
Paulo Gonçalves Marcos, Presidente do Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), refere à Forbes que, no caso português, numa fase inicial, o impacto das tarifas recíprocas americanas será concentrado num número restrito de empresas com forte exposição ao mercado norte-americano. “Contudo, não se devem ignorar os efeitos de segunda ordem decorrentes de uma recessão mais provável nos EUA, Alemanha e França – com impacto negativo no turismo com destino a Portugal e nas exportações portuguesas dentro da União Europeia”, salienta.

Que impacto tem as tarifas recíprocas impostas pelos Estados Unidos na economia europeia e, em específico, em Portugal?
A guerra comercial iniciada pela Administração Trump não constituiu uma surpresa, tendo em conta o histórico posicionamento do Presidente norte-americano. As suas críticas à desindustrialização dos EUA, à perda de empregos e às consequências sociais associadas à globalização são conhecidas há décadas. A base eleitoral MAGA representa, em grande parte, a expressão desse sentimento de alienação e frustração.
Neste contexto, e considerando os avanços e recuos da Administração Trump em matéria de tarifas aduaneiras, é possível destacar alguns pontos:
– Verificou-se um aumento significativo da volatilidade e da incerteza nos mercados;
– As economias de gama e de escala, fundamentais nas cadeias globais de produção e distribuição, sofreram perturbações severas – muitas vezes causadas apenas pelo anúncio de novas medidas;
– Tanto os EUA como a Europa e grande parte do Sudoeste Asiático enfrentam riscos de abrandamento económico. A possibilidade de entrada em recessão dependerá da persistência da política comercial norte-americana, das eventuais retaliações de outras economias e da capacidade das cadeias globais de valor.
No caso português, numa fase inicial, o impacto será concentrado num número restrito de empresas com forte exposição ao mercado norte-americano. Estima-se um abrandamento do crescimento do PIB entre 0,4% e 0,6%.
Os efeitos no emprego, na receita fiscal e no consumo das famílias deverão ser moderados. No entanto, não se devem ignorar os efeitos de segunda ordem decorrentes de uma recessão mais provável nos EUA, Alemanha e França – com impacto negativo no turismo com destino a Portugal e nas exportações portuguesas dentro da União Europeia. Se tal cenário se confirmar, os efeitos para a economia nacional poderão intensificar-se, refletindo-se nos mercados de trabalho e habitação, na arrecadação fiscal e no equilíbrio orçamental.
“Os efeitos para a economia nacional poderão intensificar-se, refletindo-se nos mercados de trabalho e habitação, na arrecadação fiscal e no equilíbrio orçamental”
Dado o peso que os EUA têm nas exportações nacionais, as empresas portuguesas serão muito atingidas?
Apesar de os Estados Unidos serem atualmente o quarto principal destino das exportações de bens produzidos em Portugal, e de apresentarem um crescimento significativo enquanto mercado de destino, representam apenas cerca de 4,6% do total das exportações portuguesas – muito abaixo dos mais de 71% destinados ao mercado da União Europeia.
Deste modo, o impacto global dependerá de vários fatores, nomeadamente:
- da elasticidade da procura face ao preço dos bens exportados por Portugal;
- da capacidade de outros países ou da produção local substituírem os produtos portugueses;
- da estratégia comercial adotada pelos importadores, nomeadamente se optam por absorver ou repassar total ou parcialmente o aumento de custos decorrente das tarifas.
Embora os efeitos concretos sejam difíceis de antecipar – dada a conjugação de múltiplos fatores externos –, é possível estimar que uma parte significativa das exportações nacionais se insere em mercados com elasticidade-preço moderada a elevada.
Assim, é expectável que o impacto mais acentuado se faça sentir num número limitado de empresas com produção em território nacional e forte exposição ao mercado norte-americano, sendo estas as mais vulneráveis aos constrangimentos referidos.
Como é que o setor bancário português pode ser afetado por esta guerra?
Numa fase inicial, os impactos sobre o setor bancário serão pouco significativos, uma vez que os Estados Unidos representam uma parcela reduzida do destino das exportações portuguesas. A economia nacional continua fortemente assente numa base industrial orientada para os países da União Europeia, complementada por uma balança de serviços estruturalmente positiva – com destaque para o turismo.
