Portugal derrotou a Dinamarca por cinco bolas a duas, no passado domingo, no Estádio José Alvalade. Francisco Trincão foi a figura do jogo ao marcar dois golos em apenas 10 minutos de jogo, o tempo suficiente para a salvação do cargo de Martinez.

“Se não gosta de sofrer, futebol não é para si”. Tenho a dizer que eu concordo com esta declaração de Roberto Martinez, sendo o futebol um jogo imprevisível e emotivo, claro que gosto de um jogo renhido onde sofro até ao último suspiro. Não gosto é de sofrer visualmente por desorganização total e falta de ideias.

Desde que Roberto Martinez chegou, foi-nos prometida uma lufada de ar fresco! Um futebol mais atacante, com mais ideias, mais recursos e de acordo com o treinador espanhol, mais golos! Prometeram-nos um desprender da ideia minimalista de Fernando Santos e romantizaram uma geração de ouro capaz de ganhar tudo e ser a melhor do mundo.

A verdade é que nos primeiros jogos da seleção, Martinez, ainda me conseguiu enganar com a sua “identidade ofensiva”. No entanto, só contra equipas como o Luxemburgo é que isso verificava. Bastou apanhar equipas ligeiramente mais fortes que o Liechtenstein, com todo o respeito ao país, que toda a identidade do espanhol voou com o vento.

O Caos na Cópia de Enrique

A identidade de Martinez ainda está por descobrir. Até estes dois jogos frente à Dinamarca, Portugal experimentou algumas formações que se mantinham sempre fiéis às suas posições. Passámos por o 4-3-3 normal com os jogadores presos às posições, 4-2-3-1 e até 3-5-2. Mas nunca tínhamos experimentado uma tática em 3-2-5 com tanta fluidez ofensiva e isso notou-se em Alvalade.

Martinez quis mostrar que foi ele o pioneiro da dinâmica da dupla de meio-campo de João Neves e Vitinha. Com isso, Portugal apresentou-se no seu 4-3-3 habitual, mas com uma alteração para 3-2-5 em posse e com nuances ofensivas similares às de outro espanhol, Luís Enrique.

Portugal iniciou o 4-3-3, com Diogo Costa na baliza; Rúben Dias e Inácio a defesas centrais; Nuno Mendes e Dalot a laterais; Vitinha, Bruno e Bernardo no meio-campo; Leão, Conceição e Ronaldo no ataque.

Já em posse de bola, no aspeto ofensivo, Portugal transitou para um 3-2-5, normalmente com Vitinha, Inácio e Rúben Dias a completar a linha de 3 atrás. Depois Bruno Fernandes e Bernardo a fazerem os papéis no meio-campo de Vitinha e João Neves, no PSG. E a linha de 5 à frente com Leão e Conceição fixos nas alas e os laterais Nuno Mendes e Dalot a jogar como “avançados interiores”.

Já tendo feito uma exposição tática ao PSG de Enrique, posso afirmar que é uma equipa brilhante e extremamente afinada, no entanto, acredito que seja o fruto de muito tempo a trabalhar as dinâmicas entre os jogadores. Sabendo o tempo que leva um estágio de seleção, posso dizer que é difícil afinar esse estilo de jogo. E foi por isso mesmo que se verificou tanta desorganização.

O processo ofensivo de Portugal, apesar da semelhança ao sistema do PSG, demarcou-se pela diferença na abordagem do jogo interior. Enquanto o PSG normalmente coloca os laterais a subir nas costas dos extremos, o sistema português procurou manter os dois extremos de pé contrário ao seu lado, fixados nas alas e os defesas laterais a jogar por dentro.

O problema desta abordagem é que estamos a colocar dois jogadores como Francisco Conceição e Rafael Leão, que puxam para dentro para utilizar o seu pé mais forte, a abrir bem nas alas. E estamos a colocar Diogo Dalot e Nuno Mendes a jogar por dentro, numa posição que os obriga a puxar para dentro, só que veem-se obrigados a usar o seu pé mais fraco.

Penso que o objetivo de Martinez, com esta forma nova de utilizar os dois laterais, fosse fazer movimentações dos extremos abertos de fora para dentro, para possibilitar a desmarcação dos laterais, que estão por dentro, nas costas da defesa para a zona lateral de cruzamento.

