seu dar o salto no mercado de inverno ou foi apanhado de surpresa por causa das circunstâncias?
DS - O meu objetivo, e se calhar o de todos os jogadores que atuam pelo Vitória SC ou na I Liga, é jogar nos melhores campeonatos do mundo e nas melhores equipas. Eu não fujo à regra, sabia que estava preparado para dar o salto, mas não estava a contar que fosse tão rápido.
Se fosse no mercado de verão, teria mais tempo para pensar e deixar os vitorianos com os objetivos cumpridos. Mas isso são os ‘ses’ da vida e o Vitória SC vai estar sempre no meu coração. Às vezes, mais vale arriscar. E eu sou uma pessoa que gosta de arriscar, não só dentro de campo, mas também na vida.
ZZ - Fez 62 partidas pela equipa principal em apenas época e meia. Nessa altura, considerava-se um pilar do clube ou do meio-campo do Vitória SC?
DS - Não me sentia como um pilar da equipa principal. Mesmo com 23 anos, sentia-me um miúdo à beira deles, para mim era tudo muito novo e era uma coisa com que sonhava desde sempre. Sentia-me um miúdo de 18 anos porque estava a viver o meu sonho.
Nem conseguia pensar que era uma peça fundamental da equipa, mesmo tendo sido utilizado em quase todos os jogos. Simplesmente estava a desfrutar do momento e agora, olhando para trás, passou tudo tão rápido. Foi um sonho realizado e consegui ajudar o Vitória em muitas coisas.
ZZ - Foi aposta regular do treinador Moreno. O técnico foi importante no seu desenvolvimento?
DS - Foi um mister que foi muito importante no meu desenvolvimento como jogador. Apostou em mim na equipa B e tornou-me capitão, que é algo muito grande dentro do Vitória SC. De certeza que o [Bruno] Varela ou o Tiago [Silva] sabem disso.
Quando o Moreno deu o salto para a equipa A, é sabido que o Vitória teve um momento que o obrigava a apostar nos jovens. E isso ajudou-me muito. Como grande homem que é, não ligou a números nem a idades e simplesmente apostou no rendimento. Estou muito grato.
Há pessoas que dizem que eu apareci tarde, outras acham que podia ter aparecido mais cedo. Foi assim que aconteceu. Acho que não saltei nenhuma etapa, como muitos fazem, e fiz as coisas bem feitas.
«Espero que o Vitória SC chegue à final da Conference»
ZZ - Certamente recorda-se do triunfo do Vitória SC contra o Sporting. 3-2, o Dani entra aos 79 minutos e, instantes depois, marca o golo da vitória. Como foi esse momento?
DS - Recordando esse momento, foi mesmo um sonho. É engraçado que, nesse dia, grande parte da minha família estava no estádio, e isso não acontece muitas vezes. Entrei aos 79 minutos e marquei depois de tocar na bola pela primeira vez. Também foi curioso ter apontado o golo aos 80', que era o meu número. Ainda penso nesse momento atualmente, foi tudo perfeito.
É um dia que vai ficar para sempre gravado na minha memória. Marcar um golo decisivo, contra o campeão nacional, no nosso estádio, e conseguir dar os três pontos aos adeptos... Foi uma coisa que eu sempre quis e nunca imaginei, nem nos meus melhores sonhos.
ZZ - A sua saída do clube foi percecionada por muitos como brusca, o próprio Dani indicou que teve de tomar a decisão em poucos dias. António Miguel Cardoso, presidente do Vitória SC, abordou, na altura, a sua transferência e assumiu que a sua saída fazia parte do projeto vitoriano e que existia necessidade de vender. Como é que reagiu a esta questão? Pesou nos primeiros momentos depois da saída?
DS - Para ser sincero, não liguei. Ouvi as declarações do presidente, mas ele é o comandante do Vitória SC e é ele que sabe a situação que o clube enfrentava e enfrenta. Cada um gere a sua casa à sua maneira e tenho a certeza de que fez o melhor para o clube.
O meu foco nesse momento já estava mais no Verona e não queria preocupar-me muito com essas declarações. O presidente é um homem 100 por cento sincero, é um grande homem. Se ele disse, é porque é verdade.
ZZ - O que tem achado da caminhada histórica do Vitória SC na Conference League e do arranque sólido no campeonato?
