Como cidadão português, reconheço a importância do Orçamento do Estado para o funcionamento do país. E também estou consciente dos limites impostos quando este é gerido em regime de duodécimos. A gestão de duodécimos, embora útil para evitar o bloqueio completo das contas públicas, impõe sérios constrangimentos à gestão financeira do país, considerando que não permite ajustamentos significativos. E o atual contexto internacional é altamente incerto e potencialmente impulsionador de contingências nacionais e internacionais.
Uma das grandes limitações do regime de duodécimos é a falta de flexibilidade. Ao não ser possível aumentar ou redirecionar investimentos em áreas prioritárias, como a saúde, educação ou transição energética, os portugueses ficam reféns de decisões anteriores que, embora válidas no seu tempo, podem não corresponder às necessidades no presente. No quadro económico, a gestão por duodécimos não permite uma resposta eficaz a choques externos, que hoje em dia são mais frequentes, nomeadamente devido à volatilidade dos mercados internacionais e ao preocupante contexto geopolítico global. Adicionalmente, a execução de grandes projetos de investimento, como os que dependem de fundos europeus, como o PRR, pode ficar seriamente comprometida. Os fundos comunitários têm prazos rígidos e exigem planeamento adequado. Num regime de duodécimos, a margem de manobra orçamental é limitada e pode não ser suficiente para cobrir eventuais necessidades de cofinanciamento ou assegurar a implementação de projetos dentro dos prazos estabelecidos pela União Europeia.
A relação entre o regime de duodécimos e o financiamento comunitário é particularmente relevante em Portugal. Portugal, sendo um beneficiário importante dos fundos europeus, precisa de garantir a execução atempada dos projetos financiados para não perder estas verbas. Se estivermos num regime de duodécimos, os cortes ou limitações no investimento público podem afetar diretamente a capacidade de mobilizar fundos europeus, uma vez que o Estado pode não conseguir dispor da contrapartida financeira necessária para desbloquear esses fundos. Projetos de modernização das infraestruturas, transição energética e inovação tecnológica, fundamentais para o futuro do país, podem ficar em risco de atraso ou até de cancelamento. Isto comprometeria não só o desenvolvimento do país como também a sua credibilidade junto das instituições europeias.
A situação ganha ainda mais complexidade se considerarmos o atual contexto internacional. Estamos a viver uma época de enorme instabilidade, com a invasão da Ucrânia pela Rússia a ter repercussões económicas e geopolíticas graves em toda a Europa, incluindo em Portugal. Esta guerra trouxe a necessidade urgente de reforçar as capacidades de defesa, ajustar as nossas políticas energéticas e diversificar as nossas fontes de energia. Depois, a crescente tensão no Médio Oriente, a guerra comercial entre os EUA e a China e a tensão nuclear crescente agravam a incerteza nos mercados internacionais.
Perante este cenário internacional, um chumbo do Orçamento do Estado, sobretudo num período pós-eleitoral recente, seria desastroso. O país acabaria por enfrentar uma gestão financeira limitada num momento em que é necessário responder com rapidez e eficiência aos desafios internacionais. As tensões geopolítica e comercial (e nuclear) entre grandes potências afetam diretamente as cadeias de abastecimento globais, a inflação e os preços da energia, todos fatores que impactam diretamente a economia portuguesa. Com uma guerra comercial entre os EUA e a China, a Europa, e Portugal em particular, precisa de reforçar as suas capacidades industriais e tecnológicas, algo que exige um orçamento robusto e flexível, o que o regime de duodécimos não permite.
Por outro lado, a transição energética, uma prioridade para a União Europeia e para Portugal, também sofre com a gestão em duodécimos. Num momento em que o mundo parece cada vez mais dividido entre a transição para fontes de energia renováveis e a dependência contínua dos hidrocarbonetos, o nosso país precisa de investimentos estratégicos em energias limpas. Portugal, com o seu potencial de produção de energia solar e eólica, tem uma oportunidade única de se posicionar na vanguarda da transição energética europeia. No entanto, sem um orçamento que aloque de forma clara e direcionada os recursos necessários para esse fim, corremos o risco de perder competitividade e ficar para trás.
Por fim, este regime pode acentuar as tensões sociais internas. Numa altura de incerteza internacional, o país precisa de estabilidade interna. Um Orçamento do Estado robusto seria um sinal de confiança e de compromisso com a resolução dos problemas sociais e económicos. Um regime de duodécimos, pelo contrário, transmite a sensação de paralisia governativa e pode contribuir para um aumento da desconfiança nas instituições e no sistema político, o que seria desastroso numa altura em que a coesão interna parece ser mais importante do que nunca.
Economista e professor universitário