No entanto, não foi isso que acabou por acontecer. Apesar de no lado direito, Conceição e Dalot, terem tentado algumas vezes estabelecer essa dinâmica, o jogo do lateral direito acabou por ficar sempre por dentro. Já no lado esquerdo, com um Rafael Leão completamente apagado, Nuno Mendes limitou-se a cruzar a partir do bico da área.

Apesar do apagão de Leão, o perigo veio do lado esquerdo, por intermédio de Nuno Mendes, os cruzamentos no bico da área acabaram por causar perigo, tanto que logo no início do jogo, Ronaldo ganha um penálti graças a um grande cruzamento e um grande arrastamento da defesa feito por Dalot. O Capitão bem pôde agradecer aos seus laterais.

Portugal podia ter jogado mais por dentro, mas não foi só a questão das trocas nas alas que proporcionaram a desorganização. As trocas entre os três médios criaram imensas perdas de bola no meio-campo lusitano. Víamos, por norma, Vitinha na linha de três centrais, mas também chegámos a ver Bernardo a descer e até Bruno na posição de Nuno Mendes.

A fluidez no meio-campo faz parte do PSG de Luís Enrique e Martinez bem tentou com que ela fizesse parte de Portugal. Porém, julgo que se Luís Enrique visse tanto buraco no meio sentia uma coisa má. O meio estava desfalcado, Bernardo Silva não tinha o necessário para defender e Bruno Fernandes estava em demasiados sítios ao mesmo tempo.

No processo defensivo, Portugal defendeu em 4-1-4-1. A seleção conseguiu não deixar a equipa dinamarquesa sair muitas vezes, ao contrário do primeiro jogo. Mas por conta de erros individuais, como passes falhados ou pressões mal feitas, que deixavam Vitinha sozinho caso a segunda barreira de pressão fosse batida, a Dinamarca conseguiu capitalizar, quer fosse de canto ou na transição.

Mas nem tudo é demérito nosso, a seleção dinamarquesa também veio muito bem preparada para fechar a seleção das quinas e deixá-la sem ideias. Os dinamarqueses sabiam que Martinez apostaria nas alas, por isso estabeleceram uma tática capaz de os deixar em superioridade nas extremidades do campo.

Desceram a linha e colocaram Eriksen e Hojlund junto dos dois médios portugueses, deixando assim os três de trás sozinhos a construir. Depois com duas linhas de quatro atrás, iam basculando de maneira a colocar sempre o extremo e o defesa lateral sobre os extremos portugueses, criando assim uma situação constante de superioridade.

O Ponto de Viragem chamado Jota e a Luz de Trincão

O jogo parecia perdido, estávamos sem ideias, não conseguíamos causar perigo e já estava tudo a culpar o Ronaldo, até à entrada de Diogo Jota aos 62 minutos. Sim, o grande herói foi Trincão, mas é com a entrada de Diogo Jota que o selecionador percebe que se calhar devia ter jogado mais por dentro.

O avançado do Liverpool é o simbolismo de uma mudança na abordagem do jogo. Com a entrada de Jota, Nuno Mendes começa a avançar mais no terreno pela ala, e agora com um perigo adicional por dentro, a Dinamarca não sabe em quem pegar. É assim que se dá o golo de Ronaldo, com Diogo Jota por dentro a baralhar a defesa e possibilitar o remate de Bruno que dá a recarga de Ronaldo.

Toda esta realização de mais jogo interior, deve ter despertado em Martinez uma luz ao fundo do túnel…meter um dos melhores avançados interiores nacionais, Francisco Trincão.

Com a entrada de Trincão e Semedo, passamos a ter o jogo por dentro que Dalot e Conceição não estavam a conseguir proporcionar. E com um Trincão inspirado, Portugal conseguiu fazer o golo que precisava para ir a prolongamento.

A partir do prolongamento, Portugal jogou da melhor forma que podia. Trincão mais uma vez inspirado mete a bola no fundo das redes e faz um passe delicioso para Jota que depois assiste Ramos. O melhor assistente da Liga e o jogo por dentro foram a salvação de Portugal.

Quem diria que jogar por dentro, com jogadores com o pé contrário ao lado que estão e que são disruptores de jogo, ao invés de laterais nessa posição, daria mais situações de perigo, não é Roberto?