DS - É fruto do trabalho. Têm um balneário excelente, os jogadores completam-se e levam a amizade para dentro de campo, isso nota-se. Com a quantidade de jogos que têm tido, o mister Rui [Borges] é obrigado a fazer algumas mudanças. Tenho muitas amizades lá, nota-se que estão todos felizes, falo regularmente com eles.
Vive-se uma boa felicidade e há futebol com qualidade, porque eles ganham, mas ganham bem, com bom futebol. É mais do que merecido, espero que cheguem à final da Conference e que ganhem aquilo tudo, para depois fazer a festa no Toural. E espero lá estar [risos].
ZZ - Que memórias levou do Vitória para o Verona e o que faltou fazer em Guimarães?
DS - Tenho muito orgulho em ter representado o Vitória SC, gostava de voltar um dia e acabar a carreira lá. Sinto que o meu caminho de rei ao peito ainda não está terminado. Foram cinco anos e meio, mas é algo que não se esquece.
É um amor muito grande. Apesar de torcer muito pelo Verona, o Vitória SC é também o meu clube como adepto. Não é que não tenha feito tudo ainda, mas gostava de voltar.
A minha namorada e a minha família são de Guimarães, sempre que tenho tempo livre passo por lá. São muitas as ligações ao clube e à cidade.
«Foi muito doloroso perder na final contra a Espanha, chorei muito nesse dia»
ZZ - Recuando um pouco na sua carreira, começou a jogar pelo Monte Caparica AC. Como surgiu a paixão pelo futebol e este clube na sua vida?
DS - Se formos ainda mais atrás, o primeiro desporto que pratiquei foi o basquetebol, dos três aos seis anos. O motivo é engraçado. Eu tinha muitas alergias em miúdo e a minha mãe, como mãe-galinha que era, não me deixava jogar futebol ao ar livre porque podia chegar a casa constipado. Então, colocou-me no basquetebol por ser praticado em pavilhão. A parte curiosa é que o meu pai fez o mesmo percurso que eu.
A minha jornada no desporto rei começou numa escolinha do Sporting, em Corroios, mas os meus pais rapidamente colocaram-me a disputar futebol de competição. Eles contam-me que eu tinha um remate que, quando acertava nos meus companheiros, colocava-os a chorar. É normal, eram miúdos. Então rumei ao Monte Caparica AC, ainda tenho muito amigos de lá e tenho ótima memórias da copa Fut21.
Depois, cheguei ao Benfica, estive lá cerca de três épocas e fui dispensado. Seguiram-se passagens por Belenenses e Vitória FC, antes de vir para o Vitória SC, que foi a melhor decisão que podia ter tomado.
ZZ - A nível internacional, conta com 25 internacionalizações jovens e participou na final do Europeu Sub-19, na derrota contra a Espanha por 0-2. Que sensações guarda dessa caminhada e dessa partida?
DS - Sensações muito boas. Se não me engano, estreio-me nos Sub-18, em Braga, e já nessa altura tinha em mente a ida ao Europeu. Na semana em que saiu a convocatória para os Sub-19, lembro-me de não conseguir dormir direito. Quase nem comi, não tinha apetite nenhum. Era uma coisa que significava muito para mim e também para a minha família.
Lembro-me que o meu pai prometeu que, caso eu fosse convocado, rapava o cabelo. Significava muito para nós e ter conseguido esse feito foi das melhores experiências que tive no futebol de formação. Perder a final contra a Espanha foi muito doloroso, lembro-me de chorar muito nesse dia. Fez parte do meu crescimento e levo esse torneio comigo sempre com muito carinho.
ZZ - Quais são as suas ambições para o futuro próximo? Almeja alcançar a seleção principal de Portugal, tem em vista um regresso a casa? O que podemos esperar do Dani no futuro?
DS - Claro que a seleção é o auge de qualquer atleta, em qualquer modalidade, mas o que vai na minha cabeça, para já, é conseguir ter boas exibições e ser uma peça fundamental no Hellas Verona. Vou trabalhar no máximo para ajudar o clube a garantir o objetivo principal, que é a manutenção.
E sinto que as coisas boas, como a seleção ou outros patamares, vêm por acréscimo. O foco, neste momento, é trabalhar todos os dias, como tenho feito até agora, para poder agarrar as oportunidades quando estas surgirem.
Em relação ao Vitória SC, vou estar sempre muito grato por tudo o que fez e, se depender de mim, prometo um dia voltar, com todo o gosto, ao clube.