O futebol é, historicamente, um meio de coincidências felizes. Diego Garcia é, como muito outros jogadores, um nómada futebolístico à procura de dar continuidade ao objetivo de ser profissional de futebol. Emigrado desde 2016, passou por Itália e Espanha, onde regressou esta temporada.

Nas Canárias - em Tenerife, para ser mais preciso -, o início de Diego não foi o mais fácil, mas rapidamente os astros se alinharam e, desde o dia 20 deste mês, há muitos motivos para sorrir.

Os maus resultados obrigaram o UD Ibarra a ir ao mercado por um treinador e o português, de ascendência argentina, convive agora todos os dias com o filho do seu maior ídolo (e origem do seu nome) - Diego Armando Maradona Jr.

Sair aos 18 em busca de um sonho: «A Liga Revelação e a Liga 3 não existiam»

Uma mensagem colocou-nos em contacto com Diego, muito prestável, que se ligou a nós de uma esplanada espanhola. «Já tinha estado cá de férias e foi uma das coisas que me levou a aceitar este projeto», começou por revelar o jogador.

qEm Itália, tive colegas que recebiam salários acima dos jogadores da Primeira Liga em Portugal
Diego Garcia

Natural da Maia, mas com raízes na Argentina, Diego Garcia começou a jogar no extinto FC Maia - antes de passar por Alfenense, Leixões, Boavista, Padroense e Paços de Ferreira, onde terminou a sua formação.

«Foi um choque muito grande na altura. Eu sou de 1997 mas, na minha altura, o Campeonato de Portugal não tinha a projeção que tem hoje e a Liga 3 e a Liga Revelação não existiam. Acabei o meu ano de juniores e, no final da temporada, sabendo que não ia ter possibilidades na equipa principal, procurei outros rumos. E uma das coisas que me apareceu foi Itália», disse o extremo sobre a saída do seu país natal.

Diego descreve a experiência italiana como positiva, apesar do choque de realidade muito grande. «Quando fui para Itália era muito jovem, um bocado inocente até. No início, fazia muitas comparações com o Campeonato de Portugal. Fui para a Série C e não tinha noção da dimensão da categoria, até que comecei a apanhar equipas como o Lecce e o Catania, com estádios enormes e dez mil pessoas nas bancadas. Em Portugal isso não acontece com equipas de 3ª divisão. Só aí comecei a ter noção da diferença entre Portugal e Itália.»

Diego ao serviço do UD Ibarra @Arquivo Pessal

A conversa continuou no país transalpino e afinal, a que divisão podemos comparar o nível a que jogou o português lá fora? «Por acaso, é um debate que eu tenho muitas vezes com muitos amigos meus. Eu acho que o jogador português é muito completo, temos muito boa formação e somos valorizados cá fora. O que acho que falta a Portugal é a parte financeira. Muitos jogadores do Campeonato de Portugal ou, até mesmo, na Liga 3 têm de procurar um trabalho porque não conseguem viver somente do futebol. Em Itália, tive colegas que recebiam salários acima dos jogadores da Primeira Liga em Portugal.»

Sobre um possível regresso a Portugal, o jogador de 27 anos assumiu que é um pensamento que paira na sua cabeça todas as temporadas. «Pondero isso quase todas as épocas. Chegaram a aparecer algumas equipas de Segunda Liga e de Liga 3, só que, pela parte financeira, nunca cheguei a aventurar-me. O alojamento e o passe internacional seriam suportados por mim.»

A febre Maradona: «Chegou como o salvador»

A conversa caminhou naturalmente para o novo panorama mediático do dia a dia do português: o encontro com o seu homónimo Diego, no UD Ibarra. Assim que ouviu o nome do astro, interpelou-nos e mostrou-nos a sua garrafa personalizada com autocolantes de El Píbe: «Olhem, até vos posso mostrar. Estou aqui a tomar o meu mate.»

Exatamente no dia em que Diego Armando Maradona completaria 64 anos, o português revelou-nos um aspeto importante de toda a história: «O meu nome é Diego por causa dele. A minha família é toda argentina e o meu pai deu-me este nome por ser um grande fã. Tem sido muito importante para mim.»

