"Por quase todas as manhãs, acima de 100 pessoas estão lá fora (...) São jovens, pessoas abaixo de 40 anos (...) que procuram ganhar a vida aqui. Isto é falta de emprego, embora dê para fazer algumas moedas aqui", explica à Lusa Fernando Ximbitana, o mais antigo do grupo, minutos antes de começar a descarregar um dos vários camiões que trazem mercadorias aos armazéns da antiga fábrica.
A Textáfrica, um dia uma referência na produção têxtil na África Austral, fechou as portas há mais de duas décadas, deixando uma infraestruturas gigantesca em Chimoio, um "elefante branco falido" na província de Manica, centro do país.
Por muitos considerado o "coração" de Chimoio, em plena atividade, a fábrica chegava a empregar quatro mil trabalhadores, que maioritariamente ficaram sem trabalho, já que, com a falência da empresa, morreu também o setor têxtil em Moçambique.
"Aquele que fosse um tintureiro, um fiandeiro e um tecelão não conseguiu arranjar trabalho em lado nenhum porque já não existiam fábricas têxteis", explica à Lusa Angêlo Jerónimo, atual responsável de manutenção das infraestruturas da Textáfrica.
Além de ter sido operário da fábrica, Angêlo Jerónimo foi futebolista, uma referência do Grupo Desportivo e Recreativo da Textáfrica do Chimoio, primeiro campeão nacional de futebol constituído pela antiga empresa e que ainda sobrevive, embora atualmente na última posição da tabela classificativa da principal prova de futebol moçambicano.
Hoje, além do clube, o que resta da Textáfrica, penhorada pela banca no processo de falência, serve de armazéns arrendados a pequenos empresários que procuram espaço para guardar mercadorias.
Com o certificado da 12.ª classe em casa, Fernando Ximbitana hoje lidera o grupo de jovens que descarrega esses produtos.
Em média, Ximbitana leva para casa pelo menos 100 meticais (pouco mais de um euro) por dia para sustentar os três filhos e a sua mulher.
"Lamentamos que se pague pouco, mas vale a pena estar aqui do que com algemas nos braços", atira Ximbitana, com os olhos no próximo camião que acaba de entrar no recinto da antiga fábrica.
"Tem muita gente que terminou a 12.ª classe, mas está aqui a carregar sacos (...) eu sou um deles. Dependo disso para sustentar a minha família, mas se apanho uma malária a minha casa fica mal", acrescenta Ximbitana.
São milhares de sacos de diversos produtos que são descarregados em camiões de pequeno e grande porte, num frenesim contagiante e aparentemente fácil para "contornar" um problema que, num universo de 32 milhões de moçambicanos, afeta um terço dos cerca de 9,4 milhões de jovens que existem no país: o desemprego.
"O nosso corpo se acostuma com esse peso", explica à Lusa Henriques Vasco, 32 anos.
Além dos sacos na cabeça e poeira de mercadorias, o que resta aqui para esta juventude são as histórias dos bons momentos que a fábrica trouxe para Chimoio.
"A minha mãe contou-me que nesta fábrica até existiam creches para as crianças dos trabalhadores. Eu cresci aqui. É triste ver isto assim", conta à Lusa Salume Xirama, fiel de armazém, cuja mãe trabalhou na Textáfrica há décadas.
Hoje, em comum, as dezenas de jovens que aqui trabalham têm o mesmo sonho: voltar a ver fábrica a funcionar.
"Nós aqui temos falta de emprego e seria importante ver esta fábrica a funcionar. Fazemos estas moedas, mas não é sustentável", declara à Lusa Viana Alfredo, 20 anos, outro jovem carregador.
Este é um sonho alimentado por promessas políticas já conhecida em Chimoio, sobretudo em períodos eleitorais, mas quem dedicou as últimas décadas a proteger o que resta da infraestrutura sabe que é necessário mais do que "discursos".
"Ao fim de tantos anos ligado a isto, tenho as minhas dúvidas (...) Seria bom ver esta indústria revitalizada, talvez em diferentes moldes. Mas tenho dúvidas", concluiu o responsável de manutenção das infraestruturas da Textáfrica.
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