Dano Cerebral Adquirido (DCA)? É algo que pode acontecer ou vai acontecer a qualquer um de nós a qualquer momento. É a principal causa de morte e de deficiência em Portugal. É sofrer um AVC, ou um acidente rodoviário, desportivo, de trabalho que nos causa traumatismo craniano grave, é descobrir que se sofre de um tumor grave, ou aneurisma, ou sofrer uma anoxia, uma infeção cerebral muitas vezes por algo que nem surgiu no cérebro.

É sobretudo algo que acontece a dezenas de milhares de pessoas todos os anos e as transforma para sempre e na forma como interagem com o mundo, com a família, os amigos ou o emprego. A vítima de Dano Cerebral adquirido é o próprio e toda a sua família.

E é um problema de saúde pública que urge ser tratado com prioridade e de forma estruturada. A jusante, para potenciar a prevenção e aumentar a monotorização para descobrir casos na fase inicial e ainda tratáveis e posteriormente para que não se perca a pessoa e a família e para que possam ser encaminhados para viverem a nova vida com qualidade.

Contudo, o apoio ao longo da vida a pessoas que sofreram um Dano Cerebral tem sido, sobretudo, assegurado pela sociedade civil, que preenche as lacunas deixadas pelo vazio ao nível das políticas de saúde e de segurança social nesta matéria.

É neste contexto que, ao longo dos últimos 15 anos, temos desenvolvido o nosso trabalho. Sem qualquer subvenção pública e contando apenas com donativos de particulares e empresas e voluntariado, temos acompanhado mais de mil casos de pessoas com DCA, o que, considerando família e amigos, impacta mais de 3 mil pessoas. Atualmente, prestamos apoio a centenas de casos ativos em todo o país, numa demonstração de um compromisso que ultrapassa o papel tradicional das organizações não governamentais e sem fins lucrativos.

Na verdade, é importante sublinhar que o SNS tem um papel fundamental nos cuidados médicos iniciais. Porém, o Dano Cerebral Adquirido não é apenas uma questão médica, mas sim uma questão social de largo espectro, porque o impacto estende-se às famílias, frequentemente forçadas a assumir o papel de cuidadoras sem qualquer tipo de apoio especializado. O desgaste emocional e financeiro que enfrentam poderia ser mitigado por uma rede de apoio institucional robusta e eficiente, algo que continua a faltar em Portugal.

É a preencher essa lacuna que temos trabalhado para proporcionar às pessoas com DCA e seus cuidadores apoio psicossocial, orientação e projetos de reintegração social e profissional, preenchendo um vazio que não deveria existir, e que permite as estas pessoas e famílias construírem, novamente, uma vida normal.

Na ausência de respostas públicas, de uma estratégia nacional integrada e de um modelo estruturado de apoio continuado, o acompanhamento de pessoas com DCA tem dependido da nossa capacidade de captação de fundos privados e do voluntariado.

Não se trata, aqui, de questionar o empenho dos profissionais de saúde, nem da segurança social, mas de reconhecer que, sem uma resposta multidisciplinar, as famílias são empurradas para um cenário de incerteza e precariedade, que temos tentado compensar e que as políticas públicas não podem continuar a ignorar esta realidade.

O Dano Cerebral Adquirido pode afetar qualquer pessoa, em qualquer idade e momento da vida e exige, por isso, uma estratégia nacional que vá além do tratamento inicial. E o verdadeiro desafio vem depois: ajudar estas pessoas a superarem os obstáculos e a recuperarem, novamente, a normalidade possível para as suas novas vidas.

Vera Bonvalot diretora Executiva da Novamente