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2024, ano aeronáutico bizarro

A crescente segurança gera a perceção de que os acidentes estão "controlados". Contudo, em 2024, uma série de incidentes no mínimo bizarros revelou a existência de uma série de outros riscos.
2024, ano aeronáutico bizarro
AP

A investigação de qualquer acidente de avião é um processo multidisciplinar, minucioso e com acesso a diversos técnicos inequívocos. Graças às caixas “negras”, que registam todas as métricas essenciais do avião e os próprios diálogos entre os pilotos, é possível traçar os eventos com precisão e apurar as causas dos incidentes. Este trabalho envolve uma colaboração multinacional, integrando vários países, entidades oficiais e empresas privadas – fabricantes, companhias aéreas e até seguradoras. As conclusões obtidas são profundamente factuais e objetivas, mas sobretudo delas se extraem recomendações essenciais que são, depois, implementadas pelos reguladores através de legislação, pelos fabricantes de aeronaves e motores em sede de produção ou de atualização dos seus equipamentos e pelas companhias aéreas e escolas de formação de pilotos.

Graças a este rigor, o transporte aéreo tem-se afirmado como o mais seguro, mesmo num contexto de tráfego em crescimento ecologicamente insustentável. Um estudo divulgado em agosto de 2024 pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) confirma esta tendência: o risco de fatalidade no transporte aéreo comercial foi de 1 em cada 13,7 milhões de embarques de passageiros no período de 2018-2022, uma melhoria significativa em relação ao período de 2008-2017 (1 em cada 7,9 milhões) e um contraste impressionante com 1968-1977, quando o risco era de 1 em cada 350.000 embarques.

É esta crescente segurança que gera a perceção de que os acidentes estão "controlados". Contudo, em 2024, uma série de incidentes que podem ser descritos, no mínimo, como bizarros revelou a existência de uma série de outros riscos. Estatisticamente falando, os acidentes dos últimos dias do ano fizeram aumentar o número de vítimas mortais em 2024 para mais de 200, uma subida significativa em relação a 2023, que registou apenas 72 fatalidades.

Os acidentes que chamo "bizarros" de 2024 tiveram logo início a 2 de janeiro, com uma colisão na pista do Aeroporto de Haneda, em Tóquio. Um Airbus A350-900 da Japan Airlines colidiu com um Dash-8-300 da Guarda Costeira do Japão. Cinco dos seis ocupantes do Dash-8 perderam a vida, enquanto os 379 passageiros do A350 conseguiram evacuar antes de o avião ser consumido pelas chamas. A investigação revelou erros e falhas de comunicação entre os pilotos do Dash-8 e o controlo de tráfego aéreo, levando as autoridades japonesas a reforçar os procedimentos de segurança.

Quatro dias depois, a 6 de janeiro, um Boeing 737 MAX 9 da Alaska Airlines sofreu um colapso de uma porta durante a descolagem em Portland. A despressurização forçou um pouso de emergência, causando apenas três feridos e nenhuma vítima mortal. Este incidente colocou a Boeing sob intenso escrutínio regulatório, levando as companhias aéreas a cancelarem os voos com esse avião durante semanas a fio e levando o fabricante a suspender temporariamente a produção do modelo para melhorar as suas práticas de segurança.

O ano terminou tragicamente com um Embraer 190 da Azerbaijan Airlines abatido por defesas aéreas russas durante um ataque de drones na região de Grozny, no contexto da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, expondo os enormes riscos do sobrevoo de zonas em conflito e sobre os quais raramente existe uma decisão de proibição regulatória firme.

Finalmente, mesmo antes de o ano terminar, um Boeing 737-800 da Jeju Air colidiu com uma parede de betão no final da pista do aeroporto de Muan, na Coreia do Sul.

O ano 2024 demonstra que os fatores externos, muitas vezes alheios às companhias aéreas ou aos próprios aviões, são igualmente preocupantes e devem ser alvo de atenção. A segurança no transporte aéreo depende não apenas de regulamentações e formações, mas também de ações concertadas para mitigar riscos externos e é sobre isso que deveríamos trabalhar mais e melhor em 2025. Como se costuma dizer sobre o mar: "Há ar e ar, há ir e voltar."

Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo

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