No dia em que, na Alemanha, a direita quebrou a cerca sanitária com a qual uma cada vez mais reduzida maioria dos governos europeus quis encurralar os partidos extremistas, mais ou menos novos, que parecem representar uma fatia crescente de cidadãos, há um Portugal que continua a leste da realidade.

Berlim terá entendido (certamente de olhos postos na Áustria, em Itália, nos Países Baixos...) que acolher a vontade popular e ao mesmo tempo ganhar eficácia no combate aos extremismos obriga a puxar os radicais para o lado das responsabilidades políticas, cedendo alguma coisa (numa lei da imigração que passou com o apoio da extrema-direita) para não se ver despojada de tudo. Se o governo ali será capaz de manter o controlo da situação ou soltará as rédeas da extrema-direita — com consequências que podem ser mais dramáticas do que as que vemos à esquerda na vizinha Espanha — veremos mais adiante. Mas o governo alemão entendeu que manter-se teimosamente cego e surdo em relação a um tema que afeta profundamente a sociedade estava a fazer mais mal do que bem.

Antes que se levantem os revoltosos, não, não defendo o radicalismo. Nem à direita nem à esquerda, tão pouco nas suas formas mais modernas, que substituem o pensamento político pelas causas ditas fraturantes, defendidas por quem considera que um determinado bem devia ser sobreposto a tudo o mais e que se lixem as consequências. É precisamente por considerar que o bom senso e a temperança são fundamentais que acredito que faríamos melhor serviço puxando os radicais à responsabilidade do que deixando-os ecoar livre e ruidosamente os mais profundos sentimentos que se alimentam nas sociedades, obrigando-os também às cedências que parecem esquecidas até entre quem tem mais pontos comuns do que opostos. Mas em lugar de integrar enquanto é possível minimizar consequências, insiste-se numa fórmula que promove a fragmentação e trouxe a ingovernabilidade a sucessivos países. Portugal incluído.

Falamos de populismo sem entender verdadeiramente que ele se alimenta do que é popular porque tudo o mais falha há demasiado tempo. A começar pelas respostas às legítimas preocupações das pessoas e por um projeto para o país, que não existem. À deriva, tenta-se vender o publicamente correto a quem já só compra o que sente na pele e insiste-se que quem não alinha por aquele diapasão está errado, em lugar de se procurar resolver os problemas que despertam essa divergência. O efeito? Afastar cada vez mais quem vota de o fazer pelo bem comum, porque é crescente a perceção de que ninguém está verdadeiramente interessado em trazer soluções. Porque, em lugar de ensaiar um consenso para um plano de reconstrução económica e social capaz de gerar riqueza no país, os que se dizem responsáveis extremam os discursos para reconquistar os votos que perderam para os extremistas.

Veja-se as sondagens. Em primeiro lugar, é digna de nota a decisão de medir permanentemente o pulso aos portugueses no que respeita às presidenciais (a um ano de distância) e às legislativas (se tudo correr mal, a prazo praticamente semelhante, se não, ainda mais distantes), desprezando a decisão que mais impacta a realidade imediata das pessoas: as autárquicas que se realizam já no fim do verão.

Olhando sem palas os resultados do barómetro, vê-se muito. Vê-se, por exemplo, que não faz grande sentido destacar que André Ventura é repetidamente o líder menos popular de todos, quando em simultâneo é o segundo classificado numas eleições em nome próprio — o primeiro entre os candidatos com vínculo partidário. Vê-se também que há um país dividido, mas descrente nas políticas da esquerda (em que medida parte da exígua votação dos partidos radicais deste lado não terá precisamente que ver com o facto de terem sido responsabilizados pelas escolhas, com a geringonça?). Vê-se que um em cada seis portugueses não sabe o que fazer à vida e que toda a exposição pública, ainda que pelos piores motivos, não retira eleitores ao Chega.

Mas vê-se sobretudo que, mesmo somados todos os créditos das mais reconhecidas figuras, ninguém faz frente ao almirante Gouveia e Melo — não é certo que perdesse sequer se todos os partidos se unissem numa alternativa única.

É cedo, muito cedo, para definir vencedores de uma corrida que ainda nem começou. Mas este resultado demonstra uma vez mais que "a perceção da sociedade" não é a interpretação que dela faz a bolha que pensa adivinhar-lhe as vontades e persiste em condicionar-lhe as escolhas. Melhor seria se as energias estivessem concentradas no que importa: construir um projeto que possa apontar futuro ao país e dar ambição aos portugueses.