Além disso, os bancos de retalho a operar em Portugal apresentam níveis de capital robustos e superaram recentemente os testes de stress realizados, o que reforça a sua resiliência perante choques externos.
No entanto, caso a guerra comercial se prolongue para além da moratória de 90 dias decretada pela Administração Trump, é previsível um abrandamento nas perspetivas de crescimento económico em Portugal. Isso poderá dificultar o acesso das empresas aos mercados de capitais (nomeadamente através de ofertas públicas de venda/OPV ou introduções em bolsa/IPO), e reduzir as expectativas de rendibilidade para o setor bancário.
Ainda assim, este cenário não compromete, numa fase atual, a solvabilidade nem a liquidez do sistema bancário português.
“Caso a guerra comercial se prolongue para além da moratória de 90 dias decretada pela Administração Trump, é previsível um abrandamento nas perspetivas de crescimento económico em Portugal”
Estas tarifas visam sobretudo setores industriais, mas existem efeitos colaterais no acesso ao crédito ou na estabilidade dos mercados financeiros?
Nos Estados Unidos, sim. A imposição de tarifas tem gerado maior volatilidade nos mercados, com quedas nos índices bolsistas e nas obrigações, bem como aumentos nos preços de bens como veículos automóveis, equipamentos de telecomunicações, vestuário e calçado, entre outros. Estes movimentos têm contribuído para a desvalorização do dólar, a subida das yields da dívida pública e privada, e um aumento do prémio de risco associado.
Quanto à duração e profundidade destes efeitos nos EUA, permanece a incerteza – será que os mercados conseguirão conter ou moderar as decisões da Administração norte-americana?
No que diz respeito à Europa, o potencial de contágio é real, embora se preveja que, numa fase inicial, os efeitos sejam de fraca a moderada intensidade.
Como avalia a resposta da UE até agora?
A resposta da União Europeia tem sido prudente e estratégica. Tem evitado alimentar o conflito, optando por não desencadear uma reação em cadeia, e mantendo-se aberta ao diálogo, enquanto recorda a sua capacidade de retaliar, caso tal se revele necessário.
A Comissão Europeia tem também sublinhado, e bem, que o aumento cego de tarifas alfandegárias, sobretudo em setores nos quais a produção europeia é insuficiente – como o gás natural, petróleo, medicamentos ou tecnologias de defesa – acabaria por penalizar diretamente os cidadãos e as empresas europeias. A postura da Comissão tem sido exemplar ao evitar a escalada do conflito e ao manter o foco numa solução negociada.
Importa ainda recordar que, apesar do défice comercial dos Estados Unidos com a Europa no comércio de bens, este é amplamente compensado pelo excedente significativo dos EUA na área dos serviços – como software, consultoria e propriedade intelectual.
“Os indicadores de volatilidade nos mercados financeiros e cambiais atingiram recentemente os níveis mais elevados desde a crise de 2008”.
A instabilidade nas relações comerciais entre os EUA e a Europa já está a afetar o comportamento dos mercados financeiros. Vai influenciar também a confiança de quem queira investir em negócios, tanto na Europa como nos EUA?
Os indicadores de volatilidade nos mercados financeiros e cambiais atingiram recentemente os níveis mais elevados desde a crise de 2008. De forma transversal, os mercados – acionistas, obrigacionistas e cambiais – têm sinalizado que este aumento de incerteza irá penalizar os lucros das empresas, afetar a distribuição de dividendos e encarecer a emissão de dívida, tanto pública como privada. Esta tendência tem início nos EUA, mas com potencial de contágio a outras regiões, incluindo a Europa.
Adicionalmente, a crescente instabilidade poderá acelerar a perda de centralidade do dólar enquanto principal moeda de reserva e de troca a nível global – algo que não se via desde o fim do sistema de Bretton Woods.
Tempos de incerteza tendem a levar ao adiamento de decisões relevantes de investimento. Por conseguinte, é expectável um abrandamento considerável da economia mundial, com impacto na confiança dos investidores, tanto nos Estados Unidos como na Europa.
“Tempos de incerteza tendem a levar ao adiamento de decisões relevantes de investimento”.