Na sociedade atual, existe um paradoxo que marca o dia-a-dia das grandes cidades. Estes grandes aglomerados populacionais, ricos em oportunidades profissionais e atividades culturais, são também espaços de grande solidão e isolamento. Face a esta situação, a Organização Mundial de Saúde decidiu criar, entre 2024 e 2026, a Comissão para a Conectividade Social, que procurará priorizar o estudo dos efeitos adversos da solidão na saúde humana.

O isolamento social passou, assim, a ser considerado uma ameaça à saúde pública. Enquanto sociedade, em termos práticos, resta-nos avaliar os pontos onde podemos melhorar. Neste caso, enquanto empresário, destacaria a cultura de trabalho, atividade à qual usualmente dedicamos oito horas dos nossos dias. Os espaços onde trabalhamos e a forma como trabalhamos têm um grande impacto na maneira como nos relacionamos com aqueles que nos rodeiam. As cidades precisam de espaços de trabalho virados para o contacto comunitário, a colaboração estratégica e a mobilidade eficiente, que diminui o tempo passado em deslocações.

Foco-me na cultura do trabalho porque, infelizmente, a solidão e o isolamento não são realidades que interfiram apenas com o desenvolvimento saudável da população mais idosa. Também a geração mais nova, em idade trabalhadora e exposta a novas realidades de trabalho, tem dificuldade em encontrar uma comunidade quotidiana e nutrir relações, pessoais e profissionais, coesas. Afinal, do que precisamos? O trabalho híbrido e a flexibilidade não são suficientes?

Acredito que o trabalho híbrido e a possibilidade de ter uma carreira mais flexível, muito comum no caso de freelancers e nómadas digitais, mas cada vez mais natural em várias empresas, pode ter impacto negativo na vida destes profissionais, sobretudo se não existir um reforço ativo da procura de espaços e momentos de socialização. No fundo, a flexibilidade e o trabalho remoto sem o foco na comunidade pode ter efeitos adversos que agudizam ainda mais a crise da solidão.

É neste contexto que os espaços de trabalho flexível ou de coworking surgem. Alguns deles servem apenas o propósito material de disponibilizar secretárias e espaços de trabalho confortáveis. Contudo, há exemplos de espaços espalhados pelas cidades que oferecem serviços comunitários, sessões de convívio e sessões de formação e desenvolvimento profissional abertas à população. Para quem trabalha no setor, não é incomum cruzarmo-nos com pessoas sem opção de trabalho flexível, mas que já passam parte do seu tempo livre com amigos e familiares em eventos, como concertos, arraiais ou conferências temáticas, realizados em espaços de coworking.

Cada vez mais, este é um setor que reconhece a influência positiva que pode ter na coesão social das cidades, procurando convidar os profissionais e população em geral ao encontro e ao convívio. Este convite à aproximação entre as pessoas começa logo no design do espaço, no qual frequentemente vemos soluções arquitetónicas em open space, esplanadas e cozinhas partilhadas. O objetivo destas escolhas é claro: promover o contacto, gerar encontros espontâneos e agilizar a colaboração. Como profissional com bastante experiência no setor do coworking, interpreto a atual crise da solidão com sentido de responsabilidade, antevendo que os espaços que giro podem tornar-se polos comunitários pensados simultaneamente para a colaboração e a eficiência. Ainda assim, acredito que este setor tem procurado posicionar-se de forma criativa e proativa face a estes desafios que vulnerabilizam as comunidades onde atuamos.

Para terminar, para alguém que gere 12 espaços de trabalho flexível espalhados pelo país, é significativo ter consciência das especificidades de cada comunidade. Ter a capacidade de avaliar necessidades, permite-nos maximizar sinergias e identificar pontos de interesse que podem beneficiar uma comunidade. No fundo, este contacto próximo com os principais agentes destes locais, é essencial para oferecer um serviço de trabalho flexível que vai além da produtividade e do tempo passado à secretária, contribuindo ativamente para a coesão da comunidade que frequenta e rodeia os nossos edifícios.

Miguel Ricardo, General Manager do SITIO