Vivemos numa era em que os pagamentos digitais se tornaram a norma: contactless, carteiras digitais e transferências instantâneas através de aplicações de homebanking, passaram a fazer parte do nosso dia a dia. Mas será que isto significa o fim dos pagamentos físicos? A realidade está longe de ser tão linear.
A ideia de uma sociedade cashless pode parecer moderna e eficiente, mas nem todos os consumidores estão prontos, ou dispostos, a abandonar o dinheiro e outros métodos tradicionais. Portugal, por exemplo, ainda tem uma percentagem significativa da população que prefere pagar em numerário - e isto não se trata apenas de uma questão geracional. O pagamento em dinheiro continua a ser uma opção essencial para quem quer manter um maior controlo sobre os seus gastos, evitar taxas bancárias ou, simplesmente, não tem acesso a serviços financeiros digitais.
Por outro lado, para muitos pequenos e médios comerciantes, a diversidade de opções de pagamento é um fator crítico. Se um negócio impuser exclusivamente pagamentos digitais, pode estar a afastar clientes que preferem, ou precisam, de alternativas. Mais do que uma questão de conveniência, trata-se de não perder oportunidades de venda.
O impacto vai além dos consumidores individuais. O setor do retalho e dos serviços representa uma fatia significativa do PIB português. Se as opções de pagamento forem reduzidas, podemos estar a comprometer o dinamismo de uma parte vital da economia. Além disso, o turismo, um dos motores do crescimento económico nacional, também depende da flexibilidade de pagamento. Muitos visitantes estrangeiros ainda optam por pagar em dinheiro, seja por questões de segurança, por limitações nos seus cartões bancários internacionais ou, simplesmente, pela dificuldade em abrir uma conta bancária em Portugal.
A chave está em saber manter o equilíbrio: avançar tecnologicamente não significa forçar uma rutura com o que ainda funciona. O desafio é garantir que os pagamentos digitais sejam acessíveis e eficientes, sem excluir aqueles que continuam a preferir os métodos tradicionais. Essa liberdade está, a meu ver, consagrada, de forma inerente, nos direitos do consumidor proclamados por John F. Kennedy. E, mais diretamente, está na nossa Constituição, no direito à proteção dos interesses económicos. A inclusão financeira passa por oferecer escolhas, não limitar opções.
Afinal, a pergunta é simples: devemos realmente decidir como pagar com base numa tendência, ou devemos manter o foco em soluções que estejam ao alcance de todos? A opção só pode ser uma, não deixar ninguém para trás!
CEO da Pagaqui