18 meses depois, António Souza superou uma rotura de ligamentos e leucemia e voltou aos relvados para marcar o golo da vitória do Freamunde contra o Penamaior.

O brasileiro escapou ao destino e tornou-se num exemplo de superação, resiliência e de coragem para lutar contra as peripécias da vida.

«Na segunda parte do jogo, o mister mandou-me aquecer juntamente com o Lima. Dez minutos depois fomos chamados para entrar e o meu coração acelerou. Quando tirei o colete de aquecimento, já estava emocionado só por saber que iria voltar a fazer o que mais amo. Lutei tanto, cara. Imaginei este dia tantas vezes, quis tanto voltar a jogar e Deus ajudou-me. Em dias de jogo, sempre que acordo, digo que vou marcar. Estava confiante que ia marcar se tivesse oportunidade. Felizmente entrei e sete minutos depois, ao segundo toque na bola, fiz golo», relatou a A BOLA.

Com a voz embargada, o avançado de 33 anos explicou o que sentiu durante os festejos do golo.

«Pensei: ‘Deus, vencemos’. E abracei os meus amigos. Estava em dívida para com eles assim como para com a direção e todos os que me ajudaram a voltar a jogar. Nunca me deixaram desistir. Já era uma vitória só o facto de estar em campo. Emocionei-me também porque ajudei a equipa», rememorou.

«Cheguei a ter um saco cheio de lenços ensanguentados junto à cama»

A vida são dois dias. É o que habitualmente se diz, certo? Para entender o que António Souza viveu é necessário recuar até finais de 2023. O jogador do Freamunde rompeu o ligamento cruzado do joelho e o menisco direito. Uma lesão dura para quem joga futebol, mas foi esse infortúnio que acabou por lhe salvar a vida.

«Dia 29 de outubro sofri uma lesão contra o Lagoas. Fui de ambulância para o hospital de Penafiel sem saber a gravidade do que me tinha acontecido. A ressonância magnética confirmou rotura do ligamento cruzado e do menisco direito, além de uma fissura no osso. Fui operado a 5 de dezembro e comecei o processo de recuperação», lembrou.

Escassos meses depois, o futebolista natural de Recife começou a ter sintomas de leucemia.

«A 5 de janeiro comecei a ter os primeiros sintomas: espirrava e cuspia sangue. Não disse nada a ninguém, pensei que estava relacionado com a mudança de estação do ano. A situação agravou-se, cheguei a ter um saco cheio de lenços ensanguentados junto à cama. Nessa altura liguei ao meu patrão, o Sr. Mendes, uma pessoa fantástica, que me aconselhou a contactar a linha SNS 24 e fui encaminhado para o hospital», referiu.

Consciente do estado de saúde do seu funcionário, o patrão de Souza, proprietário de uma loja de móveis em Freamunde, recomendou-lhe uma clínica na zona.

«Fui avaliado na clínica e aconselharam-me a fazer análises e um exame ao pulmão. Estava a ver o jogo contra o Ferreira, a 22 de janeiro, quando as pessoas me disseram que estava amarelo. Isso ficou-me na consciência e fui fazer as análises. Continuava a deitar sangue pelo nariz, tinha febre constantemente e hemorragias nas gengivas. Concluiu-se que estava com uma grande alteração nas plaquetas», contou.

Souza procurou urgentemente um médico, entrou numa unidade hospitalar e acabou por passar lá a noite «assustado».

«Antes de ir para o hospital lembro-me de fazer uma mala e de o meu patrão me ter perguntado se queria que ele ficasse à espera. Disse que não, já estava a sentir que iria lá ficar. O médico disse-me que teria de fazer uma transfusão de sangue. Fiquei assustado e chorei. Passei a noite numa maca no hospital ainda sem saber o que tinha. Não deveria ter ficado junto aos outros doentes, era perigoso, visto que tinha as plaquetas baixas. De madrugada, uma enfermeira perguntou-me o que estava ali a fazer, tendo em conta os sintomas que tinha e colocou-me num quarto isolado dos restantes doentes. Pela manhã uma médica disse-me que tinha leucemia», recordou, com a voz embargada.

O avançado iniciou o tratamento em Penafiel antes de ser transferido para o hospital São João, no Porto.

«No Porto, fiz um exame à medula para confirmar a leucemia e iniciei a quimioterapia. Fiquei internado desde 23 de fevereiro até 10 de março. Voltei a 8 de abril e fiquei mais duas semanas em tratamento. Depois prosseguiu a quimioterapia mês sim, mês não. Pensei em deixar de jogar. As minhas pernas atrofiaram com os tratamentos, perdi toda a massa muscular. Ainda tentei fazer algum exercício no hospital, mas comecei a ter hemorragias e a médica aconselhou-me a parar. Suspenderam também a fisioterapia», partilhou.

O medo consumiu os sonhos, as ambições, enfim, o mundo de Souza.

«O meu mundo foi abaixo. Eu era uma pessoa tão saudável, cuidava-me tanto, mas a vida é uma surpresa. Estamos tão bem e do nada, somos derrubados. Foi um balde de água gelada. Não somos nada nesta vida. Temos de viver um dia de cada vez, ser felizes e não perder tempo com coisas que não valem a pena», frisou.

Quando percebemos que a única coisa que levamos é o que vivemos, começamos a viver o que queremos levar. Quiçá com esta filosofia, Souza agarrou-se à vida e lutou.

«Durante os tratamentos cheguei a tomar 140 comprimidos em 14 dias fora quando tinha de tomar antibióticos. Fiz 80 sessões de quimioterapia. Queria provar a mim próprio de que era capaz. Se não fosse Deus e a lesão, não tinha descoberto a doença. Não aceitei a lesão, não entendi a razão naquele momento. E obtive a resposta. Tive dias complicados num quarto de hospital sem saber se iria sair dali. A vida é tão passageira», concluiu.

Souza é acompanhado de dois em dois meses e faz análises duas fazes por ano à medula, mas o pior já passou. É tempo de voltar a sorrir, de preferência em campo.

«Acredito que quando queremos uma coisa, somos capazes. Todos os dias em que estamos vivos temos a possibilidade de ser alguém melhor. Sem desculpas. Passei por tanto, logo eu, que não bebo, não fumo e tenho cuidado na alimentação. E aconteceu-me isto. Se já dava valor à vida, se já gostava de viver, agora ainda mais», concluiu.