Durante a conversa, mostrou-nos a garrafa dedicada a Maradona @ZEROZERO

Apesar de não ser uma figura planetária, apenas o facto de ser filho do 10 arrastou multidões para o modesto Ibarra: «O impacto aqui na ilha foi incrível. Não tínhamos ninguém a ver os treinos e hoje temos 200, 300 pessoas. Aqui perto há uma cidade que se chama Arona e tem quase cinco mil italianos. No jogo passado foi loucura... Argentinos, italianos e espanhóis, de todo o lado, vêm cá para poder ter algum contacto com o filho de Maradona. Pessoas com camisolas da Argentina, do Newell´s, do Nápoles... Tivemos muito apoio.»

A vergonha de Diego - o português -, deixou-o reticente em abordar o treinador numa primeira instância, mas o argentino fez questão de o deixar à vontade. «Ele já tinha feito uma pequena pesquisa sobre o plantel. Quando chegou, já sabia que eu tinha estado em Itália, que tinha descendência argentina e ficámos rapidamente com um bom laço.»

Como é Diego Armando Maradona Jr. como treinador?

A pergunta do subtítulo surge naturalmente. Há ADN Maradoniano em Diego Jr.: «É um romântico. Sinceramente, estava com a ideia que ele viesse com as ideias italianas, pois foi lá que ele fez a sua formação. Tem algumas parecenças com o pai quando, por exemplo, no Mundial de 2010 ele tentava incentivar a equipa com as palavras. Procura sair desde atrás, a sair a jogar sempre. Gosta muito de jogadores bons tecnicamente, que procuram as suas individualidades no último terço do campo. Quer um jogo apaixonante. Ele já me confidenciou que, muitas das bases que tem, foi de conversas com o pai, sentados à mesa a falarem sobre futebol.»

Bandeiras argentinas no primeiro jogo de Maradona Jr. @UD Ibarra

A chegada do ítalo-argentino a Tenerife foi mediática fora do campo e vencedora dentro dele. O Ibarra venceu o Arucas, primeiro classificado, depois de um arranque em falso e, para Diego, o novo treinador foi muito importante nesta conquista. «Não foi preciso muita coisa, foi tudo palavras e motivação. As palavras que ele disse antes do jogo e durante a semana chegaram-nos realmente ao coração. Chegou quase como um salvador, no jogo mais difícil que tivemos até agora, contra uma equipa sem nenhuma derrota. Foi muito especial.»

Em tom de fim de conversa, voltou a ficar bem patente a felicidade de Diego em conviver com o filho de D10S: «É uma pessoa muito humana. Para mim, Maradona é como se fosse um Deus. A proximidade que eu tenho para ouvir histórias dele... é surreal.»

Veio de férias e acabou na seleção nacional... de MiniFootball

Uma visita de férias a casa valeu a Diego uma chamada à seleção nacional... de Minifootball. Sim, além de profissional de futebol em Espanha, Diego representou Portugal no Europeu de Minifootball - modalidade de futebol de sete, jogada em sintético -, em 2022, na Eslováquia.

«Os meus amigos têm uma equipa de futebol de sete e eu inscrevi-me. Juntei-me com eles para poder manter o ritmo e poder desfrutar de jogar com amigos. A experiência correu bem e comecei a ter o convite para ir aos estágios da seleção. Depois fomos ao Europeu.»

Diego no Europeu de MiniFootball @Arquivo Pessoal

Adepto confesso da Kings League, Diego considerou a experiência como enriquecedora, numa modalidade que tem «tudo para crescer». «Foi uma experiência muito positiva. Diverti-me muito e acho que cada vez mais o futebol de sete está a crescer em Portugal. E que assim tem de ser, porque cada vez há mais praticantes.»

Apesar de já se terem passado dois anos, o jogador traçou-nos um bocadinho o caminho de Portugal na competição, já que o MiniFootball ainda não chegou ao nosso zerozero.

«A nossa seleção chegou lá fora só com jogadores amadores e encontramos seleções que tinham jogadores de futsal de primeira e segunda divisão a participar nestes campeonatos. Ganhamos o último jogo da fase de grupos à Ucrânia e isso deu-nos acesso, pela primeira vez, aos oitavos final. Depois acabamos por perder contra a Roménia, mas termos conseguido chegar aos oitavos final foi algo muito importante.»

Diego no nome, Diego por culpa de Maradona. Diego discípulo do filho de El Pibe. D10S omnipresente.