É o mar de Cascais que se estende para lá da varanda debruçada na baía, mas os amarelos e terracota, os verdes temperados com a frescura do limoeiro vivo e os vasos Testa di Moro pintados à mão, que contam a trágica história de amor e traição entre uma siciliana e um mouro, transportam-nos facilmente para paragens da costa Amalfitana. E o que o paladar vai descobrindo em explosões de sabores que nos surpreendem desde a entrada, faz-nos jurar que é na Sicília que nos sentamos à mesa.
Não será por acaso. Em cada uma das suas casas, Miguel Garcia faz questão de criar experiências imersivas, mas profundamente reais e sensoriais, daquelas a que se volta sempre com prazer, que passam a fazer parte das primeiras opções, seja para juntar amigos ou para celebrar em família. Pelo que este Corleone, Ristorante Al Mare, de seu nome completo, é um verdadeiro italiano, que qualquer nonna siciliana se orgulharia de dizer ter sido inspirado pela sua cucina.
Inaugurado há pouco mais de seis meses, é mais um caso de sucesso do grupo São Bento, em que Miguel, após 20 anos de uma carreira de luxo que o levou do Copacabana Palace ao Tivoli Avenida da Liberdade, juntou o Café de São Bento (renovado na qualidade, mas mantendo toda a tradição e acolhimento de mais de 40 anos a servir os melhores bifes de Lisboa), o clássico Bougain (que desde a primavera do ano passado mantém a Casa da Pérgola, em Cascais, apinhada de gente feliz), o histórico Snob (ontem reaberto como se nunca tivesse estado em pausa, não faltando sequer o senhor Albino, desta vez sentado à mesa) e este italiano inspirado no Sul de Itália.
"O nome não tem nada que ver com máfia", ri-se, enquanto explica ao SAPO que o trouxe da região siciliana, apimentado numa profusão de deliciosos pratos saídos do engenho e arte de Rudolfo de Santis. O chef nascido em Puglia, que passou por restaurantes Michelin em Roma e Paris, antes de fundar o grupo Nino Cucina no Brasil — onde os caminhos de ambos se cruzaram de novo, depois de se terem conhecido em Genève — é o responsável por uma cozinha única em Portugal, aonde todos os produtos chegam diretamente das origens italianas.
"Ficámos amigos há muitos anos e quando comecei a ter a ideia de um restaurante italiano pensei logo nele para fazer o menu", conta Miguel Garcia ao SAPO. O desafio foi aceite e o teste cumprido com distinção, graças ao conhecimento dos sabores e dos melhores fornecedores que garantem os ingredientes mais frescos e autênticos, e que incluem Negrini e BCGourmet. Da burrata, à pasta grano duro, do parmesão às farinhas, do grana padano ao pecorino, tudo vem diretamente de Itália para a cozinha do Corleone. Só a carne e o peixe são portugueses, para assegurar maior frescura — e se a há, com o atum e o robalo a chegarem ali mesmo da praça ao lado, e as peças de carnes (nem todas, porém) encomendadas ao mesmo fornecedor que todos os meses entrega 2 toneladas de lombo para fazer os incomparáveis bifes do Café de S. Bento.
Num menu idealizado para uma casa que se quer fazer de clássicos, não faltam a carbonara e o linguine al pesto, a amatriciana e o spaghetti alle vongole entre os Primi. Tudo massas frescas, feitas na casa, naturalmente, para saborear após deliciosos antipasti como o vitello tonnato ou o crudo di spigola. Mas não se entusiasme com o que vê primeiro ou corre o risco de não chegar aos principais em condições... e acredite que vale mesmo a pena provar as estrelas desta companhia, quer a sua preferência recaia sobre comida de conforto como o típico polpettone que parece roubado à nonna quer opte pelo incrível ossobuco di vitello, a desfazer-se no próprio molho.
"O ossobuco foi o prato mais difícil de conseguir... chegámos a abrir e nos primeiros dez dias não tínhamos o prato disponível, porque não conseguiam atinar com o nosso pedido", conta Miguel Garcia. E assim se vê bem o grau de detalhe: o ossobuco é de vitela de leite, de seis meses, feito a baixa temperatura, e foi preciso convencer o fornecedor a enviar para Portugal a peça inteira, comprar uma serra e cortá-lo na cozinha do restaurante, para garantir que se apresentava no prato como o chef pretendia.
A acompanhar a refeição, que antecipamos sempre longa, dado o prazer com que ali nos sentamos à mesa, a carta de vinhos é outra experiência, composta em 75% por italianos, a que se juntam mais umas dezenas de rótulos portugueses, para levar os clientes a experimentar o sabor do Etna, a aventurar-se no s aromas italianos, de Piemonte à Sicília. "Nós somos pouco aventureiros, quase só consumimos o que produzimos e eu gosto que quem aqui vem se sinta um descobridor. E tem resultado. Até já me pediram o contacto de fornecedores para comprar vinhos que aqui tenho para casa", conta.
Os pormenores a que vai ou a que se entusiasma a ceder não se limitam aos sabores, longe disso. O Corleone instalou-se no edifício histórico erguido pelos terceiros Duques de Palmela em 1903, em plena Baía de Cascais, e que, após várias transformações, alberga hoje o Villa Cascais Boutique Hotel. Mas o restaurante tem a mão do dono em tudo, dos talheres e loiças usados pelos clientes ao lindíssimo bar ondulante, transferido da sua ideia para o lápis da arquiteta com quem Miguel Garcia projetou todo o espaço e desses esboços para a folha de obra do marmorista que trabalhou o travertino. Foi ele que escolheu e comprou as luminárias, o papel de parede, os chapéus de sol, as mesas e cadeiras, absolutamente tudo.
O objetivo é servir aos seus clientes, portugueses ou vindos de outras paragens, a experiência completa de uma bolha siciliana em Cascais. Ao ponto de ter conseguido os mais exclusivos recipientes para servir um cocktail muito especial. "O Basilico al Limone, feito à base de gin, limoncello e manjericão, é servido em cabeças Testa di Moro. Reza a lenda que um mouro que fazia negócios entre a Sicília e o Norte de África estava noivo de uma siciliana e ela descobriu que ele a enganara. Então cortou-lhe a cabeça e pô-la em exposição na varanda, com flores dentro, para mostrar como as mulheres dali lidam com a traição", conta Miguel. Estas são de loiça, tradicionais e limitadíssimas porque chegadas diretamente do atelier de um artesão em Sicília que, dado o reduzido número de cabeças que se consegue produzir de forma artesanal por ano, limita a sua venda a encomendas de seis por pessoa. "Tive de comprar com nomes e moradas diferentes para conseguir, mas consegui tê-las aqui, umas como vasos, outras para o cocktail." Simples... não.